Apsen alega que Astellas está estendendo de forma ilegal o direito sobre a mirabegrona
Por Beatriz Olivon — De Brasília
A disputa sobre duração de patentes de medicamentos chegou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Tramita na autarquia inquérito em que a Apsen Farmacêutica alega que a companhia Astellas Pharma atua para estender de forma ilegal a patente da substância mirabegrona – usada em tratamentos de bexiga hiperativa/incontinência urinária. A Apsen alega que a concorrente detém a patente há, pelo menos, 24 anos.
O processo é considerado o primeiro que chegou à autarquia depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido das farmacêuticas que estenderia as patentes por mais de 20 anos em casos de demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O julgamento foi realizado em 2021.
A Apsen Farmacêutica afirmou ao Cade que haveria conduta anticoncorrencial no mercado de medicamentos, em decorrência da criação de dificuldade pela Astellas Farma Brasil para que outras empresas produzam fármacos, genéricos ou similares. Haveria, segundo a acusação, o “abuso do direito de petição” (prática conhecida como “sham litigation”).
A acusação aponta para vários pedidos simultâneos que resultariam em extensão da patente. Em 1998 teria sido depositado um pedido de patente relacionado à molécula da substância e em 2002 um pedido relacionado ao polimorfo (outra forma do mesmo item). Em 2003, além de um pedido de patenteamento da indicação terapêutica, foi solicitada a divisão desta patente. Em 2009, enquanto os primeiros pedidos estavam em análise pelo INPI, teria ocorrido um novo pedido de patente relacionado à composição, além de duas solicitações da sua divisão.
Ao Cade, a Apsen alegou que esse comportamento configura estratégia de patenteamento defensivo e visa garantir o “sobrepreço de monopolista” por um período mais longo. A empresa também aponta uma “defesa ostensiva das patentes”, utilizando pedidos posteriores de divisão das patentes já depositadas, além de ações judiciais para tentar aumentar o período e o escopo de proteção da exclusividade concedida à patente inicial.
Já a Astellas afirmou no processo que a denúncia é uma tentativa da Apsen de estender para o campo concorrencial disputas judiciais sobre suas patentes. Ainda segundo a empresa, a Apsen teria realizado importações de mirabegrona e depois solicitado registro de medicamentos genérico e similar na Anvisa.
É um produto sem concorrentes, os preços nunca serão alterados”
— Harley Ferreira
De acordo com Harley Ferreira, advogado da Apsen, a empresa chegou a importar matéria prima para estudar o produto e pedir o registro na Anvisa. “A lei permite importar matéria prima para desenvolver produto. O impedimento é para comercializar”, afirmou Ferreira.
A partir daí a concorrente entrou com ação de infração de patente, dizendo que havia ocorrido uma importação ilegal e tomou medidas judiciais. Mas, segundo Ferreira, o propósito das ações era impedir que entrantes comercializassem o produto cuja patente já está vencida.
“Esse tipo de conduta não tem só efeito privado, é muito mais amplo, atinge os consumidores finais. É um produto sem concorrentes, os preços nunca serão alterados”, afirma.
Em março a Superintendência Geral do Cade (SG/Cade) instaurou um inquérito administrativo para apurar se ocorreram infrações à ordem econômica. A partir daí vai analisar as ações judiciais e administrativas propostas para verificar se há potencial prejuízo ao ambiente concorrencial.
A SG também vai apurar junto ao INPI o processo de concessão das patentes para analisar se houve abuso. O INPI já enviou um conjunto de respostas ao Cade.
A FarmaBrasil, que representa produtoras de genéricos, pediu recentemente para participar como terceira interessada. De acordo com Guilherme Toshihiro, advogado do grupo, o pedido de patente em curso inibe os demais “players” de lançar produtos no mercado. O grupo tem acompanhado as estratégias de tentar estender as patentes por meio de pedidos no judiciário e também pelo registro simultâneo no INPI, de acordo com o advogado.
A FarmaBrasil se manifestou no inquérito porque a conduta atinge uma gama de indústrias farmacêuticas nacionais e prejudica todo o setor, segundo o advogado. O pedido de participação como terceiro interessado ainda está em análise pela SG. A conduta anticompetitiva pode se replicar, segundo Toshihiro, que já vê algumas farmacêuticas com a mesma postura.
“Passada a decisão do STF é outra tentativa de estender as patentes”, afirma. Em 2021, o STF vedou a extensão de patentes por atraso na sua concessão. Mas, depois da decisão, algumas empresas ainda tentam a extensão na Justiça, com outros argumentos.
A duração de uma patente pode ficar ainda maior, na comparação com a regra derrubada pelo Supremo. Se prevalecer o novo pedido nas ações judiciais, a média de extensão será de sete anos. Pela regra anterior, analisada pelo STF, seria de 4 anos. Nesse novo cenário, a previsão de gasto para o SUS é de R$ 1 bilhão e, para os consumidores, chega a R$ 7 bilhões, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encomendada pela FarmaBrasil.
A discussão no Cade envolvendo Apsen e Astellas é a primeira sobre patentes depois da decisão do STF, segundo o advogado. Antes disso, o conselho chegou a julgar outros casos envolvendo patentes de medicamentos. Em 2015 o Tribunal do Cade concluiu que a Eli Lily havia atuado perante a Justiça para garantir a exclusividade e o monopólio no mercado farmacêutico para a produção e comercialização de medicamento utilizado no tratamento de câncer.
Procurada, a Astellas Pharma não retornou até o fechamento.
Fonte: Valor Econômico