Marca francesa de dermocosméticos para bebês amplia linha para adultos e idosos para acompanhar a nova pirâmide demográfica
Com uma combinação aromática de mel, camomila, toques cítricos e florais, a marca francesa Mustela criou sua assinatura olfativa de acolhimento que acompanha gerações. Mas essa força da grife de dermocosméticos para bebês, fundada há 75 anos, garante só uma fração do público diante das transformações do mercado.
No ano passado, a França chegou à média de 1,6 filho por mulher, a menor taxa de fecundidade desde 1919, segundo o Eurostat. Na União Europeia, esse número é de 1,3. A decisão das mulheres de terem menos filhos acelera o envelhecimento da população, e assim o Laboratório Expanscience, dono da Mustela, precisou redefinir sua estratégia, para acompanhar a nova pirâmide demográfica.
Para tanto, a marca tem fundamentado seu marketing no conceito do “care” (cuidado).“Para a Mustela se reinventar, ela não tem que ficar só lançando produto. O importante é cada vez mais cuidar da jornada da parentalidade. Porque primeiro você é pai, aí as crianças crescem. Depois você cuida dos seus pais, que estão um pouco velhos. Aí é você que começa a ter as primeiras dores”, explica Sophie Robert-Velut que acaba de ser alçada a executiva-chefe (CEO) da empresa, a primeira executiva fora da família fundadora, a Berthomè.
“O cuidado é a nova filosofia que guia uma mudança muito forte da sociedade porque frente aos desafios climáticos e geopolíticos que a gente vai ter que enfrentar, cuidar dos outros vai ser a primordial”, diz a executiva.
Assim, a estratégia de marketing é promover “uma visão de regeneração, de influência positiva nas redes sociais, com nossos embaixadores e junto a ONGs especializadas em parentalidade e sustentabilidade.” O projeto “Rethink Market” tem o Brasil como um dos países exemplos. A empresa apoia associações, promove encontros para que os homens consigam entender seu papel na família, e patrocina ONGS que capacitam mulheres para o empreendedorismo.
A CEO conhece bem o mercado brasileiro. Morou por cinco anos no Rio, trabalhando na L’Oréal, e lançou a linha de protetores solares da La Roche-Posay fabricada no país. Seu segundo filho nasceu na cidade e sua vivência da maternidade no Brasil a alertou para as dificuldades dos arranjos familiares sem o suporte estatal em saúde e educação e a repetição do padrão de mulheres sobrecarregadas com os cuidados dos filhos.
A Mustela representou 70% do faturamento de € 400 milhões em 2024 do laboratório, um aumento de 23% em volume e 6% em valor, em relação a 2023. “Quando cheguei na empresa há seis anos perguntei: como vamos fazer, porque não vamos mais ter tantos bebês?”, diz a CEO. Em 1950, Paul Berthomé, fundador da empresa, lançou o primeiro leite de limpeza específico para pele de bebês, iniciando assim a trajetória da marca no cuidado junto as famílias francesas.
Hoje, um hidratante Mustela indicado para tratar dermatite atópica dos bebês também atende aos adultos. Nas farmácias, é possível conferir que a maior parte das embalagens traz as especificações bebê, criança e família.
Para ampliar atuação dentro do conceito do cuidado que, para ela, inclui também “cuidar do planeta” e do bom envelhecer (“well aging”), a executiva acaba de lançar a marca Iana, de dermocosméticos e suplementos alimentares para a prevenção de artrose. A nova frente funciona como uma extensão do medicamento natural Piascledine, distribuído no Brasil pela Abbot, que atua no “conforto das articulações”.
Com formulações de dermocosméticos naturais e sustentáveis e, portanto, com preços mais altos, a Mustela não atende ao público de massa. Em algumas categorias concorre com Weleda, a francesa MKL Green Nature e BepantolDerma, da Bayer. Em outras, como proteção solar, com La Roche Posay, da L’Oréal, por exemplo.
Assim, mesmo exportando para 90 países, a empresa decidiu diversificar, para não ficar dependente dos mercados maduros europeus. A França é, historicamente, o principal mercado da Mustela, “só que, como muitas subsidiárias europeias, faz parte do grupo de países onde a demografia não está a favor dos bebês”, diz. “Então a França vai diminuindo o seu peso, pouco a pouco, porque os outros estão crescendo mais rapidamente.”
Presente no Brasil desde 2012, a Mustela credenciou no fim do ano passado uma fábrica com a transferência de tecnologia para produzir, por exemplo, gel de banho, creme para estrias e hidratante calmante para peles sensíveis. A executiva também escolheu o mercado brasileiro para estrear os refis de cosméticos.
O Brasil ocupa a terceira posição entre os mercados, disputando a posição com os EUA, e atrás do México e da França. A marca registra crescimento de 30% a cada ano no mercado brasileiro desde 2021 e alcançou a receita de R$ 180 milhões em 2024. Para este ano, a expectativa é chegar a R$ 220 milhões. A principal aposta é no refil do gel de banho que consome 79% menos plástico na comparação com um frasco de 500 mls.
“Queremos ter um equilíbrio entre as subsidiárias porque experimentamos tantas crises nos últimos cinco anos que é muito importante não ter um sobrepeso da China ou dos Estados Unidos, ainda mais agora com a guerra das taxas”, diz ela. Este ano a empresa perdeu € 3 milhões em ajustes cambiais nas exportações para os Estados Unidos (EUA).
A barreira de 10% imposta pelos EUA à Europa, contudo, “ainda não afetou os preços porque a empresa estava estocada no país norte-americano”. O laboratório adquiriu nos EUA em 2018 a marca Babo Botanicals de cosméticos naturais para adultos e bebês. “Mas mesmo fabricando no país, assim como muitas outras empresas americanas, parte dos insumos são importados. Como eles vão lidar com isso?”, pergunta a CEO.
Ao mesmo tempo, como tem metas agressivas de sustentabilidade, a empresa vai descontinuar até 2027 produtos considerados poluentes, como os lencinhos de limpeza, que só na França representam 20% do faturamento e no mundo, 2%. “No médio prazo vamos crescer com o valor agregado dos produtos e não crescer ao custo do planeta”.
Em cinco anos, a empresa vai investir € 70 milhões para promover uma mudança na fábrica em Épernon, para consumir menos água e energia, compensar 100% do carbono emitido, substituir embalagens plásticas e chegar a 25% de refis em todas as linhas de produtos.
Há 18 meses, a empresa tomou a iniciativa de criar um consórcio com cinco marcas de dermocosméticos, para a instalação nas farmácias de máquinas para a recarga de produtos em garrafas de vidro reutilizáveis. Hoje, 10 empresas participam do projeto que está disponível em 16 farmácias de Paris. “É um processo educativo que demanda tempo, é uma mudança cultural. Por isso, chamamos os concorrentes para participar, porque não é uma questão de disputar espaço, mas de sobrevivência no planeta.”
Fonte: Valor Econômico