É difícil dizer exatamente quando o ímpeto de Kamala Harris começou a desacelerar. Mas foi em algum momento entre o debate do mês passado e a chegada do furacão Helene à Costa Leste. A tempestade, que causou a pior devastação em anos, agora, é seguida pelo igualmente ameaçador furacão Milton. Em meio às inundações, evacuações e mortes, surgiu uma rajada de desinformação sobre a suposta negligência do governo federal dos EUA. Tudo, aparentemente, é culpa de Kamala, incluindo o clima.
Seria um esforço inútil tentar prever o impacto da tempestade nas eleições do próximo mês. A má gestão do furacão Katrina por George W. Bush em 2005 ocorreu após sua reeleição, embora possa ter contribuído para a vitória dos democratas nas eleições legislativas do ano seguinte. Ao contrário das expectativas, os estragos de Helene podem até beneficiar a participação de Kamala, já que as áreas rurais, fortemente republicanas, da Geórgia e da Carolina do Norte foram mais afetadas do que suas cidades. A Flórida, que é o próximo alvo da temporada de furacões, já não é mais um Estado decisivo.
A questão é que quase qualquer coisa pode influenciar o resultado de uma eleição que está muito disputada. As chances de Harris perder para Trump e vice-versa são praticamente as mesmas. “Especialistas” que afirmam saber o resultado estão blefando. Nenhuma pesquisa de opinião pode penetrar nas mentes de algumas centenas de milhares de eleitores indecisos dos Estados-chave que ainda não decidiram seu voto.
Embora não precise de convite, a propensão de Trump em transformar esta eleição em uma de “categoria cinco” é ainda maior do que o normal. E é exatamente o que ele está fazendo. Nos últimos dias, Trump alegou que Harris usou o dinheiro da FEMA (Agência Federal de Gerenciamento de Emergências) para abrigar imigrantes ilegais; que os democratas estão desviando ajuda de áreas que votam nos republicanos; que Joe Biden nem se deu ao trabalho de ligar para os governadores republicanos dos Estados afetados; e que o socorro governamental está ausente.
Todas essas alegações são falsas ou muito distorcidas. No entanto, muitas delas foram amplificadas por Elon Musk, o homem mais rico do mundo e dono do X, onde, diariamente, se promove tais desinformações. De fato, a FEMA está sempre com falta de recursos. Mas não são os democratas que votam contra seu financiamento. Além disso, Trump é claramente culpado daquilo que acusa Biden e Harris. Como presidente em 2020, ele deixou claro publicamente que os Estados com governadores republicanos aliados receberiam prioridade nos fundos de combate à covid.
Seguindo a regra de que as acusações de Trump são confissões, sua retórica prenuncia a devastação da eleição americana de 2024. Não é apenas Trump que sugere que as tentativas de assassinato contra ele em julho e setembro foram conspirações do establishment democrata. Seu vice, JD Vance, sua equipe de campanha e seus vários aliados, incluindo Musk, fazem o mesmo. Não é apenas Trump que afirma que a votação em 5 de novembro será fraudada. Ao lado dele no último sábado (5), Musk disse: “Esta será a última eleição na América se você não votar.” A nora de Trump, Lara Trump, chamou a eleição de uma batalha entre o “bem e o mal”.
Esse tipo de retórica não pode ser simplesmente desligado no dia seguinte a uma derrota. Milhões de eleitores republicanos acreditam que pessoas más estão planejando fraudar esta eleição. Isso sugere que o que aconteceu em 6 de janeiro de 2021 não foi uma aberração. Trump prometeu perdoar os “mártires” de 6 de janeiro e libertar os “reféns” da prisão. Isso também serve como um sinal verde para quem tentar fazer o mesmo no futuro. As chances de Trump se recusar a ceder em caso de derrota são altas. Ele enfrenta vários julgamentos criminais adiados. A carreira de Kamala foi construída como promotora pública. Ela provavelmente não nomeará um procurador-geral tímido.
O plano A, claro, é derrotar Kamala por qualquer meio necessário. Nesse esforço, Musk é um aliado poderoso. Não importa se ele está agindo por vingança — como dono da Tesla, ele ficou magoado por ter sido excluído de uma cúpula da Casa Branca sobre veículos elétricos em 2021 — ou por sua sede por cortes de impostos. Ele também pode ter tido uma “conversão ideológica”. A julgar pelas postagens de Musk, ele acredita na teoria da “grande substituição”, segundo a qual liberais judeus estão trazendo eleitores ilegais para superar os americanos brancos em número.
A questão é que o poder incomparável de Musk está à disposição de Trump. Musk é o Henry Ford da eleição de 2024. O plutocrata automotivo foi um forte apoiador do movimento antissemita America First de Charles Lindbergh no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos, agora, enfrentam outra tempestade iminente. Independentemente de quem vencer daqui a um mês, provavelmente será necessário auxílio em caso de desastre.
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Fonte: Valor Econômico

