Por Adriana Mattos — De São Paulo
06/10/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Desde o início da pandemia, nunca tantas empresas faliram como nos primeiros oito meses deste ano. De janeiro a agosto foram 474 falências decretadas, 9% mais que nos oito primeiros meses de 2021 e 1,5% acima do mesmo período de 2020, segundo dados da Serasa. Paralelamente, a busca de companhias por acordos de renegociação de dívidas com credores fora da esfera judicial alcançou, em 2022, o maior patamar em cinco anos.
Também de acordo com levantamento da Serasa, de janeiro a agosto foram 15 acordos de recuperações extrajudiciais homologados (ver quadro ao lado). O pico anterior havia sido em 2017, com 30, no mesmo período. Nessas situações, um juiz é designado apenas para supervisionar o processo e fiscalizar o cumprimento da legislação, homologando, ou não, o plano acordado entre as partes.
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Advogados entendem que a crise gerada com a pandemia ainda impacta as operações das empresas. Porém, o volume de companhias que fecharam as portas ainda está longe do pico da década, apurado nos anos de recessão, em 2015 e 2016. Naquele período, foram, em média, 1,1 mil falências ao ano (ver abaixo).
Para a área econômica da Serasa, além dos dados sobre falências, o avanço no volume de empresas inadimplentes tem sido o principal indicador dessa deterioração dos negócios.
“Em agosto, eram 6,2 milhões de empresas com contas negativadas [versus 5,8 milhões um ano antes] para um total de 22 milhões de CNPJs ativos no país. Mesmo que as falências até caiam, se esse número sobe, para nós é um sinal de alerta”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa.
“Os bancos tiraram a pressão sobre as empresas [até 2021] porque renegociaram contratos no começo da pandemia”, diz Antonio Mazzucco, sócio e fundador do escritório Mazzucco & Mello. “Mas os vencimentos dessas dívidas renegociadas voltaram a partir deste ano, e vão se estender por 2023, quando veremos ainda mais tentativas de acordos num cenário de atividade econômica ainda se recuperando”, afirma. Seu escritório representou credores no processo de recuperação judicial da Ricardo Eletro e na ação da empresa de iluminação Bronzearte.
Na avaliação de Laura Bumachar, advogada na área de recuperação judicial, contencioso cível e arbitragem do escritório Dias Carneiro Advogados, “esse cenário deve continuar desta forma no ano que vem pelo quadro atual de incerteza econômica”, e porque ela não acredita em solução permanente para os negócios sem a injeção de capital novo nas empresas.
“O atual ambiente de insegurança sobre a atividade econômica e o dinheiro caro, com a escalada da taxa Selic, não contribuem para se ter linhas competitivas ou para se a busca de sócios abertos a alguma parceria”, diz ela.
Considerando os oito primeiros meses de 2021 e de 2022 somados, foram 40 pedidos de recuperação extrajudicial, sendo que 19 chegaram a acordos homologados após o aval de bancos e fornecedores. Como essas negociações são longas, se estendendo por meses, é mais apropriado considerar prazos superiores a um ano, para ter um retrato mais preciso da situação.
Para efeito de comparação, de 2015 a 2016, outro período de forte crise econômica, foram menos casos, com 24 pedidos e 14 concedidos nos dois anos, até agosto (antes da nova lei de recuperação judicial, em vigor desde 2021).
Segundo o advogado Vitor Ferrari, atualmente há abertura e interesse maior nas mediações em cenários em que credores identificam cronogramas de pagamento factíveis e planejamento de retomada dos negócios. “Temos um caso de um cliente com R$ 260 milhões de passivo e estamos conseguindo negociar porque houve a abertura dos bancos com esse caso. Os prazos de pagamentos venceram em março, e prorrogaram por mais 12 meses”, afirma Ferrari, do escritório Mazzucco & Mello.
“Ninguém quer parceiro com ‘default’ se há espaço para acordo. Mas renegociações feitas em 2020 e 2021, com prazos de pagamento de até 36 meses, vão ‘bater’ parte neste ano e no ano que vem”, acrescentou.
Um dos principais dados positivos do levantamento da Serasa mostra 520 pedidos de recuperação judicial de janeiro a agosto deste ano – menos da metade de igual período de 2015 e 2016 e 19% abaixo de 2021.
Isso acontece exatamente ao mesmo tempo em que as mediações extrajudiciais ganharam alguma força (veja tabela ao lado). “Há mais abertura e ferramentas disponíveis na busca de acordos, num modelo mais maduro do que de 10 ou 20 anos atrás, bem antes das mudanças na lei de recuperação e falências”, diz Rabi.
Ainda de acordo com o levantamento, seis entre cada dez pedidos de recuperação na Justiça (62%) foram homologados de janeiro a agosto de 2021 e de 2022.
Essa taxa é mais que o dobro do índice de 24% de requerimentos acatados no intervalo de 2015 e 2016, quando a nova lei de recuperação (Lei 14.112 de 2020) ainda não estava em vigor.
Especialistas entendem que pesa nesses números de concessão de recuperações judiciais uma postura mais ativa do Judiciário em manter canais de negociação entre companhias e credores, e uma maior disposição de parte dos credores em buscar acordos – apesar dos altos descontos em dívida apresentados nos planos, pelos devedores, serem alvos de críticas.
“Há propostas recentes apresentadas por empresas com ‘haircut’ [desconto na dívida] de 90%. O benefício econômico ao credor nos acordos anda muito baixo”, observa o advogado Ronaldo Vasconcelos sócio da VH Advogados e professor do departamento de direito processual civil e comercial do Mackenzie.
Ainda há críticas a processos que se arrastam com condições dos planos de recuperação nem sempre respeitadas pelos devedores. “Há casos de recuperações que se ‘enrolam’ por anos, basta olhar a Oi e a Inepar. No caso da Inepar foi uma recuperação de oito anos e mais de 25 execuções judiciais. Há varas muito pró-negócios em má situação pelo ‘efeito social’, e que não consideram os efeitos aos credores, ao mercado, de uma recuperação que se estende demais”, diz uma administradora judicial e advogada há 25 anos no setor.
Hoje, pelos termos da lei, são os credores que têm poder de rejeitar planos e levar uma empresa à falência. A Justiça basicamente acompanha e verifica o respeito aos trâmites legais, decretando falência quando há certas violações. Isso permite que as companhias continuem operando caso respeitem os termos do plano aprovado.
O Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações Judiciais é construído a partir do levantamento mensal das estatísticas de falências e das recuperações mensais provenientes dos fóruns, varas, Diários Oficiais e da Justiça dos Estados.
Fonte: Valor Econômico

