As companhias do Vale do Silício estão intensificando a verificação de segurança dos funcionários e potenciais contratados, à medida que as autoridades do Estados Unidos demonstram uma maior preocupação com a ameaça de espionagem chinesa.
Gigantes tecnológicas como o Google e startups de alto nível como a OpenAI reforçaram a triagem de pessoal, segundo várias fontes que trabalham diretamente com esses grupos.
A medida surge em meio a temores de que governos estrangeiros podem estar usando trabalhadores comprometidos para acessar propriedade intelectual e dados das empresas.
Firmas de venture capital como Sequoia Capital, que apoia dezenas de startups como a xAI , de Elon Musk, também vêm encorajando algumas empresas de seu portfólio a reforçar a verificação de pessoal após alertas de que agências de espionagem estão mirando desenvolvedores de tecnologia dos EUA, segundo disseram as fontes.
A própria Sequoia fez um desmembramento de suas operações chinesas no ano passado, depois de quase duas décadas, devido às pressões geopolíticas.
Alex Karp, presidente-executivo da Palantir, empresa de análise de dados da indústria de defesa dos EUA e avaliada em US$ 53 bilhões, diz que a espionagem chinesa de empresas de tecnologia americanas é um “problema enorme”, especialmente para os produtores de software empresarial, modelos de linguagem ampla e sistemas de armamentos.
“Temos adversários espertos”, diz Karp. “Nossos inimigos são culturas antigas que lutam por sua sobrevivência, não apenas agora, mas pelos próximos mil anos.”
A intensificação do esforço de segurança ocorre depois que as autoridades dos EUA aumentaram, nos últimos dois anos, os alertas às empresas sobre a ameaça de espionagem chinesa. Washington e Pequim estão envolvidas em uma crescente competição estratégica, com os EUA impondo controles às exportações para tornar mais difícil para a China obter e desenvolver tecnologias de ponta como a IA e os chips avançados.
No entanto, há também preocupações com um aumento da xenofobia nas empresas de tecnologia dos EUA, dada a prevalência de trabalhadores qualificados de origem asiática.
HR McMaster, ex-assessor de segurança nacional dos EUA que vem aconselhando empresas de tecnologia e firmas de investimentos sobre os riscos de espionagem estrangeira desde que deixou o governo, diz que a ameaça das agências de inteligência chinesas é “absolutamente real e elas são persistentes”.
“As empresas com que converso e trabalho estão muito conscientes disso no momento e estão fazendo tudo o que podem para reduzir essa ameaça”, afirma ele.
O Google informou que tem “salvaguardas rígidas para evitar o roubo de nossas informações comerciais confidenciais e segredos comerciais”. A Sequoia não quis comentar. A OpenAI não respondeu a pedidos para comentários.
Os casos de espionagem chinesa datam de décadas, mas parecem ter se multiplicado nos últimos anos. Em março, promotores dos EUA acusaram um ex-engenheiro de software do Google de supostamente ter roubado segredos comerciais de IA enquanto trabalhava secretamente com duas empresas baseadas na China. Tesla, Micron e Motorola foram vítimas de roubo “flagrante” de propriedade intelectual pela China nos últimos cinco anos, segundo os EUA.
Bill Priestap, ex-chefe de contrainteligência do FBI, hoje no comando da consultoria Trenchcoat Advisors, aconselha sobre os “riscos de origem humana” representados por adversários estrangeiros. Ele diz ter visto casos de “alto nível” em que grupos de inteligência estrangeiros exploram funcionários de empresas americanas para roubar ativos valiosos.
“Alguns empregadores perceberam que quando estão contratando pessoas precisam entender que, se tiverem alguma vulnerabilidade, eles precisam estar cientes disso. A simples manutenção de laços com certos países significa que um indivíduo pode estar vulnerável a ser explorado, mesmo que não queira causar danos à sua empresa”, diz ele.
Algumas empresas privadas surgiram para oferecer inteligência estratégica às companhias sobre as ameaças de espionagem chinesas. A Strider Technologies, de Utah, lançada pelos gêmeos Greg e Eric Levesque em 2019, fornece uma ferramenta de dados para empresas para evitar que Estados tenham como alvos seus funcionários, e evitar também a infiltração de vendedores e fornecedores terceirizados.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2021/R/m/O5060HRmGkOFA5AlyfBA/cyber-5338472-1920.jpg)
O presidente-executivo Greg Levesque diz que a Strider registrou um aumento recente na adoção de suas ferramentas por startups que trabalham com tecnologias emergentes, como a computação quântica, a IA e a biologia sintética, “que estão no topo da lista de compras de países como a China”.
O sistema da Strider usa a IA para coletar dados sobre os métodos que as agências de inteligência estrangeiras estão empregando para atingir empresas e seus funcionários. Por exemplo, ela monitora centenas de “planos de talentos” chineses, que supostamente recrutam cientistas e professores estrangeiros e os incentivam a roubar tecnologias para promover os objetivos militares e econômicos da China. Priestap e McMaster são consultores da Strider.
Se um indivíduo for sinalizado pelo sistema da Strider, as empresas podem implementar rastreios adicionais, como a devida diligência sobre a família desse indivíduo ou suas ligações financeiras no exterior, bem como seu histórico de viagens a países onde serviços de inteligência estrangeiros realizam recrutamento.
“Estamos vendo isso nas empresas da ‘Fortune 500’”, diz Greg Levesque. “Todo mundo está sendo alvo. Há uma batalha geopolítica em andamento e a indústria é a linha de frente.”
Em 2022, o Departamento de Justiça dos EUA abandonou um programa polêmico chamado “Iniciativa China”, iniciado durante o governo Trump, após críticas de grupos de defesa dos direitos civis de que ele estava envolvido em discriminação racial. Ele também foi alvo de escrutínio depois que vários casos movidos contra acadêmicos de origem chinesa, especialmente cientistas, fracassaram nos tribunais.
Mas a iniciativa também levou à condenação de Charles Lieber, professor de química da Universidade Harvard, entre outros. Descobriu-se que ele aceitou secretamente dinheiro da China através de um programa criado para ajudar o país a obter acesso a conhecimentos científicos e expertise nos EUA e em outros países.
Em novembro, o diretor do FBI, Christopher Wray, realizou um evento aberto no Vale do Silício com seus colegas da rede de inteligência Five Eyes, que inclui Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e EUA. Ele conclamou as empresas de tecnologia a “enfrentar uma ameaça sem precedentes” da China.
Os grupos do Vale do Silício que disputam contratos com o Departamento de Defesa dos EUA estão sendo encorajados a ampliar o alcance e a escala de suas devidas diligências contra ameaças de espionagem chinesa. Empresas comerciais de tecnologia que trabalham com as agências de defesa dos EUA são obrigadas a se submeter a rigorosas medidas de segurança.
McMaster, que também é tenente-general reformado do Exército dos EUA, diz: “A grande maioria da pesquisa e desenvolvimento com implicações para a segurança nacional costumava envolver programas do governo e agora isso está acontecendo no setor privado. Portanto, essas companhias se transformaram em alvos potencialmente muito lucrativos da perspectiva chinesa”.
(Tradução de Mario Zamarian)
Fonte: Valor Econômico

