Por Colby Smith, Valor — Financial Times, de Washington
28/09/2023 21h56 Atualizado há 9 horas
A economia dos Estados Unidos enfrenta um novo perigo, com o aumento da possibilidade de paralisação das operações do governo federal, a continuidade das greves no centro-oeste do país, o aumento dos custos da energia e o fim do apoio fiscal da era da pandemia de covid-19 afetando os orçamentos das famílias.
Essa combinação ameaça minar os consumidores e as empresas no momento em que a resiliência destes mostra sinais de ruir sob o peso das taxas de juros mais altas, tornando provável ainda neste ano uma grande desaceleração do crescimento, segundo economistas.
“Há uma possibilidade real de a economia ficar muito mais fraca no quarto trimestre do que no terceiro”, diz Ian Shepherdson, economista-chefe da Pantheon Macroeconomics. “Esse grande número de golpes chegará no contexto dos efeitos defasados dos aumentos dos juros pelo Fed”, acrescenta ele.
Um obstáculo inesperado é o aumento da greve dos trabalhadores do setor automobilístico no centro-oeste que afeta as três principais montadoras do país. O impasse trabalhista dá poucos sinais de uma resolução.
Outro perigo vem de Washington, onde uma paralisação (shutdown) do governo — provavelmente já neste fim de semana — colocaria centenas de milhares de servidores públicos federais em licença forçada, atrasando também a coleta de divulgação de dados dos quais o Federal Reserve (Fed) necessita para avaliar detalhadamente a situação da economia.
A isso se seguirá, no começo de outubro, o fim do alívio implementado pelo governo durante a pandemia de covid-19 nos reembolsos dos empréstimos estudantis e dos subsídios aos servidores públicos para cuidados com os filhos — outro golpe para as famílias financeiramente vulneráveis e para os gastos de alguns consumidores.
A combinação poderá reduzir o crescimento anualizado do PIB para 1,3% no quarto trimestre, comparado a 3,1% no terceiro trimestre, segundo avaliam economistas do Goldman Sachs.
A paralisação do governo por si só poderia eliminar 0,2 ponto porcentual do crescimento trimestral anualizado em cada semana que ela eventualmente durar, afirma o Goldman Sachs, enquanto o impacto das greves poderia representar um golpe de 0,1 ponto porcentual por semana. A retomada dos pagamentos dos empréstimos estudantis deverá representar um golpe de 0,5 ponto porcentual.
A visão mais pessimista dos economistas se dá apesar do otimismo mais recente do Fed em suas perspectivas para a economia dos EUA.
Analistas também apontam para os aumentos recentes nos preços do petróleo, que se aproximam dos US$ 100 o barril depois que a Rússia e a Arábia Saudita concordaram em continuar restringindo a oferta.
“No momento em que os rendimentos estão sendo novamente pressionados pelos custos mais altos dos combustíveis, pelos aumentos contínuos nos custos dos empréstimos e a retomada dos pagamentos dos empréstimos estudantis, estou preocupado com a possibilidade de ver uma queda rápida dos gastos do consumidor no quarto trimestre”, diz James Knigthley, economista-chefe internacional do ING.
Se não houver uma resolução rápida das greves no setor automobilístico e na questão da paralisação do governo, o crescimento do PIB no quarto trimestre poderá “facilmente” ficar negativo, alerta ele.
Apesar da possibilidade de tais choques, a maioria dos economistas ainda acredita que os EUA conseguirão evitar uma recessão, em grande parte porque o mercado de trabalho vem se saindo muito melhor que o esperado, apesar de os juros estarem nos patamares mais altos em 22 anos.
Segundo previsões econômicas compiladas pela Bloomberg, o crescimento do PIB cairá de 3% anualizados e ajustados sazonalmente no terceiro trimestre, para apenas 0,5% nos três meses finais do ano, antes de atingir o mínimo de 0,1% no começo de 2024. A taxa de desemprego deverá atingir o pico de pouco mais de 4%.
Mas os economistas temem que as bases do consumo surpreendentemente vigoroso nos EUA — uma fonte da resiliência inesperada da economia nos últimos meses — fiquem mais fracas, deixando a economia mais vulnerável.
Antes apoiados em um grande volume de poupança excedente, estima-se agora que os americanos tenham esgotado esses saldos neste terceiro trimestre, segundo o Federal Reserve de San Francisco. A inadimplência voltou a aumentar nos cartões de crédito e financiamentos para a compra de automóveis.
Pequenas e médias empresas também estão sentindo a pressão, segundo aponta uma nova pesquisa trimestral da Morning Consult, com muitas informando vendas menores e demonstrando poucas expectativas de melhora.
Outra preocupação é o que todos esses perigos à espreita poderão significar para a inflação nos EUA. As pressões sobre os preços da maioria dos bens e serviços podem ter diminuído em relação aos picos anteriores, mas no geral continuam bem acima dos níveis consistentes com a meta de inflação de 2% do Fed.
Blerina Uruçi, economista-chefe da T Rowe Price nos EUA, diz estar preocupada que os preços mais altos da energia possam levar a custos maiores em outras áreas. A greve no setor automobilístico também poderá levar a um aumento dos preços dos veículos, uma vez que a oferta já está reduzida.
“Pequenos choques na economia podem realmente levar a inflação a aumentar novamente”, afirma ela. “E como banco central, você vai temer, se esses choques de alta continuarem ocorrendo, como isso vai afetar as expectativas de inflação.”
Uma paralisação prolongada do governo prejudicaria muito a clareza sobre a inflação e o mercado de trabalho. O Serviço de Estatísticas do Trabalho, por exemplo, pararia de coletar, processar e divulgar dados até que os financiamentos fossem restabelecidos.
Isso complicaria uma decisão já difícil sobre as taxas de juros para o Fed em sua reunião do fim de outubro. O banco central, que manteve seu juro básico em 5,25% a 5,5% este mês, está discutindo se sua política monetária é suficientemente restritiva para manter a inflação firmemente sob controle. Mas para tomar essa decisão, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que as autoridades analisariam a “totalidade dos dados”.
O Fed já tem uma “visão imperfeita, mesmo com os dois olhos funcionando”, disse David Wilcox, que liderou a divisão de pesquisas e estatística do Fed até 2018. Operar sem os dados do Serviço de Estatísticas do Trabalho seria como cobrir um olho, acrescentou ele.
“A política monetária é um exercício difícil, sujeito a erros mesmo nas melhores circunstâncias, mas no momento, com a economia em uma situação frágil, ninguém vai querer tornar um trabalho duro ainda mais difícil.”
Fonte: Valor Econômico

