O reajuste dos preços de medicamentos no país neste ano deve ocorrer em três níveis, inclusive abaixo da inflação acumulada, pela primeira vez desde 2021.
Haverá um efeito abaixo do esperado sobre a receita nominal das varejistas de medicamentos, afetando as redes de capital aberto, que têm melhora de lucratividade imediata no segundo trimestre, quando as novas tabelas chegam.
A informação das faixas diferentes foi obtida pelo Valor junto às fontes do setor, a partir de dados de uma nota técnica da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, que compõe o Comitê Técnico-Executivo do CMED (Conselho de Ministros da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos).
A nota foi anexada no fim da tarde de sexta-feira (24) no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Por um tempo ficou tudo igual [de repasse aos preços], num nível só de reajuste. E esperávamos, de novo, inflação ‘full’ em 2025. Ainda não fizemos a conta de como ficará agora”, diz um executivo de uma grande cadeia de farmácias nacional.
Segundo ele, no fim do dia, como todo mundo será impactado, todas as empresas vão compensar esse reajuste menor que o previsto. E aqueles com maior capacidade financeira conseguirão compensar melhor isso do que as redes em dificuldades, diz.
Essa alta em níveis diferentes pode ajudar a reduzir a pressão inflacionária num momento em que o tema já afeta a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Este é um dos setores mais resilientes do mercado de varejo, e agora, também está no olho do furação”, diz a sócia de uma gestora independente.
Procurada, a coordenação geral de Saúde da Secretaria de Reformas Econômicas (SRE) da Fazenda diz que o cálculo final de reajuste ao consumidor ainda não está fechado. E depende de outro fator (chamado “Y”), que ainda não foi calculado.
Isso dificulta saber, com precisão, a variação final na ponta, afirma a secretaria.
Ocorre que, segundo especialistas da indústria farmacêutica ouvidos, esse índice Y (que mede fator de reajuste de preços relativos), historicamente, não influencia a ponto de “virar” a conta. Por isso, o mercado já trabalha com esses três níveis com diferentes impactos.
Pelo documento, um dos fatores que determinam o reajuste no preço ficou em 2,459% — trata-se do “fator x”, ou de produtividade.
Quando esse índice é positivo, o repasse do reajuste a ser calculado nos remédios acontece em três níveis, segundo resolução de 2015.
Isso porque, o percentual positivo de 2,459% é um cálculo que indica que houve ganhos de eficiência das empresas do setor no último ano, e nesse caso, a recomposição da inflação é variada. É algo definido para não “nivelar” todo o mercado num único reajuste a todas as redes de farmácias.
A ideia da Câmara é que as empresas que não tiveram esse ganho de eficiência não tenham a recomposição imediata da inflação, o que favoreceria aquelas que não foram tão produtivas.
Esse índice medido, e publicado na sexta, não é o reajuste final dos produtos em si, mas um indicador que pesa dentro do reajuste final.
No entanto, a sua importância é que, quando ele é positivo, fica definido que o mercado terá três níveis de reajuste de preços em março de 2025.
Segundo cálculos prévios de redes de farmácia ouvidas, com base nas regras da CMED e no “fator x”, o nível 1, para medicamentos em mercados concorrenciais, terá repasse integral da inflação medida pelo IPCA.
O período se refere aos 12 meses acumulados entre fevereiro de 2024 e março de 2025. Essa categoria inclui remédios como omeprazol (gastrite e úlcera) e amoxicilina (antibiótico).
O nível 2, para medicamentos em mercados com média concorrência, o índice de reajuste a ser calculado terá como base de desconto a metade do “fator x”, logo, 1,22%.
Por causa disso, a reajuste deve ser o IPCA acumulado menos 1,22%. Portanto, reajuste menor que o índice oficial de inflação do país. Nesse caso estão lidocaína (anestésico local) e nistatina (antifúngico).
Já para o nível 3, o reajuste final é ainda menor. Nesse grupo estão medicamentos em mercados que apresentam baixa concorrência ou que são monopolistas.
Para eles, será aplicado IPCA medido em 12 meses acumulados menos 2,45%. Nesse grupo estão itens como ritalina (tratamento do déficit de atenção e hiperatividade) e stelara (psoríase).
Há impacto direto dessas contas nos resultados das empresas de varejo de medicamentos, num momento em que já se discute aumento da concorrência com a possível entrada dos supermercados na venda de remédios sem prescrição médica.
Acontece que esses reajustes elevam imediatamente a receita nominal das varejista no segundo trimestre do ano. Esse ganho, inclusive, pode ser maior se a empresa conseguir comprar estoque antigo com preços mais baixos, e depois vender o estoque quando a tabela nova de preços já estiver em vigor.
Mas, se o aumento é menor que a inflação nominal do país, os ganhos são menores.
“Vai ter menos aumento, o que acaba sendo pior para as farmacêuticas e para as drogarias”, diz um gestor ouvido. “O sentimento do setor é que se fez de tudo para o reajuste não exceder a inflação numa hora delicada para o governo”, afirma ele.
Um empresário do segmento lembra ainda que, neste ano, ainda há o impacto da revisão da decisão do STF que excluiu o impacto do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, que já deve levar a uma redução pequena de preços nas lojas.
Uma rede de drogarias do da Região Sul diz que a última vez que o governo definiu três níveis para reajustes também foi quando a pressão inflacionária sobre o governo era alta, em 2021, na gestão do ex-presidente Bolsonaro (2019-2022), durante a pandemia de Covid-19. Naquele ano, o IPCA fechou em 10,08%, e houve outros níveis com reajustes menores, de 6,79% e 8,44%.
Um economista e ex-assessor ligado à CMED afirma que os cálculos não se baseiam em momentos de busca de controle inflacionário dos governo.
Ele afirma que as regras estão em vigor há anos, desde 2015, e já houve ano de reajuste de até 5,6%, em 2023, acima da inflação.
Além disso, quando a produtividade do setor chegou a cair, foi repassada toda a inflação ao mercado, como em 2022, diz ele.
Os três níveis servem para discriminar os mercados concentrados dos moderadamente concentrados e dos concorrenciais, segundo resolução de 2015, diz a fonte.
A nota técnica é assinada por Ana Maria Oliveira, secretária-adjunta da Secretaria de Reformas Econômicas da Fazenda, e por Mariana Cavalcanti, coordenadora-geral de saúde e comunicações do órgão.
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Fonte: Valor Econômico