O espaço no Orçamento para as chamadas despesas discricionárias não rígidas do governo federal – que incluem custeio da máquina pública e investimento direto dos ministérios, mas excluem gastos mínimos em saúde e educação e emendas parlamentares de execução obrigatória – tende a acabar até 2033, caso mantidas as atuais regras fiscais. A estimativa é do Tesouro Nacional e reforça a argumentação de técnicos do governo sobre a necessidade de promover mudanças nas indexações.
Segundo as projeções traçadas pelo Tesouro, o espaço para as despesas discricionárias não rígidas começaria a cair a partir de 2027, quando o pagamento de sentenças judiciais e precatórios volta a se sujeitar integralmente ao limite de despesa do novo arcabouço fiscal. Até 2026, o governo ganhou a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para pagar parte dessas rubricas fora do limite de gastos e fora da meta fiscal.
Ainda de acordo com os dados, o espaço para as discricionárias não rígidas chegaria próximo a zero em 2032. Em 2033, caberiam no Orçamento apenas as despesas discricionárias rígidas e os gastos obrigatórios, como benefícios previdenciários e folha salarial do funcionalismo.
A estimativa foi divulgada no Relatório de Projeções Fiscais, que traz estimativas para as principais variáveis fiscais da União para um horizonte de dez anos.
O documento aponta dois principais fatores para a compressão das despesas discricionárias. O primeiro é que os gastos do governo sujeitos ao limite do novo arcabouço teriam um crescimento real médio de 2,7% ao ano (a.a.) entre 2024 e 2033.
O segundo motivo são os gastos mínimos em saúde e educação e as emendas individuais e de bancada, que, apesar de entrarem no rol de despesas discricionárias, acabam tendo, na prática, execução obrigatória. Além disso, são reajustadas conforme à variação da receita, por isso apresentam crescimento mais acelerado do que o limite de despesa traçado pelo novo arcabouço fiscal. Por isso, essas rubricas foram classificadas pelo Tesouro como “discricionárias rígidas”.
Quando somadas as discricionárias rígidas às despesas obrigatórios, o crescimento real médio vai a 3% ao ano, consumindo gradualmente todo o espaço orçamentário. “Consequentemente, observamos compressão das demais despesas discricionárias, que saem de 1,6% do PIB em 2023 e ficam próximas de zero a partir de 2032”, diz o Tesouro, no relatório. Em 2033, pelo cenário projetado, já acabaria totalmente o espaço.
O problema, endossado pelo relatório, já é conhecido por técnicos da equipe econômica, que desde o ano passado discutem nos bastidores alternativas. Conforme mostrou o Valor no início do mês, fontes avaliam que pode ser necessário retirar precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) do limite de despesas do novo arcabouço fiscal a partir de 2027, quando acaba a autorização do STF para pagar o excedente fora das regras fiscais.
“O primeiro trabalho é tentar reduzir a despesa com precatórios ao máximo. Mas, por melhor que seja esse resultado, corremos o risco de não conseguir fazer precatórios caber dentro da regra fiscal do curto para o médio prazo”, comentou uma fonte à época, ao se referir à regra do arcabouço que limita o aumento dos gastos a um crescimento real da despesa de no mínimo 0,6% ao ano e no máximo de 2,5% ao ano.
Mudança na regra de gasto com saúde e educação está em estudo, mas não para este ano
Outra ideia que foi tornada pública por membros da equipe econômica no ano passado seria a de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) mudando a regra de indexação dos pisos.
Atualmente, os gastos mínimos com saúde e educação são vinculados à 15% da receita corrente líquida e à 18% da receita com impostos, respectivamente.
Técnicos defendem que seja adotada uma regra menos pró-cíclica. O entendimento é que existem critérios que podem ser melhores que a mera indexação à receita e que não colocariam em risco o arcabouço nem as metas fiscais buscadas pelo governo.
Uma fonte disse ao Valor que a ideia de mudar os pisos continua em avaliação, mas não para este ano, devido às eleições municipais. Porém, ainda é incerta a sua apresentação neste governo, devido à impopularidade do tema, inclusive dentro do Partido dos Trabalhadores (PT).
Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, afirma que o caminho natural para proteger o espaço das despesas discricionárias seria o governo rever os mecanismos de indexação da despesa obrigatória que ele reativou – casos dos pisos da saúde, da educação e das emendas – e que ele recriou, como a política de correção do salário mínimo.
“Sem dúvida haveria uma resistência política muito grande, mas é um processo que passa pelo convencimento da sociedade, e o atual governo tem legitimidade de liderar este processo”, disse o economista.
Ele acrescenta que foi um “erro material” do atual governo estabelecer o limite de gastos do arcabouço sobre uma base que tinha as despesas de precatórios represadas, devido ao teto de pagamento estabelecido durante o governo Bolsonaro. “Se este represamento foi considerado inconstitucional, em 2027 não se pode simplesmente colocar a despesa do precatório para dentro do limite originalmente calculado. É preciso voltar à base do limite de gastos [Orçamento de 2023] e recalculá-lo com o valor cheio dos precatórios. Isso resolveria este segundo ponto de compressão das discricionárias e manteria a credibilidade do arcabouço”, defende Bittencourt.
Fonte: Valor Econômico

