Por Gabriel Caldeira — De São Paulo
03/07/2023 05h03 Atualizado há 4 horas
Embora acredite que o ciclo de aperto monetário promovido pelo Federal Reserve (Fed) esteja na reta final, o economista-chefe global do Morgan Stanley, Seth Carpenter, não vê muito espaço para que o banco central americano corte os juros no ano que vem. O cenário básico do banco é de apenas mais um aumento nas taxas, em julho, de 0,25 ponto percentual, o que as levaria para a faixa de 5,25% a 5,5%.
Em visita ao Brasil, Carpenter defendeu, em entrevista ao Valor, a visão de que os juros devem permanecer altos nos EUA por um longo período. O Morgan Stanley projeta a redução de apenas 1 ponto percentual nos juros em 2024 e o economista destacou a experiência da década de 1990, quando o Fed promoveu um aperto agressivo seguido de uma campanha modesta de cortes para, pouco tempo depois, voltar a elevar as taxas. Segundo ele, o período oferece lições que por vezes o mercado esquece.
Valor: Por que a economia global tem mostrado resiliência mesmo depois do aperto das condições financeiras?
Seth Carpenter: A principal resposta para a resiliência contínua é a força dos mercados de trabalho. Nos EUA, a economia se recuperou muito mais rapidamente que o emprego. Então, mesmo agora, quando olhamos para quanto emprego existe na economia em comparação com a atividade, a economia ainda carece de várias centenas de milhares de trabalhadores. Tivemos anos de taxas de juros muito baixas e, em seguida, uma política fiscal estimulante, o que gerou uma resposta econômica muito forte. Agora estamos vendo alguma desaceleração por causa da política monetária, mas as economias ainda estão resilientes.
Valor: O Morgan Stanley espera uma recessão nos EUA?
Carpenter: Não esperamos. As coisas vão desacelerar, mas não se transformar em recessão. Para os EUA, a parte mais lenta em termos de crescimento talvez seja no terceiro trimestre, possivelmente no quarto trimestre. Para a Europa, o período mais lento será no quarto trimestre ou, talvez, no início do próximo ano. Se as economias não desacelerarem, os bancos centrais acabarão tendo que aumentar ainda mais as taxas de juros.
Valor: O Fed e o Banco Central Europeu (BCE) surpreenderam com uma postura agressiva recentemente. Esse tom mais conservador deve continuar?
Carpenter: Estamos em um ponto de inflexão e difícil saber se 5,25% [nível atual dos juros nos EUA] é suficiente, se é demais ou não. A única maneira é ver como os dados evoluem. Acho que continuarão a soar agressivos, continuarão a dizer aos mercados que os juros subirão novamente se a inflação aumentar ou não voltar à meta [de 2% ao ano].
Valor: Os bancos centrais do Canadá (BoC) e da Austrália (RBA) retomaram o ciclo de aperto. Isso é um sinal para o Fed?
Carpenter: A experiência com o BoC e o RBA é muito importante, mas não é a primeira vez que vemos isso. Gosto de dizer aos clientes que pensem nos anos 1990 nos EUA. O Fed elevou as taxas muito rapidamente em 1994 e no início de 1995. Baixou apenas um pouco e depois, durante todo o ano de 1996, manteve as taxas constantes. E o próximo movimento foi subir novamente. A disposição de permanecer em um nível de juros restritivos e, em seguida, potencialmente subir novamente, é uma lição importante para os mercados aprenderem com os anos 1990 que, creio eu, às vezes é esquecida.
Valor: Em quanto o Fed poderá reduzir as taxas de juros em 2024?
Carpenter: Muito pouco, apenas 1 ponto percentual [para uma taxa de 4,5% a 4,75%]. Se a economia seguir nossa previsão, esperamos que o Fed reduza apenas 0,25 ponto por trimestre até dezembro de 2024. Portanto, uma redução, mas nem perto do nível de agressividade da alta de juros recente.
Valor: Alguns bancos centrais de emergentes, incluindo o Brasil, devem começar a cortar juros em breve. A postura agressiva de BCs desenvolvidos pode provocar cautela?
Carpenter: Há alguma interação, com certeza. Os bancos centrais dos mercados emergentes começaram a aumentar os juros primeiro. O Banco Central do Brasil, com muita agressividade perante o Fed, se antecipou ao problema [da inflação]. Isso afetou a economia, mas ajudou a estabilizar a moeda. E agora, com a inflação caindo bastante no Brasil, deve começar a cortar neste ano. O desafio será a diferença que podem ter entre a sua taxa de juros e a do Fed ou do BCE [Banco Central Europeu]. Os emergentes podem cortar mais porque elevaram mais, mas devem ser cautelosos com o quão agressivamente cortam as taxas, porque isso pode alimentar a moeda, o que pode alimentar a inflação.
Valor: O banco central da China também tem reduzido os juros. Esses movimentos devem ser acompanhados de estímulos à economia?
Carpenter: Será coordenado. Política fiscal, monetária, mas também regulatória. Parte do que causou a desaceleração da economia chinesa no ano passado foi o controle muito rígido imposto ao setor imobiliário. Haverá a reversão de parte disso com algum suporte adicional para gastos com infraestrutura e crédito para estatais. Mas o apoio não será em um fluxo esmagador para tentar estimular a economia como vimos no passado, e sim para apoiar as partes da economia que estão fracas.
Fonte: Valor Econômico
