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O financiamento de políticas de combate à fome e à pobreza e de instrumentos para estimular a transição energética, duas prioridades do Brasil na presidência do G20, enfrentam desafios e oportunidades tanto no cenário doméstico como na arena internacional. No Brasil, que vive um cenário de restrição fiscal com necessidade de cortes no orçamento do governo, a questão é como fazer os dois temas avançarem de forma simultânea. É preciso canalizar recursos para o combate à pobreza e à redução das desigualdades e, ao mesmo tempo, fazer frente a urgências crescentes, caso do enfrentamento da mudança climática.
“Esse conflito não precisa ser dicotômico, o desafio é fazer com que as agendas caminhem juntas”, disse Carolina Grottera, diretora de programa da secretaria-executiva do Ministério da Fazenda. O conflito ao qual ela se refere está no fato de que a maior parte dos recursos do governo é canalizada para o combate à pobreza e à redução das desigualdades. Mas casos como a tragédia no Rio Grande do Sul mostram que é preciso enfatizar a prevenção de tragédias ambientais.
Grottera esteve nesta terça (23) entre os palestrantes do evento: “O desafio de financiar o desenvolvimento inclusivo e sustentável”, da série de encontros sobre o G20 promovida pelos jornais “O Globo” e Valor e rádio CBN. No painel do qual Grottera participou ao lado de outros especialistas foram mencionados ainda temas como o custo de capital mais alto nos países emergentes, incluindo o Brasil, para financiar a transição energética. Também foi citada a necessidade de cooperação internacional para melhorar o financiamento e a implementação de programas de combate à pobreza.
Uma das frentes nas quais existem parcerias em andamento é a dos bancos de desenvolvimento. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) trabalha não só para financiar projetos, mas para servir de ligação com outros atores: “Nosso papel é articular com diversos atores para trazer inovações e fazer com que os projetos saiam do papel. É servir de ponte com a poupança global, que tem muito interesse em financiar projetos alinhados em ESG [sigla de práticas ambientais, sociais e de governança corporativa]”, disse Morgan Doyle, representante do BID no Brasil.
Doyle disse que este ano o banco aprovou um aumento de capital do braço privado, o BID Invest, que permitirá dobrar a capacidade de emprestar: “O Brasil vai ser um dos principais beneficiados desse incremento. Outro papel relevante que cumprimos no Brasil é sobre PPPs [Parcerias Público-Privadas], infraestrutura e serviços públicos.”
Grottera, da Fazenda, acrescentou que agentes privados estão interessados em investir em novos mercados e mobilizar recursos. “O Brasil tem todas as condições [de atrair capital], temos instituições financeiras interessadas.” Na visão da executiva, existem setores com mais aptidão para modelagens que combinam iniciativas públicas e privadas, como concessões e PPPs. É o caso de projetos de infraestrutura de baixo carbono e saneamento básico, por exemplo.
Bruna Mascotte, sócia sênior da Catavento Consultoria, também presente no painel, disse que o custo de capital dos países emergentes tem sido fator limitante na recepção de recursos, especialmente voltados a tecnologias de transição energética: “Existem recursos, fundos e investidores interessados, mas a relação risco-retorno dos projetos pode não ser atrativa.” Para Mascotte, é necessário aprimorar o ambiente regulatório para minimizar riscos de governança e instabilidades políticas.
Um dos temas centrais no debate do G20 é a possibilidade de taxar super-ricos como forma de aumentar receitas extraordinárias e ter recursos para financiar programas. Mas um consenso em torno ao tema não é fácil, como diz Pedro Ferreira de Souza, sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “A ideia de taxar os super-ricos não é simples, por falta de apoio para aprovação.” Para ele, a proposta atual é radical, mas também razoável, para tentar amadurecer o tema.
Para além dessa agenda, Souza vê desafios em como financiar a redução da pobreza. “Existem várias tensões [no mundo] que estão testando os compromissos dos países. A retórica é a favor da erradicação da pobreza, mas precisamos ver se esses países estão comprometidos com esses objetivos”, afirmou. Na visão dele, o Brasil pode ser exemplo de expansão de programas de financiamento para erradicação da pobreza: “O Brasil se cacifa para ter influência global de boas práticas. O país tem muito a contribuir para o mundo alcançar o objetivo ousado em 2030 de erradicar a extrema pobreza.” A erradicação da pobreza em 2030 é uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), da Organização das Nações Unidas (ONU).
O pesquisador reforça que, para o Brasil se manter nessa posição, é necessário sustentar os volumes atuais de financiamento, mas reconhece que não é simples: “Existe uma trajetória irregular no país, mas é importante proteger o orçamento para que o programa mantenha impacto. É complicado, mas são escolhas políticas.”
Fonte: Valor Econômico

