O melhor que se pode dizer do desempenho desastroso de Joe Biden no debate é que aconteceu em junho. Se ele fosse pressionado a renunciar como candidato, ainda faltariam dois meses para a convenção democrata. Para os partidários de Biden, que sempre agiram rapidamente para acabar com qualquer indício de discordância sobre sua candidatura, a noite de quinta-feira (27) foi uma hora da verdade. Há mais de um ano a questão do envelhecimento do presidente domina as conversas reservadas em Washington. Mas, de modo geral, a lei do silêncio em público sobre esse tema se mantinha. Agora, essa dissonância cognitiva desmoronou. A discussão neste momento é sobre se Biden pode ser convencido a renunciar. Só ele pode tomar essa decisão.
Depois de garantir a nomeação democrata de maneira incontestável, Biden teria o direito de ignorar os apelos para que se afastasse. É pouco provável que outros nomes que possam ser alternativas para a nomeação, como Gavin Newsom, governador da Califórnia, e Gretchen Whitmer, governadora de Michigan, se manifestem. O risco de serem rotulados como traidores e arruinarem suas chances presidenciais seria grande demais. Não existe nada do tipo de um comitê de líderes ilustres do partido que possa persuadir Biden a desocupar a abrir mão da vaga. Ele é o líder do partido. Uma tentativa da jovem Hillary Clinton, de 76 anos, ou do muito mais jovem Barack Obama, de 62, de chamar-lhe a atenção correria o risco de ter o efeito oposto ao desejado.
Os que melhor conhecem Biden dizem que as únicas pessoas que podem influenciá-lo são as de sua família, a começar pela primeira-dama, Jill Biden. Biden é um homem teimoso. A maioria dos presidentes é. Até quinta-feira à noite, ele acreditava que era o único democrata capaz de derrotar Donald Trump. Hoje, parece que está no rumo de uma derrota em novembro. À medida que a fala balbuciante, e muitas vezes inaudível, de Biden prosseguia, os mercados de prognósticos reagiam em tempo real. Ao fim do debate, um mercado de apostas políticas, o PredictIt, deu a Trump uma chance de vitória de 61%, sendo que começou o encontro com 53%. Isso definiu em números o que quase todo mundo estava pensando.
O risco para os democratas, hoje, tem duas vertentes. A primeira é que Biden simplesmente se recuse a ceder. Na verdade, esse ainda é o resultado mais provável. Enquanto o debate acontecia, os assessores de Biden espalhavam a versão de que ele estava com um forte resfriado, o que explicava sua voz rouca. A essa altura, todos já tinham esquecido a previsão de Trump de que Biden tomaria uma “injeção no traseiro”, ou mesmo cocaína, para melhorar seu desempenho. Se Biden acreditar que simplesmente teve uma noite ruim, ele pode desperdiçar o precioso tempo que os democratas têm para eleger um substituto. A pior coisa que ele poderia fazer seria aferrar-se à nomeação por mais algumas poucas semanas e depois renunciar. Ele precisaria fazer o anúncio nos próximos dias.
O segundo risco é que Biden decida se afastar em tempo hábil e o Partido Democrata mergulhe em uma guerra interna. Outra razão para Biden ser tão relutante sobre a ideia de desistir é a impopularidade de Kamala Harris, a vice-presidente. Mas como ela é a primeira mulher e a primeira não branca a ocupar o cargo de vice-presidente, o aval de Biden a qualquer outro nome seria visto como provocação. Se ele não nomeasse Harris como sua herdeira aparente, o partido poderia ficar polarizado ao longo de linhas ideológicas. Qualquer um que concorresse com Harris pela nomeação, em especial se fosse homem e branco, correria o risco de ser retratado como um inimigo do progresso. Uma batalha amarga pela nomeação democrata que culminasse em uma convenção dividida em Chicago traz demasiados ecos históricos para ser reconfortante. Em 1968, quando os democratas fizeram sua convenção naquela cidade do Centro-Oeste, ela se transformou em um pelotão de fuzilamento circular.
Esses riscos já eram conhecidos. Mas as vantagens subitamente ficaram mais evidentes. Muitas democracias podem fazer eleições gerais e mudar seu governo no período que vai de agora até a convenção de Chicago. Na verdade, o Reino Unido parece prestes a fazer isso na semana que vem, depois de ter anunciado a antecipação das eleições no fim de maio. O fato de que nenhum partido dos Estados Unidos tenha feito uma convenção aberta de que se tenha memória recente não deve ser um obstáculo. Tudo sobre a corrida presidencial dos EUA em 2024 é sem precedentes. Isso inclui a idade avançada dos dois candidatos e o fato de que um deles, Trump, repudiou os resultados da eleição anterior.
Bill Clinton disse certa vez que os americanos preferem os “fortes e errados” aos “fracos e certos”. Na quinta-feira, essas duas opções estavam no palco do debate. Todos os democratas, até mesmo Biden, repetem incansavelmente que a democracia estará em votação em novembro. Eles argumentam que o que está em jogo é a sobrevivência dos EUA. A questão, agora, é se eles têm a dureza para agir de acordo com essas crenças.
Talentos democratas não faltam. E uma disputa ruidosa não seria necessariamente ruim para o partido. Os democratas estariam dando uma mostra do processo democrático dinâmico que acreditam estar em perigo. A questão que Biden, e a primeira-dama, precisam se perguntar hoje é de quem Trump teria mais medo: de Biden, ou de um adversário mais jovem que pudesse disparar rapidamente os contra-argumentos que ele não conseguiu formular na quinta-feira? Para um número cada vez maior de democratas, essa questão se responde por si mesma.
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Fonte: Valor Econômico

