Por Victor Rezende e Anaïs Fernandes — De São Paulo
29/04/2022 05h04 Atualizado 29/04/2022
Enquanto a escalada de preços prossegue, cresce no mercado a preocupação com a inflação, o que se reflete numa piora das expectativas para o indicador no médio e no longo prazo. E os temores de uma deterioração ainda mais acentuada à frente têm feito parte dos agentes esperar por juros ainda mais altos, a despeito da sinalização do Banco Central (BC) de que a Selic em 12,75% seria suficiente para gerar uma convergência da inflação para a meta.
Cálculos da XP a partir do Boletim Focus mostram que o desvio das expectativas de inflação de médio prazo em relação à meta se aproxima de níveis que não eram vistos desde 2016. “O que me preocupa muito é a dinâmica da formação de preços da economia”, afirma o economista-chefe da XP, Caio Megale, para quem há um problema com a inflação em níveis bastante elevados, “porque ela começa a ganhar um caráter mais inercial”.
Megale usa como base o desvio em relação à meta das expectativas de inflação anual contando a partir de um ano à frente. Neste mês, o desvio chegou a 19,1%, o maior nível observado desde abril de 2016, o que ajuda a alimentar temores quanto a um processo ainda mais persistente de desancoragem das expectativas inflacionárias.
“A inflação está muito alta e nós estamos sentindo isso. Quando isso começa a contaminar as expectativas para a frente, o problema do Banco Central se torna mais intenso. Por isso, vai ser arriscado para ele sinalizar que não irá subir os juros na reunião de junho”, afirma Megale.
O economista acredita que a autoridade monetária, assim, poderia deixar a porta aberta em relação aos próximos passos. No cenário básico defendido pela XP, a Selic deve terminar o ciclo em 13,75%, após dois novos aumentos de 1 ponto percentual – um na próxima semana e o outro em junho. “O BC está quase virando o jogo contra a inflação. Ele não pode perder nesse final. Por isso é arriscado dizer que não irá elevar os juros na próxima reunião”, diz.
Desde o encontro de março do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, o colegiado tem reforçado a mensagem de que o nível de 12,75% da Selic seria suficiente para gerar a convergência da inflação em direção à meta no horizonte relevante. Com a surpresa inflacionária do IPCA de março, porém, o BC tem indicado que irá avaliar o cenário à frente na próxima decisão do Copom.
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Em relatório enviado a clientes no qual revelam projetar o IPCA em 8,3% neste ano e em 4,6% em 2023, os economistas do Credit Suisse Brasil observam que o comportamento da inflação “implícita”, que é extraída das NTN-Bs (títulos públicos atrelados ao IPCA), estão “muito acima do centro da meta”, mesmo em prazos bem mais longos.
Como exemplo, os economistas calculam que a inflação implícita de cinco anos, a contar a partir dos próximos cinco anos, está 3,1 pontos acima da meta de inflação de longo prazo, o segundo valor mais alto da série histórica.
Desde a decisão de março do Copom, houve uma deterioração das expectativas de inflação de médio prazo, o que foi tema de comentários do diretor de Política Monetária, Bruno Serra Fernandes, em evento privado organizado pelo Goldman Sachs na semana passada, conforme apurou o Valor com participantes do encontro.
Serra afirmou que o debate no próximo Copom será difícil e que será necessário analisar a situação. Ele disse que, semanas atrás, as variáveis apontavam para uma direção positiva, com apreciação do real e acomodação dos preços das commodities, Porém, enfatizou que a alta das expectativas de inflação aponta no sentido oposto.
O economista-chefe da Occam, Paulo Val, acredita que há espaço para a piora de as expectativas ter continuidade no Focus. A gestora carioca projeta o IPCA deste ano em 8,3% e espera que a inflação termine o próximo ano em 4,6%, bem acima do centro da meta (3,25%) e perto do teto (4,75%)
“Temos um ambiente muito complexo, muito difícil para a inflação nos próximos trimestres e a inflação corrente está muito alta e com expectativas em trajetória de elevação, além de uma inflação externa que continua forte”, diz Val. Para ele, apesar da percepção de que a política monetária está em nível restritivo, ainda se veem “motores muito fortes para a inflação continuar elevada”.
Embora suas projeções estejam acima do nível observado no Focus, o economista afirma que há um viés de alta nas estimativas, ao ter em vista que a desinflação esperada “é muito grande”. “É um cenário benigno, no sentido de que embute um sucesso relativamente grande do BC em desinflacionar a economia e passar o IPCA de 8,3% em um ano para 4,6% no outro.”
Val, porém, demonstra ainda mais preocupação ao apontar que a inflação de 2022 assusta por estar disseminada. “A do ano passado teve impacto muito grande de determinados itens e os preços de serviços ainda estavam relativamente comportados. Neste ano, temos uma inflação muito mais desafiadora. Não é um choque que está gerando esse número, mas um processo inflacionário”, argumenta.
A economista-chefe da Armor Capital, Andréa Damico, concorda e destaca que também vê dificuldade no processo de desinflação. “Tem uma questão em relação à ancoragem de expectativas bem na mesa, mas esse processo de desinflação no Brasil não é trivial, principalmente quando a gente tem uma inflação em 12 meses em 12% e que vai ficar muito tempo acima de 10%”, enfatiza.
Em seu cenário básico, a Armor projeta o IPCA em 4% em 2023, mas defende que esse cenário só será possível com a Selic em 13,75%. “Se o BC falar, na semana que vem, que vai dar os 12,75% e parar, aí tenho que incorporar mais 30 pontos-base (0,30 ponto percentual) [na projeção do IPCA de 2023]; iria para 4,3%”, projeta Damico.
Com um cenário de Selic a 14% no fim do ciclo, a economista-chefe do Credit Suisse Brasil, Solange Srour, aponta que, apesar da comunicação do BC, a inflação corrente em níveis bastante ruins fará a autoridade monetária levar o juro básico aos níveis projetados pelo banco suíço.
“É muito difícil para o BC parar a subida de juros com a inflação corrente tão deteriorada e surpreendendo como está. Em emergentes que não têm histórico de inflação tão controlada como nos desenvolvidos, a inflação corrente afeta muito as expectativas. É muito difícil parar o ciclo quando você está sendo continuamente surpreendido”, afirma Srour.
Nesse sentido, o Credit Suisse defende a sua projeção de juro básico a 14% no fim do ciclo, em agosto. Além disso, a economista aponta que, caso não haja uma apreciação do real, como ocorria há algumas semanas, o processo de desinflação esperado para 2023 pode se mostrar ainda mais lento.
“Se a gente não contar com uma apreciação [do real] porque o cenário internacional mudou, infelizmente o que vai mudar é que o BC não só vai ter que ir para 14% ou mais, mas vai ter que manter o juro alto por mais tempo”, aponta. a economista.
Fonte: Valor Econômico

