Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
08/06/2022 05h01 Atualizado há 5 horas
Aspectos econômicos devem ter peso grande na escolha dos eleitores em outubro, principalmente entre aqueles mais ao centro que ainda não optaram, na corrida pelo Planalto, por um lado na polarização entre o ex-presidente Lula (PT) e o atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL). “Por isso que o governo insiste na agenda dos combustíveis, porque a inflação afeta a popularidade do presidente”, disse Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central, a uma plateia de convidados da DHL Global Forwarding antes mesmo de o governo confirmar, anteontem, a intenção de compensar Estados que zerarem ICMS sobre diesel e gás de cozinha. A avaliação se mantém.
“Não sei se o caminho é por aí. De fato, os impostos que incidem sobre combustível no Brasil são muito elevados, mas isso não explica a inflação, não foi porque os Estados aumentaram o imposto. Seria um alívio temporário, mas não é isso que vai resolver”, afirmou Loyola ao Valor.
Para ele, o espaço fiscal, com uma arrecadação que aumenta também por causa da inflação, tem sido mal aproveitado com “gastos populistas”. “Tem muita gente passando fome no Brasil, que não tem dinheiro para comprar um botijão de gás. Mas tem de ter políticas mais focadas”, disse. A Tendências deve melhorar sua projeção para a relação dívida bruta/PIB neste ano para algo em torno de 81%, mas, ainda assim, Loyola reforça que a situação fiscal do Brasil “merece cuidado”.
Em relação aos níveis de preços, a consultoria projeta inflação de 8,5% em 2022 e de 4,5% em 2023. “Há processos inflacionários importantes, vai cair devagar”, afirmou Loyola. Apesar disso, a Tendências ainda aposta que o BC deve parar de subir os juros neste mês, estacionando a Selic em 13,25% até meados de 2023.
Os resultados das urnas, por sua vez, não só podem determinar mudanças nas políticas econômicas, como as próprias expectativas podem afetar essas condições. Por um lado, Loyola diz ver chances de retrocessos se discursos do PT sobre voltar atrás em políticas fiscais e trabalhistas, por exemplo, se concretizarem. Por outro, ele afirma que a reeleição de Bolsonaro não necessariamente implica continuidade de políticas, considerando tendências mais populistas que podem se manifestar e também os ataques rotineiros do presidente aos demais Poderes. “O funcionamento das instituições é fundamental para uma economia capitalista”, afirmou Loyola.
O cenário-base da Tendências para os próximos anos não considera, porém, grande retrocesso institucional nem econômico. “Há mecanismos de pesos e contrapesos que evitam mudança muito radical para a direita ou a esquerda”, avaliou o economista.
A Tendências revisou recentemente sua projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2022 de zero para 1%. Para 2023, a projeção está em 1,3%. Mas há riscos que, além das incertezas eleitorais e do aperto monetário promovido pelo BC, incluem um cenário externo mais desafiador.
A chance de estagflação global existe, segundo Loyola. Mas a Tendências ainda espera movimento mais de acomodação do crescimento mundial neste e no próximo ano, para cerca de 3%. O cenário externo é marcado por condições financeiras restritivas, com mais inflação e juros, incertezas políticas e conflitos. É “um mundo mais apertado”, resume Loyola.
Há também as disrupções logísticas pós-covid. Como as cadeias tinham se organizado para trabalhar com estoques mais enxutos, faltaram amortecedores para lidar com o descompasso entre oferta e demanda, observou Loyola. A “solução” agora, para ele, virá mais da adaptação da demanda à oferta.
Na logística, a demanda da Ásia, por exemplo, está desacelerando, segundo Eric Brenner, CEO da DHL Global Forwarding no Brasil. Novos navios também devem entrar em campo na segunda metade do ano é aliviar “um pouquinho” a situação global, aponta. Para o Brasil, a estimativa é que no fim do próximo ano o setor logístico possa sentir mais esse alívio. Os patamares de tarifas, principalmente no transporte marítimo, porém, não devem voltar ao que eram antes da pandemia, segundo Brenner. “É uma nova realidade. As demandas agora são diferentes.”
Fonte: Valor Econômico