Por Joe Rennison, Andrew Edgecliffe-Johnson, Peter Wells e Nicholas Megaw — Financial Times, de Nova York
16/05/2022 05h02 Atualizado há 9 horas
A disparada da inflação e os gargalos das cadeias de fornecimento começaram a fraturar o mercado de US$ 1,5 trilhão de bônus americanos de grau especulativo, à medida que os tomadores com baixa qualidade de crédito mostram sinais de estresse. Ao contrário do mercado de ações, que está em queda, os títulos conhecidos como “high yield” escaparam em grande medida das preocupações com a economia dos Estados Unidos.
Muitos emissores de bônus atraíram grande quantidade de dinheiro porque travaram taxas de juro baixas antes de o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) começar o aperto da política monetária. A semana passada, porém, abalou a confiança de investidores, e os obrigou a fazer reavaliação drástica da saúde do mercado de papéis de altas taxas de retorno e risco mais elevado (high yield), onde empresas com classificação mais baixa levantam dinheiro.
A fabricante de caixas eletrônicos Diebold Nixdorf e o laboratório farmacêutico Bausch Health estavam entre as várias empresas cuja dívida caiu de valor de forma acentuada depois de divulgarem impactos em seus resultados financeiros. As medidas ajudaram a arrastar o mercado de bônus high yield como um todo para seu pior nível em 17 meses.
“A brutalidade do mercado de ações chegou ao setor de high yield”, disse John Dixon, operador de bônus high yield do Dinosaur Financial Group. “Sinto como se tivesse sido colocado na centrifugação de uma máquina de lavar.”
A Bausch Health, uma das maiores emissoras high yield nos EUA, ficou aquém das estimativas de lucro dos analistas na terça-feira passada, dias depois de reduzir o valor da oferta pública inicial de sua divisão de cuidados com os olhos, a Bausch & Lomb. O diretor financeiro da empresa, Tom Vadaketh, disse que a invasão da Ucrânia pela Rússia e os lockdowns na China por causa da covid-19 exacerbaram a alta nos custos com frete, energia e outros insumos.
Os bônus da empresa com vencimento em 2028, equivalentes a US$ 1,25 bilhão, despencaram para menos de 60 centavos de dólar, em comparação com cerca de 70 centavos no fim da semana passada e pouco acima de 90 centavos no início do ano.
No mesmo dia, os US$ 400 milhões em bônus da Diebold Nixdorf com vencimento em 2024, que carregam a classificação de triplo C, afundaram depois que a empresa divulgou lucros fracos. Caíram para pouco mais de 40 centavos de dólar – território que os investidores consideram estressado. Eram negociados acima de 90 centavos há duas semanas. “Como muitas empresas, enfrentamos vários desafios durante o primeiro trimestre, relativos à pandemia mundial, à guerra na Ucrânia, à inflação crescente e à incerteza em torno dos mercados financeiros e das cadeias mundiais de fornecimento”, disse o executivo-chefe da Diebold, Octavio Marquez.
A diferença nas taxas de retorno, ou “spread”, entre um índice de títulos high yield mais negociados e os bônus equivalentes do Tesouro dos EUA subiu 0,59 ponto porcentual, para 4,77% na semana passada até a quinta-feira, em comparação com 3,10% no fim de 2021. “Isso mostra que as pessoas começaram a ficar nervosas sobre o desempenho de empresas com classificação mais baixa em uma recessão”, disse John Gregory, chefe de operações alavancadas do Wells Fargo. “As pessoas estão ficando mais pessimistas em relação à economia em geral a longo prazo.”
Os relatórios de lucros dos emissores high yield continuam anômalos em meio a uma temporada bastante otimista de relatórios empresariais. No entanto, as margens de lucro de um número cada vez maior de empresas mais saudáveis também começam a estar sob pressão, à medida que a inflação põe à prova o poder de precificação de que desfrutavam no início da recuperação da pandemia, impulsionada por estímulos.
Os números do primeiro trimestre apontam para uma margem de lucro líquido para o índice de ações S&P 500 de 12,3%, de acordo com a FactSet. Essa seria a quinta maior margem de qualquer trimestre desde 2008, mas meio ponto abaixo do nível do ano anterior.
A Starbucks foi uma das empresas que relataram que a inflação sobre seus custos superou sua capacidade de aumentar preços. Fabricantes como Illinois Tool Works e Emerson Electric também alertaram para a pressão sobre as margens, apesar de seus esforços para repassar os aumentos de custos aos clientes.
Analistas do Bank of America disseram que as empresas americanas moderaram as expectativas, enquanto comentários de executivos em teleconferências de resultados sugeriram uma forte queda no sentimento empresarial.
A mudança não afetou todos os setores da mesma forma. Empresas voltadas ao consumidor, como Mondelez, Procter & Gamble, Kraft Heinz e Airbnb, informaram que seus aumentos de preços encontraram pouca resistência. Elas manifestaram confiança de que suas gamas amplas de produtos lhes permitiriam capturar vendas a preços mais baixos caso os consumidores passassem a buscar produtos equivalentes mais baratos.
O McDonald’s contou que não houve reação negativa substancial quando aumentou preços nos EUA em 8%, mas alguns consumidores de baixa renda mudaram para itens mais baratos no cardápio. A Altria, fabricante dos cigarros Marlboro, também previu que alguns consumidores optariam por buscar produtos mais baratos, já que a inflação pressionava gastos com produtos que não são de primeira necessidade.
Cerca de 80% dos participantes do S&P 500 que divulgaram resultados do primeiro trimestre superaram estimativas. O crescimento dos lucros no índice como um todo, de cerca de 9%, foi o mais fraco em mais de um ano, mas está de acordo com o esperado pelor analistas mesmo antes da guerra na Ucrânia e a aceleração do Fed para juros. No entanto, mesmo as empresas que divulgaram resultados decentes não foram recompensadas pelos investidores. As ações de grupos que relataram surpresa positiva nos lucros caíram em média 0,1% nos dias seguintes à divulgação, segundo a FactSet.
Fonte: Valor Econômico

