Peng, funcionária de um meio de comunicação estatal chinês em Pequim, ainda está abalada após ter sido obrigada a aceitar uma segunda redução de salário em menos de um ano, uma vez que o enfraquecimento da economia da China atinge até as empresas do governo.
“Mal posso viver com isso”, reclama. “O trabalho continua aumentando, mas o dinheiro continua diminuindo.”
Leia também
A situação de Penq, que se repete pela China enquanto a economia sofre para recuperar-se de uma crise imobiliária e da pandemia, ilustra os desafios enfrentados pelo governo do presidente Xi Jinping, que se prepara para realizar neste mês um dos encontros quinquenais mais importantes do Partido Comunista da China.
No passado, o partido usou a terceira sessão plenária de seu Comitê Central, órgão de liderança de elite, para abordar as questões econômicas mais importantes do momento. Em 1978, Deng Xiaoping usou a reunião para lançar sua iniciativa de “reforma e abertura” da era pós-Mao Tsé-tung.
Alguns especialistas argumentam que agora são necessárias ações igualmente ousadas para reacender a demanda interna e evitar que a segunda maior economia do mundo entre em uma espiral deflacionária. Recentemente, contudo, no Fórum Econômico Mundial conhecido como “Davos de verão”, na cidade litorânea de Dalian, Nordeste da China, o primeiro-ministro do país, Li Quiang, indicou que não haverá nenhuma terapia de choque.
Na esteira da pandemia, a economia da China está como um paciente recuperando-se de uma grave doença, segundo Li. “De acordo com a teoria médica chinesa, a esta altura, não podemos usar remédios fortes. Devemos ajustar com precisão e nutrir lentamente [a economia], permitindo que o corpo se recupere gradualmente”.
O crescimento da China foi forte no primeiro trimestre, uma expansão de 5,3% na comparação anual, puxado pela produção industrial, embora os gastos dos consumidores tenham continuado instáveis.
Os especialistas têm analisado de perto os recentes discursos de Xi e outros líderes em busca de sinais do rumo das políticas econômicas de Pequim para os próximos cinco anos ou mais, que podem ser revelados na importante reunião, que acontecerá entre os dias 15 a 18 de julho.
Entre as possíveis áreas de foco estão as “novas forças produtivas de qualidade” de Xi (um jargão do partido que os analistas acreditam se referir a tecnologias avançadas e aos setores de energia verde e de indústria de ponta), além das reformas fiscais e de bem-estar social, mudanças no sistema chinês de registro domiciliar “hukou” e esforços para revigorar a confiança do setor privado.
O Comitê Central — hoje com 205 membros titulares e 171 suplentes nomeados no 20º Congresso do partido em outubro de 2022 — em geral realiza sete sessões plenárias durante o mandato de cinco anos. A terceira atrai particular atenção internacional em razão do histórico de pronunciamentos importantes sobre política econômica nessa sessão.
“A hipótese básica é que esta terceira plenária não marcará uma mudança fundamental no curso já traçado por Xi”, disseram os analistas Andrew Batson e Wei He, da Gavekal, em uma nota.
“A agenda oficial [da sessão] é estudar ‘o avanço da modernização de estilo chinês'”, termo de Xi para descrever sua ideia de grandeza nacional, na qual a autossuficiência tecnológica e a segurança nacional têm mais peso do que o crescimento econômico.
As novas forças produtivas são um exemplo disso. Neste ano, Xi vinculou sua estratégia de produção industrial, que tem priorizado o investimento em setores como os de veículos elétricos (VEs), baterias, semicondutores e biotecnologia, ao conceito de produtividade total dos fatores, um indicador da produção econômica que não é motivada por aumentos em recursos como o capital e o trabalho.
Isso aumentou as esperanças entre os economistas de uma abordagem de crescimento mais baseada no mercado. A Gavekal, porém, sustenta que não há indicações de que o Estado reduziria seu papel na economia. Pequim ainda quer “guiar a alocação de recursos para alcançar os objetivos políticos de modernização industrial e inovação tecnológica”, segundo Batson e Wei.
As reformas fiscais, no entanto, são uma área na qual pode haver mudanças, de acordo com analistas em Pequim.
O governo federal da China responde por apenas cerca de 10% dos gastos públicos totais, em comparação a uma média mundial de cerca de 20%. No entanto, Pequim controla um volume desproporcional da arrecadação em comparação aos governos locais. Isso, em parte, provocou uma crise de dívida em muitos desses governos locais, que encontram dificuldade para incrementar a arrecadação em meio à crise imobiliária.
Quanto à reforma da previdência social, as empresas estarão atentas a qualquer indicação sobre um aumento na idade de aposentadoria, que está entre as menores do mundo, de 60 anos para homens e de 55 para mulheres em trabalhos administrativos e 50 para mulheres em trabalhos manuais.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/4/h/LWhexkRGivWKS5kuZLow/ap22289538508636.jpg)
À medida que o declínio demográfico se consolida — em 2023 a população da China diminuiu pelo segundo ano consecutivo —, as autoridades econômicas precisam encontrar maneiras de suavizar o crescente peso fiscal do pagamento das aposentadorias, alertam especialistas.
Uma maior flexibilização do sistema de registro domiciliar hukou — que restringe o acesso pleno das pessoas a serviços públicos fora de suas cidades de origem — poderia direcionar mais pessoas para regiões mais urbanizadas e ajudar o mercado imobiliário em dificuldades.
No entanto, alguns observadores argumentam que Xi provavelmente não iria acabar completamente com o sistema hukou, que impede a superlotação das cidades de “primeira grandeza”, em especial Pequim e Xangai, e dá ao partido controle sobre os fluxos populacionais.
Alguns empresários têm a esperança de que sejam anunciados incentivos para as empresas privadas, como a elevação dos limites de participação estrangeira em alguns setores, para reanimar os ânimos afetados pela ofensiva fiscalizadora do governo contra as áreas imobiliária e de comércio eletrônico.
Outros também esperam uma resposta decisiva para a crise imobiliária. O governo lançou esquemas para intervir diretamente no mercado, por meio da compra de estoques de imóveis que ficaram sem vender, mas as medidas não conseguiram aumentar a confiança. A terceira sessão plenária poderia ser uma boa oportunidade para um anúncio “big bang” sobre os imóveis, sugerem alguns analistas.
“Em um cenário otimista […] políticas fortes poderiam ser sinalizadas ou até introduzidas na terceira plenária”, disse Yifan Hu, diretor de investimentos da UBS Global Wealth Management.
A maioria dos observadores, entretanto, considera isso improvável e adverte que o principal foco será a continuidade, uma vez que Pequim tenta levar a cabo uma transição de um modelo econômico de alto crescimento alimentado por dívidas e pela construção imobiliária e de infraestrutura para um caracterizado pelo investimento em setores verdes e de alta tecnologia.
“Não devemos esperar muito da terceira plenária”, disse um economista renomado de um centro de estudos governamental.
O economista acrescentou que os mercados já preveem um encontro sem grandes anúncios. Os índices referenciais de ações de Shenzhen e Xangai caíram 1,6% desde os comentários de Li Qiang em Dalian.
Não são boas notícias para os cidadãos chineses que querem algum alívio diante dos cortes de salários e demissões. Peng, a funcionária estatal, disse que a austeridade está evidente em todas as esferas de sua empresa.
Recentemente, um dos chefes dela teve o salário cortado em 35%, o que o “deixou sem condições de pagar as prestações mensais de seu financiamento residencial”, disse ela.
1978 – Considerado o ponto de virada na história do Partido Comunista da China, a 11º sessão plenária, em 1978, estabeleceu Deng Xiaoping como principal líder e iniciou a era da “reforma e abertura”, que pôs fim à economia planejada de Mao Tsé-tung e resultou em rápido crescimento econômico.
1993 – Jiang Zemin, o falecido secretário-geral do Partido Comunista da China, defendeu a criação de uma “economia de mercado socialista” até o fim do século 20 e instituiu reformas que encorajaram as empresas privadas e transformaram as operações das estatais
2013 – A primeira terceira plenária do presidente Xi Jinping asseverou o “papel decisivo” dos mercados na alocação de recursos e incluiu passos para liberalizar o sistema bancário, encorajar o investimento privado em estatais, abolir a reeducação por meio de trabalhos forçados e abrandar a política de filho único.
2018 – A terceira plenária mais recente, realizada atipicamente no início do mandato, aprovou reformas no partido e em instituições estatais, além de consolidar o status de Xi, depois que o partido anunciou uma emenda constitucional acabando com os limites aos mandatos presidenciais e abrindo caminho para um governo vitalício de Xi.
(Tradução de Sabino Ahumada)
Fonte: Valor Econômico

