A indústria de fundos imobiliários (FII) é formada por diversos dogmas. Um deles é que a emissão de novas cotas por preço inferior ao seu valor patrimonial significa diluição forçada dos atuais cotistas e, portanto, gestores devem evitá-la a qualquer custo. A partir deste dogma é possível antecipar possíveis movimentos para o segundo semestre de 2024, especialmente dos “fundos de tijolo”.
Inicialmente, é necessário entender a composição do valor patrimonial (VP) de um FII. Por norma, fundos imobiliários do tipo tijolo, ou seja, aqueles que possuem propriedade direta de imóveis e respondem hoje por 53% do Ifix, têm a obrigação de reavaliar anualmente seu portfólio a partir de um laudo de avaliação a valor justo, o qual é emitido por uma empresa especializada.
Assim, todos os anos, no mês de encerramento do exercício social, o valor destes laudos é contabilizado como ativo no FII, integrando a conta “direitos reais sobre bens imóveis”. Deste valor descontam-se as obrigações e dívidas do fundo para obter-se o patrimônio líquido. Assim, a menos que se trate de fundo muito alavancado, o laudo é o principal fator de variação do patrimônio líquido de um FII de um ano para o outro – e é aí que reside um potencial um ponto de atenção para o segundo semestre.
Em junho, quase metade dos FIIs de tijolo terão seus exercícios sociais encerrados. Seus balanços irão refletir os novos laudos e é possível que estes sejam os de maior variação dos últimos anos, recompondo a defasagem acumulada desde o início da pandemia. Para ilustrar, nos últimos quatro anos, o patrimônio líquido/cota dos fundos de tijolo que integram o Ifix subiu, em média, apenas 1,4%, enquanto no mesmo período o IPCA avançou 28,5%, o INCC, 40,1% e o IGP-M, 46,1%.
E por que isso aconteceu? Essencialmente, devido à metodologia adotada. Em suma, há o cruzamento de diferentes métodos como custo de reposição, transações de imóveis comparáveis e fluxo de caixa descontado, sendo este último o principal responsável pela contenção do valor patrimonial/cota dos FIIs de tijolo desde 2020 por diferentes razões.
Primeiro, com o início da pandemia, havia incerteza quanto à utilização efetiva dos imóveis, o preço dos aluguéis e as taxas de ocupação. Assim, o fluxo de caixa livre nos anos futuros era muito incerto. Depois, a partir de meados de 2021, a alta da taxa de juros fez com que a taxa de desconto utilizada para trazer a valor presente estes fluxos fosse sensivelmente elevada, pressionando ainda mais o valor dos laudos. Além disso, em meio à pouca variação no valor patrimonial, novas emissões foram realizadas, contribuindo ainda mais para a estabilidade.
E agora, o que pode acontecer? Após anos de variação lateral, há um contexto que justifica a valorização patrimonial dos fundos de tijolo.
As incertezas quanto ao real nível de ocupação dos imóveis em um mundo pós-pandêmico ficaram para trás. Ainda que exista menor ocupação em alguns segmentos ou regiões específicas, o componente de incerteza e os cenários catastróficos não fazem mais parte da modelagem do fluxo de caixa futuro dos fundos. Ao mesmo tempo, embora os juros futuros ainda estejam elevados, o ciclo de queda da taxa Selic em curso e a baixa inflação tendem a reduzir a taxa de desconto que trazem estes fluxos futuros a valor presente, aumentando o valor justo estimado.
Em paralelo, as outras metodologias de avaliação deverão ir na mesma direção, reforçando a expectativa. O custo de reposição, por exemplo, acumula anos de forte alta nos custos de materiais e da mão-de -obra, o que é facilmente constatado a partir do INCC mencionado anteriormente.
E quais os efeitos práticos da alta patrimonial dos FIIs? A resposta está exatamente no dogma de que o índice P/VP é essencial para viabilizar uma nova emissão.
Em meados de maio, apenas 14 dos 51 FIIs de tijolo que compõem o Ifi apresentavam P/VP superior a 1,0 e, portanto, teoricamente aptos a um “follow-on”. Em junho, 44% dos fundos que compõem o índice publicarão seus balanços com novos laudos anuais de avaliação (os 56% restantes em dezembro) e, portanto, o número de fundos com P/VP maior que 1,0 tende a ficar ainda menor, e a lista de potenciais follow-ons de FIIs tijolo ficará mais restrita.
Por outro lado, essa pode ser uma janela de oportunidade, pois cotas de diversos FIIs de tijolo poderão ter caminho livre para valorização no mercado secundário sem serem freadas por novas emissões realizadas a VP. Estimativas iniciais permitem prever alta entre 5% e 15% no patrimônio líquido a depender dos imóveis do fundo e da estrutura de capital e, naturalmente, os fundos mais impactados tendem a ser aqueles com os melhores fundamentos imobiliários (boa localização, baixa vacância, bons inquilinos etc.), recompensando investidores que adotam o “value investing” no universo dos FIIs.
Ricardo Vieira é sócio da VBI Real Estate
E-mail: rvieira@vbirealestate.com
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Fonte: Valor Econômico

