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Os juros americanos chegarão ao fim do atual ciclo de afrouxamento monetário apenas em 2027, quando a taxa deve atingir 3% ao ano. A avaliação, mais conservadora que a do restante do mercado, é de Richard Clarida, ex-vice-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), atualmente consultor econômico global da gestora Pimco.
Em entrevista ao Valor, Clarida afirma que os investidores estão contando que o Fed vai cortar os juros mais rapidamente do que deve acontecer de fato. “O mercado está precificando um juro de 3% no fim de 2025, mas acreditamos que isso só acontecerá em 2027, quando a inflação atingir a meta de 2%”, diz.
Para o consultor, a inflação está em queda nos Estados Unidos, mas a desaceleração será mais lenta que o previsto. “A inflação ainda estará ligeiramente acima da meta em 2025 e 2026. Não muito, mas estará”, diz. “E o Fed não irá reduzir os juros de uma vez para 3%, enquanto a inflação não estiver na meta”, pondera.
Clarida aposta que o mercado de trabalho mais forte nos Estados Unidos – confirmado nos dados do relatório do “payroll” de setembro, divulgado na última sexta-feira – fará o Fed cortar as taxas juros em 0,25 ponto percentual em novembro, desacelerando em relação ao corte de 0,50 ponto percentual feito no mês passado. Para ele, a possibilidade de o banco central não reduzir os juros em novembro por causa da força do mercado de trabalho é remota. “Os membros do Comitê Federal de Mercado Aberto [Fomc] gostaram do ‘payroll’ forte e se sentiram aliviados porque temiam dados mais fracos”, diz.
Com dois cortes de 0,25 ponto – um em novembro e outro em dezembro -, o Fed terminará o ano com os Fed funds em linha com a projeção do Sumário de Projeções Econômicas (SEP), de 4,3% para o fim de 2024.
Clarida diz não acreditar que o Fed errou ao cortar 0,50 ponto em setembro. “Foi uma decisão difícil. Por pouco. Se você analisar os ‘dots’ [as projeções individuais das autoridades sobre os rumos da taxa básica de juros do Fed ] dos membros do Fomc, dos 19 participantes, nove estavam confortáveis com 0,25 ponto de corte;, outros nove estavam bem com um corte de 0,50 ponto. Mas das 19 pessoas que fazem projeções, é meio incomum, mas apenas 12 membros são votantes.”
Entre os votantes, houve apenas uma dissidência, da diretora Michelle Bowman – a primeira vez que isso ocorre no Fed em 19 anos.
Se a economia mais resiliente prescreve cortes nos juros em um ritmo mais lento, ela também pode se mostrar inflacionária, diz. “Na economia, tudo gira em torno da oferta e da demanda. Se a demanda seguir forte e a oferta não acompanhar o ritmo, teremos um repique da inflação. Mas até o momento isso não aconteceu”, avalia.
O ex-Fed destaca que a produtividade dos EUA permanece elevada, com a produtividade média de cinco anos girando em torno de 2%, um crescimento expressivo em relação ao registrado antes da pandemia. Ele também ressalta a importância da oferta elevada de trabalhadores, vinda principalmente de imigração não documentada. “Não sabemos por quanto tempo isso vai continuar, mas no momento não está impulsionando a inflação.”
Na visão do consultor, é muito cedo para dizer se uma potencial vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais americanas seria inflacionária, como vê uma parte do mercado. “No primeiro governo Trump, a expectativa era que a inflação subisse, mas ela caiu. E a economia vai ser direcionada não apenas por quem ganhar a Casa Branca, mas por quem levar o Congresso também.”
Para Clarida, a possibilidade de um “sweep” [vitória dominante de um partido no Congresso] republicano ou democrata poderia levar à aprovação de mais estímulos fiscais do que se espera atualmente, o que pressionaria a inflação. No caso de Trump, “há cenários que projetam uma alta da inflação baseada na implementação de tarifas”.
O importante, segundo o consultor, é que a mensagem que o Fed está passando é que não está se preocupando neste momento com o governo que irá administrar os EUA a partir de 2025. “O banco central está preocupado em cortar os juros em 2024”, diz. Ele lembra que a eleição presidencial ocorre em 5 de novembro, um dia antes do início da reunião do Fomc, em 6 de novembro, com a decisão de juros sendo anunciada no dia 7.
“Tradicionalmente, a reunião do Fed ocorre às terças e quartas, mas por conta da eleição, será excepcionalmente na quarta e quinta-feira. Pode ser que todo mundo esteja preocupado com o resultado das eleições e não ligue muito para a decisão do Fed”, afirma.
O gestor não se mostra muito animado com as medidas de estímulo da China recém-divulgadas. Para ele, as iniciativas não são suficientes para gerar uma dinâmica realmente robusta para impulsionar a economia chinesa. “São medidas defensivas feitas para evitar que a economia chinesa desacelere mais”, afirma.
Sobre o recente agravamento das tensões geopolíticas, Clarida diz que está surpreso por não terem, até agora, um impacto maior na economia ou nos mercados. “Da perspectiva de investimento, nossa estratégia não é deixar de investir em mercados afetados por tensões geopolíticas, mas ter estratégias robustas para enfrentar os problemas”, afirma. “Pelo fato de o dólar ser uma moeda global e os Treasuries [títulos do Tesouro americano] serem ativos de reserva global, historicamente, tensões geopolíticas fortalecem o dólar e reduzem os rendimentos dos Treasuries. Isto faz com que enfatizemos uma estratégia focada em rendimento e ‘valuation’. O cenário é propício para renda fixa ‘high grade’ [papéis de baixo risco].”
Fonte: Valor Econômico

