Por Eduardo Magossi e Gabriel Caldeira, Valor — São Paulo
30/01/2024 16h08 Atualizado há 14 horas
O Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) chega à véspera de sua decisão sobre política monetária sob a percepção praticamente unânime de que manterá as taxas de juros inalteradas na faixa de 5,25% a 5,5% ao ano nesta quarta-feira. Há divergências entre os economistas, no entanto, sobre quais serão os próximos passos.
A euforia que dominou os mercados no fim do ano passado, depois que o Fed acenou com o término do ciclo de aperto monetário nos Estados Unidos, levou a apostas em até sete reduções nas taxas no longo de 2024, já a partir de março. O cenário se esvaziou no início deste ano, quando a volatilidade aumentou de forma relevante, levando os ativos a oscilar ao sabor de cada novo dado divulgado.
As surpresas com a força das vendas no varejo, da produção industrial em dezembro e do PIB mais forte que o esperado no quarto trimestre levaram a maioria dos investidores a uma mudança nas apostas de início do ciclo de cortes de março para maio. O índice de preços de gastos com consumo (PCE) de janeiro e fevereiro também deve ser considerados pelo banco central para orientar suas próximas decisões depois de o indicador de dezembro ter ficado dentro do esperado, em 0,2%.
De forma geral, a visão de economistas ouvidos pelo Valor diverge do que está precificado no mercado e está mais alinhada aos discursos dos dirigentes do Fed. A leitura predominante é a de que os juros permanecerão elevados por mais tempo e reduções nas taxas não devem ocorrer no primeiro trimestre. Mas há nuances entre eles.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/P/d/3iV5KOQJqNAS6wXYdpuA/cortedejuros-30jan.jpg)
O economista-chefe do UBS Global Wealth Management, Paul Donovan, é dos que consideram que uma redução nos juros em março seria muito prematura. Ele nota que a expectativa de muitos cortes, com um ciclo que já se iniciaria no primeiro trimestre, não veio na esteira de uma mudança nos rumos da inflação, que continua a desacelerar, mas da manifestação de dirigentes do Fed. Estes passaram a reconhecer que não haverá problemas para o núcleo da inflação de gastos com consumo (PCE) atingir a meta de 2%.
“O Fed provavelmente quer conservar os juros reais estáveis, cortando as taxas à medida que a inflação cai, talvez com um ligeiro atraso. E março é muito cedo para isso”, diz.
Para Donovan, os EUA farão três ou quatro cortes neste ano, com um ciclo que se inicia em maio ou em junho.
Na visão de Michelle Cluver, estrategista de portfólios da Global X ETF, “as expectativas do mercado tendem a ser exageradas e, depois, são corrigidas”. Ela lembra que, ao longo de 2023, várias narrativas de mercado ocuparam o centro das atenções — preocupações com uma recessão, juros elevados por mais tempo, e, finalmente, o foco num cenário de “goldilocks”, em que a economia dos EUA evita uma recessão ao mesmo tempo que reduz a inflação. “Terminar o ano com essa narrativa ajudou a impulsionar os mercados para cima no quarto trimestre”, diz Cluver, acrescentando que os dados mais fortes de dezembro já estão provocando uma reprecificação nas expectativas e levaram o mercado para mais perto de projeções mais conservadoras do banco central.
“Um Fed mais acomodatício sustenta as bolsas, mas cortes agressivos nas taxas correspondem normalmente a preocupações com o crescimento econômico ou com outros choques que normalmente pesam sobre os ativos de risco”, afirma.
Para a estrategista, é mais provável que o mercado reduza suas projeções de corte conforme a economia se mantém resiliente mesmo com o abrandamento do crescimento. Cluver diz acreditar que o primeiro corte nos juros só virá em junho ou julho.
Veronica Clark, economista do Citi para os EUA, afirma que a precificação de muitos cortes em 2024 reflete a existência de certa probabilidade de a atividade econômica desacelerar mais e levar o Fed a afrouxar mais a política monetária que o previsto. Ela prevê cinco cortes de 0,25 ponto percentual em 2024 a partir de junho. Porém, alerta que muitos dados serão divulgados até a reunião de março e a possibilidade de um corte antecipado só será conhecido mais perto. A economista projeta que as reduções farão a taxa da T-note de dois anos cair de forma expressiva para 3,7% enquanto os rendimentos dos papéis de 10 anos ficariam em 3,90%, normalizando a curva de juros, que está invertida há vários meses.
O banco suíço ING é ainda mais “dovish” (inclinado ao afrouxamento monetário). Segundo o economista-chefe James Knightley, a expectativa é de seis cortes até dezembro, o dobro do projetado pela mediana das projeções dos dirigentes do próprio Fed. Porém, ele também acredita que um corte em março é cedo demais. “Acreditamos em redução em maio. O PIB do quarto trimestre forte, desemprego em 3,7% e inflação bem acima da meta em base anual, há pouca pressão para iniciar os cortes imediatamente.”
Já o sócio e estrategista-chefe do BTG Pactual João Scandiuzzi diz que o Fed é mais conservador e não vai fazer os cortes agressivos que o mercado tem precificado. “O banco central vai esperar uma confirmação de que a inflação está realmente caindo de forma consistente. A inflação de aluguéis ainda está resiliente e como o peso dos aluguéis no PCE é menor do que no índice de preços ao consumidor [CPI], o PCE deve sofrer menos pressão que o CPI”, afirma.
O estrategista prevê quatro cortes a partir de maio e não vê perigo inflacionário do déficit de US$ 5,5 trilhões dos EUA nem na crise no Oriente Médio. “Os efeitos de risco desses eventos já passaram”, diz.
“No curto prazo, a conversa está focada em quanto e quando o Fed começará a cortar. Mas a principal mudança é que se aproxima um ciclo de afrouxamento monetário, o que cria um ambiente mais positivo para os títulos e as bolsas”, afirma Gabriela Santos, estrategista-chefe para Américas da J.P. Morgan Asset Management, que prevê que os cortes deverão começar em maio ou junho, dependendo da inflação, com três reduções.
Nancy Van Routen, economista-chefe do Oxford Economists, não vê o alto déficit fiscal ou as tensões geopolíticas como grande perigo para pressões inflacionárias que possam deixar os juros elevados por muito mais tempo. “O que mais importa para o crescimento e a inflação este ano não é o elevado peso da dívida federal, mas a mudança no déficit. Como prevemos uma redução do déficit neste ano fiscal, a expectativa é de que a política fiscal seja um obstáculo modesto ao crescimento do PIB. As piores consequências inflacionárias da Ucrânia já ficaram para trás. As tensões no Oriente Médio constituem um risco emergente para as perspectivas de inflação, mas, por enquanto, não efetuamos quaisquer ajustes à nossa previsão“ de base com base nesses riscos”, disse ela. A economista prevê três cortes a partir de maio.
Para David Kohl, economista-chefe do suíço Julius Baer, nem as eleições presidenciais constituem um risco à inflação. “Nem as eleições nem o aumento da dívida pública irão alterar muito a inflação em 2024. Os rendimentos dos títulos do Tesouro poderão sofrer alguma pressão altista quando os déficits fiscais aumentarem ainda mais a partir daqui. Mas com eleições e um congresso dividido, a probabilidade de um aumento na dívida fiscal é bastante baixa em 2024”, afirma. Kohl prevê três cortes a partir de maio.
Um dos que preveem o início do afrouxamento monetário em março é o economista-chefe do suíço Lombard Odier, Sammy Chaar. Segundo ele, a inflação do PCE, indicador preferido do Fed, já está em níveis administráveis e o presidente do banco central, Jerome Powell, deu sinais de que os cortes podem começar antes de a inflação chegar a 2%.
“Prevemos apenas quatro cortes até ao fim do ano, principalmente devido à resiliência da economia dos EUA demonstrada ao longo de 2023, que continuou nos dados mais recentes desta semana, bem como à desinflação nos serviços essenciais que abrandou o seu progresso nos últimos meses”, diz. “Uma coisa a notar, no entanto, é que embora o mercado possa esperar demasiados cortes em 2024, a taxa terminal para a qual devemos convergir até ao final de 2025 está atualmente em torno de 3,5%. Isso está muito alinhado com nossa previsão. Assim, mercado está atualmente antecipando esses cortes de forma demasiado agressiva.”
Fonte: Valor Econômico

