O maior exercício democrático do mundo terminou, com uma nota inesperada. Cerca de 642 milhões de indianos votaram na eleição de sete fases, que durou várias semanas em meio a uma onda de calor. O líder do Partido Bharatiya Janata (BJP), Narendra Modi, anunciou nesta terça-feira (4), como já era esperado, que volta ao cargo de premiê para seu terceiro mandato consecutivo — o primeiro a conseguir isso desde o primeiro-ministro da independência, Jawaharlal Nehru. Mas Modi volta recebendo uma lição de humildade.
O BJP está no rumo de perder sua maioria absoluta e, com seus aliados, deve conquistar menos vagas na Câmara Baixa da Índia do que em 2019 — um resultado muito aquém da vitória retumbante que as pesquisas de boca de urna sugeriam. Isso deixa Modi enfraquecido e mais dependente dos parceiros de sua coligação e da oposição. Empresas e investidores apostavam na continuidade e em uma maioria forte. Os preços das ações, dos títulos e a rupia caíram.
Mas o resultado surpreendente pode mostrar-se favorável para o desenvolvimento a longo prazo do país mais populoso do mundo e da economia de crescimento mais rápido do planeta. Na verdade isso pode fortalecer a ascensão do país, se encorajar o arrogante e nacionalista hindu BJP a se animar com a democracia indiana, precisamente quando muitos temiam que ela estivesse oscilante.
Conquistar um terceiro mandato histórico mostra que Modi segue popular. Muitos indianos ainda aprovam sua liderança, que já dura uma década. Desde seu primeiro mandato, em 2014, as infraestruturas rodoviária, ferroviária e de energia cresceram no país, a Índia criou um Estado de bem-estar social digital e a confiança do país na cena mundial aumentou. Mas a eleição mostra que os indianos querem mais de seu governo.
Apesar da redução impressionante da pobreza no país, a desigualdade de renda e de riqueza está entre as maiores do mundo. Os indianos estão preocupados com a falta de empregos e com a inflação alta. Agora o BJP precisa tratar dessas questões práticas – em conjunto com sua visão grandiosa de transformar a Índia em um país desenvolvido até 2047 – se quiser permanecer no poder. É evidente que o esforço para ampliar a imagem de Modi como um chaiwala (vendedor de chá) que se tornou um líder mundial, reforçar o nacionalismo hindu e intensificar a polarização – muito visível na campanha eleitoral – produziu retornos decrescentes nas urnas.
Para o BJP, a votação é também um sinal de alerta de que não pode bloquear as divergências e governar de maneira eficaz. Ao longo da última década, o partido e seus defensores amordaçaram a imprensa livre, intimidaram opositores e discriminaram muçulmanos. Além disso, a eleição afastou qualquer receio de que o BJP conseguisse reunir uma maioria de dois terços no Parlamento, o que lhe permitiria aprovar sozinho reformas na Constituição. E a oposição obteve ganhos, apesar das divisões, o que sublinha o descontentamento crescente.
É provável que o resultado da eleição desacelere parte da agenda de reformas econômicas do BJP. Mas também é uma oportunidade para reparar tensões estruturais, o que pode colocar a ascensão da Índia em bases mais sólidas. Para isso, o BJP precisará trabalhar com outros partidos para garantir que o crescimento da Índia seja mais inclusivo. Isso significa melhorar a educação, dar poder a mais mulheres para que entrem no mercado de trabalho e levar a cabo reformas liberalizantes do mercado.
Se quiser ser mais receptivo às necessidades de todos os eleitores, o BJP também precisa reverter seu retrocesso democrático. Isso significa encorajar, e não obstruir, os meios de comunicação independentes, acabar com a discriminação contra os muçulmanos e investir em estatísticas nacionais confiáveis. Uma Índia mais transparente e pacífica apenas aumenta sua atração para o investimento.
Uma Índia forte e democrática é importante para seu povo — e para o mundo. O país tem uma das maiores e mais jovens forças de trabalho, seus consumidores já são um mercado muito importante e as multinacionais consideram a Índia fundamental para as estratégias de cadeias de fornecimento “China mais um”. Os eleitores demonstraram que sua democracia é resiliente. Nos próximos cinco anos, um Modi enfraquecido ainda pode ajudar a transformar o potencial econômico da Índia em realidade, mas apenas se aceitar a mensagem certa destas eleições.
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Fonte: Valor Econômico

