Com um cenário geopolítico carregado de riscos, as incertezas domésticas podem deixar a economia brasileira mais vulnerável do que a maioria dos analistas tem observado, segundo uma avaliação de cenário feita por especialistas da escola de negócios Fundação Dom Cabral (FDC). Não está descartada nem mesmo a possibilidade de estagflação, situação rara em que a economia cresce lentamente ou fica estagnada ao mesmo tempo em que a inflação sai do controle.
Para Carlos Primo Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral e ex-diretor de política econômica e dívida do Banco Mundial, há séries de riscos externos que podem prejudicar o Brasil caso sejam agravados em 2025. Um deles é a guerra comercial que foi iniciada durante o primeiro governo de Donald Trump nos EUA e que tende a ser reforçada a partir da nova vitória do americano nas eleições de novembro.
“A grande preocupação é que isso gere um efeito indireto. Em termos gerais, a economia brasileira continua sendo uma economia fechada. O Brasil está bem menos exposto do que o México, por exemplo. O problema é que pode haver impactos com desaceleração na economia mundial e na chinesa. Projeções de instituições como o Fundo Monetário Internacional não estão levando em conta a possibilidade dessa guerra comercial se tornar mais significativa”, diz Braga.
Antes mesmo de assumir o novo mandato, o que acontecerá no dia 20 de janeiro, Trump prometeu impor tarifas de importação de 25% contra o México e o Canadá, sócios do país no acordo de livre-comércio USMCA, conhecido como novo Nafta. Em relação à China, o presidente eleito dos EUA disse na campanha que vai elevar para 60% as tarifas, além de taxas universais de ao menos 10% sobre importações de todos os demais países.
“Se isso efetivamente acontecer, haverá ações retaliatórias”, acrescenta Braga, reforçando a chance considerável de que o impacto no comércio internacional cause uma desaceleração pior do que o esperado na economia global, embora o recrudescimento da guerra comercial também ofereça oportunidades para o Brasil, especialmente para o agronegócio brasileiro que compete com produtores americanos.
Porém, outro elemento que tende a ser até mais prejudicial para o Brasil é a complexidade do momento atual da China. O país asiático enfrenta um sério desequilíbrio no setor imobiliário local, acumulo de dívidas em governos regionais e dificuldades em estimular o consumo doméstico, formando um combo para o desaquecimento da segunda maior economia do mundo.
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O cenário externo pouco amigável, conforme aponta Braga, ainda é intensificado pelas guerras entre Rússia e Ucrânia, com participação indireta de potências ocidentais contra Moscou, e os conflitos no Oriente Médio em torno de Israel, na Síria e no Iêmen. Diante do cenário, o professor associado da FDC lembra que são conflitos com chances de impactar os preços de fertilizantes, no caso do Leste Europeu, e a cotação do petróleo.
Embora todos esses riscos já estejam presentes na conjuntura há algum tempo, Braga alerta que uma eventual piora em qualquer um deles pode pegar o mundo e especialmente o Brasil em cheio, principalmente pela desconfiança doméstica em relação à capacidade do governo brasileiro em controlar o aumento da dívida em relação ao PIB.
“O cenário-base é o de que não haverá nenhuma grande crise prevista para 2025, embora a perspectiva já seja de desaceleração da economia mundial e também da brasileira, associada a essa questão fiscal. Mas tudo vai depender dos desdobramentos das crises geopolíticas que já estão no radar”, diz Braga.
A possibilidade de estagflação no Brasil, contudo, é colocada no radar por Braga mesmo em um cenário moderado sem grande piora das guerras, mas com pouso suave da economia da China e uma eventual queda nos preços de commodities junto com obstáculos nas reformas domésticas do país. “Minha principal aposta para 2025 é a economia brasileira desacelerando e crescendo em torno de 2% e inflação acima da meta”.
No cenário interno, os especialistas ligados à Fundação Dom Cabral consideram que a situação fiscal do Brasil é preocupante a ponto, em um futuro próximo, comprometer a eficácia da política monetária em controlar a inflação. É o risco conhecido como “dominância fiscal”, caracterizado por um ambiente em que o Banco Central aumenta a taxa básica de juros para conter a elevação dos preços na economia, mas ao mesmo tempo eleva o gasto do governo com pagamento de juros da dívida pública em patamar que afeta ainda mais as condições financeiras e gera pressão adicional sobre a inflação.
“A questão fiscal é, de fato, o nosso calcanhar de Aquiles”, afirma Paulo Paiva, professor associado da FDC e ex-ministro do Planejamento no governo Fernando Henrique Cardoso. “É o ovo da serpente na economia brasileira. Se a trajetória crescente da dívida em relação ao PIB não for revertida, em algum momento, não teremos mais condição de fazer qualquer política fiscal de curto prazo.”
Paiva reconhece que, desde a pandemia, a trajetória da relação entre dívida e PIB acelerou negativamente em todo o mundo e que os parâmetros para determinar se uma economia está saudável podem ter mudado.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida pública global deve atingir 93% frente ao PIB mundial no fim deste ano – no Brasil, a estimativa para essa relação é de 86% no fechamento do ano, 89% em 2025 e 94% do PIB em 2029.
No entanto, Paiva, assim como o próprio FMI, destaca que a elevação contínua da dívida pública em um patamar que já está elevado para um país emergente pode tornar o processo de estabilização dos gastos cada vez mais custoso para a sociedade, inclusive por causa do risco de dominância fiscal anulando a eficácia da política monetária sobre a inflação.
Paiva demonstra preocupação com regras que, na sua visão, engessam exageradamente o Orçamento público. “Houve um aumento considerável dos gastos obrigatórios que nem o arcabouço fiscal nem mesmo o teto de gastos conseguiram lidar bem.”
Segundo ele, um dos problemas mais graves é a indexação de despesas ao salário mínimo, que tem um risco de crescimento superior ao da inflação, e despesas em educação e saúde que estão indexadas à receita corrente líquida. “Isso faz com que qualquer crescimento do PIB puxe aumento de receita, mas puxe também essas despesas. Fica insustentável”, afirma.
Para o ex-ministro do Planejamento, o Brasil já enfrente a emergência de fazer um ajuste fiscal estrutural mais além das soluções de curto prazo anunciadas no pacote da equipe econômica apresentado no fim de novembro. Contudo, Paiva é descrente e aponta que o ambiente político atual está pouco favorável para medidas mais estruturantes.
Ele diz que, embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tenha realizado uma boa política fiscal nos seus dois primeiros mandatos (2003-2010), desde o “cavalo de pau” no governo Dilma Rousseff, o ambiente político no país tem jogado contra a estabilização da dívida pública.
Fonte: Valor Econômico

