Por Tommy Stubbington — Financial Times
18/04/2022 05h02 Atualizado há 5 horas
A draconiana mudança de curso dos bancos centrais está perto de pôr fim à era de dívida mobiliária de rendimento negativo, o que diminuirá o total global de bônus com retorno abaixo de zero em US$ 11 trilhões.
Os preços dos bônus despencaram neste ano, num momento em que os bancos centrais se preparam para encerrar suas compras de ativos em larga escala e elevar as taxas de juros em seu combate à escalada da inflação, o que puxará os rendimentos de muitas grandes economias para os níveis mais elevados em vários anos.
Em decorrência disso, US$ 2,7 trilhões em bônus são negociados atualmente a um rendimento inferior a zero, o número mais baixo desde 2015 e que representa uma queda acentuada a partir dos mais de US$ 14 trilhões de meados de dezembro, segundo o índice de bônus mundial agregado da Bloomberg – um indicador amplo do mercado de renda fixa. Eliminar totalmente os rendimentos negativos marcaria uma volta à normalidade para um extenso segmento de grandes investidores.
“Os bancos centrais estão tentando, com muito atraso, superar esse choque de inflação, por isso o mercado de bônus precificou abruptamente uma grande mudança das taxas de juros”, afirmou Mike Riddell, gestor-sênior de portfólio da Allianz Global Investors.
No passado, rendimentos negativos eram considerados inconcebíveis, depois, uma novidade e posteriormente uma característica consagrada dos mercados mundiais. Eles significam que os preços dos títulos estão tão elevados, e os pagamentos de juros, tão baixos que os investidores certamente perderão dinheiro se mantiverem seus bônus até o vencimento. Isso reflete a crença de que os bancos centrais manterão as taxas de juros em níveis mínimos, que se tornou arraigada em grandes volumes de títulos no Japão e na zona do euro nos últimos anos.
Essa avaliação mudou drasticamente nos últimos meses, principalmente na zona do euro, onde o Banco Central Europeu (BCE) reiterou na quinta-feira planos de pôr fim a seu programa de compra de bônus neste ano, e onde os operadores apostam que as taxas de juros voltarão a zero pela primeira vez desde 2014, até dezembro.
O fim dos rendimentos ultrabaixos ou negativos é “uma faca de dois gumes” para os investidores em bônus, segundo Riddell. “Por um lado as pessoas estão abrigando perdas dos bônus que detêm. Mas o outro lado da moeda é que as taxas positivas, isentas de risco, significam que os retornos futuros possivelmente terão melhor aparência.” Ele acrescentou que isso seria “boa notícia” para investidores como fundos de pensão, que precisam manter grandes quantidades de ativos seguros como bônus do governo, mas que também têm de ganhar retornos suficientes para dar conta de desembolsos futuros.
O estoque decrescente de dívida mobiliária de rendimento negativo, além disso, reflete os altos níveis de inflação, o que levou os investidores a exigir maior remuneração pela alta dos preços, segundo Salman Ahmed, diretor mundial de macro da Fidelity International.
“Sim, os rendimentos nominais estão subindo, mas os investidores de longo prazo deveriam se preocupar, na verdade, com os retornos reais. O que conta é o que sobra após [descontar] a inflação, e a inflação está muito alta no momento”, disse ele.
A zona do euro foi a grande impulsionadora da redução das transações com dívida mobiliária a rendimentos inferiores em dezembro. Em dezembro, o bloco da moeda única respondia por mais de US$ 7 trilhões em bônus desse gênero, entre os quais a totalidade dos bônus do governo alemão. Esse número caiu para apenas US$ 400 bilhões. O Japão, onde o banco central até agora resistiu à guinada mundial na direção de um aperto da política monetária, responde agora por mais de 80% dos bônus mundiais de rendimento negativo.
Esse tipo de papel tende a voltar a se multiplicar na zona do euro, a não ser que o BCE realmente implemente as altas de juros já precificadas pelos mercados. O banco central terá dificuldades em elevar muito as taxas de juros em relação ao nível atual de -0,5%, em vista da ameaça à recuperação da região representada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e da decorrente alta dos preços da energia, disse Ahmed.
“Acho que o BCE perdeu a oportunidade de normalizar a política [monetária] porque o choque ao crescimento decorrente da [guerra na] Ucrânia será muito mais grave na Europa”, acrescentou. “Na nossa opinião, eles não voltarão a zero neste ano, e isso significa que os bônus de rendimento negativo não estão em via de desaparecer.”
Fonte: Valor Econômico

