Há cerca de um mês, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA emitiu um alerta para dengue à medida que os casos aumentavam acima dos níveis normais. Isso reflete um padrão nas Américas. Até agora, em 2024, ocorreram em torno de 10 milhões de casos, representando a epidemia de dengue mais grave de todos os tempos. Só no Brasil foram mais de 5 milhões desses casos, tornando-se, de longe, o país mais atingido.
A crise climática, que já é um dos principais impulsionadores da migração de mosquitos, deve agravar esta situação, intensificando fenômenos meteorológicos como El Niño e La Niña, que afetam os padrões de precipitação e podem causar inundações calamitosas – como visto no estado do Rio Grande do Sul, no início deste ano. O Aedes aegypti, vetor da dengue e de uma série de outras doenças, incluindo a zika, a febre amarela e a chikungunya, claramente se beneficia de um mundo mais quente em que a chuva em excesso aumenta o acúmulo de água, favorecendo a reprodução do mosquito.
Infelizmente, para doenças como estas, ainda enfrentamos lacunas tecnológicas importantes: as atuais ferramentas de diagnóstico são inadequadas e inacessíveis, afetando os esforços de eliminação e colocando vidas em risco. A pesquisa e o desenvolvimento de produtos para combater doenças que afetam as comunidades mais pobres e marginalizadas são cronicamente subfinanciados, uma vez que o potencial de lucro é mínimo. Além disso, a capacidade de produção necessária para fornecer estes insumos de forma sustentável está distribuída de forma desigual em todo o mundo. Com o aumento dos casos de doenças sensíveis às mudanças climáticas, o acesso a ferramentas de diagnóstico adequadas é essencial na nossa resposta global.
Programas como a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, instituída em 2023, são um exemplo do compromisso do Brasil em fortalecer a produção nacional de itens essenciais ao SUS. Nos próximos dez anos, o país pretende produzir 70% de todos os suprimentos de saúde, reduzindo assim a dependência de insumos, medicamentos, vacinas e outros produtos de origem estrangeira.
O G20 também proporcionou ao Brasil uma oportunidade significativa de exercer sua liderança ao destacar a importância da inovação e da produção local para atender às necessidades de diagnóstico dos países de baixa e média renda, incluindo muitos na África e na América Latina. A criação de uma Aliança Global para a Produção Local e Regional de Insumos e Inovação, construída sobre as bases estabelecidas pelas presidências anteriores do G20, é uma chance de promover uma redistribuição sustentável da inovação em diagnóstico e da capacidade de produção, aumentando o acesso a testes acessíveis e de alta qualidade.
O Brasil tem potencial não apenas para se tornar um líder regional no promissor cenário do comércio global de insumos de saúde que totaliza US$ 700 bilhões, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas também para contribuir para avanços significativos na saúde global. Como detentor da presidência do G20, o país tem uma oportunidade de ouro para iniciar ações concretas que incentivem a inovação e o acesso a ferramentas.
A crise climática, a crescente incidência de surtos de doenças como a dengue e a pressão sobre as cadeias de abastecimento ressaltam a urgência de avançar em esforços globais para fornecer intervenções de saúde eficazes e diagnósticos precisos. Repetidamente, vemos evidências claras do profundo impacto do investimento em diagnósticos. A organização FIND, por exemplo, com o apoio de parceiros, implementou testes rápidos para a doença do sono em 200 unidades de saúde de Uganda, contribuindo assim para o controle dessa doença negligenciada. Nenhum caso foi relatado no país desde junho de 2020.
O país pode garantir que as comunidades se beneficiem de mais acesso a diagnósticos e saúde ao liderar uma nova abordagem que promova a colaboração entre os setores público e privado. Ao catalisar a criação da Aliança, o Brasil está dando um passo crítico para fortalecer os esforços contínuos para a redistribuição global da capacidade de fabricação de ferramentas de diagnóstico. Esta iniciativa contribuirá para o acesso equitativo a diagnósticos e outros produtos de saúde, apoiando tanto a cobertura universal de saúde como a preparação para pandemias.
O aumento dos casos de dengue é o alerta mais recente que destaca a necessidade urgente de inovação e acesso a tecnologias de saúde para o combate a epidemias. O fortalecimento da fabricação regional de insumos de saúde, incluindo diagnósticos essenciais, apresenta uma oportunidade para aumentar a autossuficiência e a resiliência do Brasil. Este é o momento para agirmos e os gestores de saúde e países do G20 devem aproveitar a oportunidade para impulsionar mudanças significativas.
Marta Fernández Suárez é Chief Technology Officer (CTO) na FIND
Fonte: Valor Econômico