A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que a operadora Golden Cross venda sua carteira de clientes, composta por 206,3 mil usuários de convênio médico e 108 mil de plano dental, no prazo de 30 dias devido a problemas financeiros. No setor, esse é um passo anterior à liquidação extrajudicial de operadoras.
Há uma tendência, segundo o mercado, que essa carteira seja assumida pela Amil, adquirida em dezembro de 2023 pelo empresário José Seripieri Filho, conhecido como Júnior. Isso porque, em meados do ano passado, as duas operadoras firmaram um acordo de compartilhamento de riscos em que os clientes da Golden passam a ser atendidos nos hospitais, clínicas e laboratórios credenciados da Amil, com vigência até 31 de maio.
Segundo fontes, ficou acertado que 95% das mensalidades dos planos de saúde da Golden são revertidas à Amil, responsável pelo pagamento aos hospitais, e a outra fatia de 5% fica com a Golden Cross. O acordo contempla ainda um pagamento de cerca de R$ 140 milhões à Golden Cross que passou a concentrar o atendimento de seus usuário na rede prestadora da Amil.
Além disso, o braço direito de Júnior na UnitedHealthCare, dona da Amil, é o empresário Alberto Bulus, genro do fundador da Golden Cross, o advogado Milton Afonso.
Procuradas, a Amil informou que “não fará proposta para aquisição da carteira de beneficiários da Golden Cross.” A Golden Cross, por sua vez, disse que o contrato de compartilhamento de risco “não envolve cessão ou alienação da carteira de planos de saúde” e que “não concorda com a decisão da Diretoria Colegiada da ANS e que está adotando as medidas administrativas e legais cabíveis.”
Nos nove primeiros meses do ano passado, a Golden apurou um prejuízo líquido de R$ 105 milhões e receita de R$ 1,1 bilhão, queda de 12% sobre o mesmo período de 2023. Um dos indicadores que mais chamam a atenção no balanço da empresa são as reservas obrigatórias que as operadoras de planos de saúde devem ter para casos de falência. A provisão para pagamentos de procedimentos médicos já realizados, mas ainda não cobrados (conhecida no setor como Peona) pelos estabelecimentos de saúde despencou, entre o segundo e terceiro trimestres do ano passado.
O balanço mostra ainda que as aplicações financeiras caíram de R$ 68 milhões, no segundo trimestre de 2023 para R$ 16 mil no primeiro trimestre de 2024.
Ainda segundo fontes, a Golden sacou cerca de R$ 300 milhões de suas provisões meses antes de fechar acordo com a Amil. Segundo Raquel, o resgate dessas reservas só é permitido quando a empresa está em fase de liquidação extrajudicial e, mais recentemente, a legislação passou a permitir o saque parcial para operadora com boa saúde financeira.
A Golden Cross informou que “já vinha, há algum tempo, com insuficiência na sua composição, nos termos do que dispõe o órgão regulador. Desta forma, ao longo deste período, estava sob fiscalização da ANS em um Plano de Adequação Econômica e Financeira (PLAEF). Trata-se de ferramenta regulatória relevante para a sustentabilidade do setor de saúde suplementar, que permite às operadoras prazo para recomposição de eventuais pendências. Eventuais movimentações neste período, em torno de R$ 80 milhões, não foram ‘sacados’, mas sim utilizados para pagamento da rede referenciada e reembolso aos beneficiários dos planos de saúde”.
Além da piora financeira, a Golden Cross tem o quarto maior volume de reclamações na agência reguladora, considerando o grupo das grandes empresas de saúde. A operadora está proibida de vender novos planos.
Fundada em 1971 pelo advogado e empresário Milton Afonso, a Golden Cross já foi a maior operadora de planos de saúde do país em 1984. Mas nos anos 1990 a empresa foi acusada pelo Ministério Público Federal por sonegação fiscal e venda de planos de saúde por meio de uma entidade filantrópica que pertencia ao grupo. Há até hoje discussões jurídicas envolvendo passivos tributários.
Em 1997, o banco Excel-Econômico assumiu as dívidas que a operadora tinha com os médicos e hospitais e fez uma parceria com a seguradora americana Cigna, que ficou responsável pela gestão. O contrato tinha vigência de três anos e daria direito ao banco assumir a operadora. No entanto, em 1999, a Cigna deixou o Brasil.
No ano 2000, o fundador e um grupo de ex-funcionários da operadora reassumiram a Golden Cross, com uma nova razão social, Vision Med. Os passivos ficaram na empresa anterior.
Em 2013, a Unimed-Rio adquiriu a carteira de 160 mil clientes de planos individuais da Golden Cross, mas ainda assim continuou com problemas financeiros.
O Rio de Janeiro enfrenta problemas com duas importantes operadoras de planos de saúde: a Golden Cross e Unimed Ferj que juntas têm cerca de 700 mil clientes de convênio médico e outros 100 mil de plano dental. O Rio é o terceiro Estado do país com o maior volume de usuários de planos de saúde, 5,5 milhões.
Em ambos os casos, são problemas que se arrastam há anos e impactam todo o setor de saúde local. A Unimed Ferj, com 500 mil usuários, tem dívidas de cerca de R$ 2 bilhões com a rede de estabelecimentos de saúde e médicos do Rio.
Procurada, a ANS não retornou até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico