Os primeiros dados de maio e junho permitem avaliar que a tragédia climática no Rio Grande do Sul terá um estrago menor que o esperado sobre o PIB no segundo semestre e também no ano. Combinado com a força surpreendente do mercado de trabalho e do crédito, que continuou em expansão, esse fator permite enxergar um desempenho melhor da atividade em 2024.
O quadro só não é melhor porque a piora das expectativas fiscais deve manter sob alerta a política monetária, impedindo que o país aproveite a melhora do cenário internacional que se desenha neste momento e também coloque em discussão a queda da taxa de juros.
A edição de julho do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) traz uma revisão para cima das projeções de atividade. Para o segundo trimestre, a perspectiva de avanço passou de 0,5% para 0,7%, na comparação com o período anterior. Para o ano, foi de 2,0% para 2,2%.
“Os dados de maio vieram um pouco melhor que o esperado. Acreditávamos em um impacto maior das chuvas no Rio Grande do Sul, mas não apenas este parece não ter acontecido, como também as demais regiões do país tiveram desempenho acima, com destaque para os serviços e a forte retomada da indústria de transformação”, diz a coordenadora do boletim, Silvia Matos.
O FGV Ibre revisou de 0,1% para 0,7% a projeção para o desempenho da indústria como um todo no segundo trimestre. Apenas a indústria de transformação teve mudança de -0,4% para 1,1%. Já os serviços passaram de -0,4% para 0,3% no mesmo período, sempre na comparação trimestral.
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Além das pesquisas setoriais do IBGE de maio, dados antecedentes de junho ajudam a apontar direção semelhante em junho. O índice brasileiro de papelão ondulado avançou 2,2% no mês passado e acumula alta de 5,5% no primeiro semestre. Já a Anfavea reportou alta de 11,6% da produção de veículos período.
Silvia pondera que o bom desempenho do setor é impulsionado, em boa parte, por uma reversão da forte queda da produção de caminhões no ano passado, quando entrou em vigor um nova norma de emissões para a categoria (Proconve 8). Ainda assim, são números animadores, diz.
Ela também ressalta duas boas notícias que vieram na passagem do primeiro para o segundo semestre. A primeira é a leitura mais branda que o esperado do IPCA em junho. Em análise sobre a inflação, economistas André Braz e Matheus Dias acrescentam que as coletas de preços sugerem que o grupo alimentação no domicílio pode ter deflação de 0,55% em julho, mitigando alta observada em maio.
O segundo é a melhora do cenário externo, onde dados de inflação e atividade americanos voltaram a colocar na mesa cortes de juros pelo Federal Reserve já em setembro. No cenário internacional, Samuel Pessoa chama a atenção para o comportamento dos aluguéis nos Estados Unidos, que voltaram a ter deflação, após repique no primeiro trimestre.
“Tudo sugere que o item aluguéis fechará o ano, na inflação em 12 meses, ao redor de 4,5%, uma desinflação em relação a 2023 de 3,0 pontos percentuais. Se a desinflação dos serviços que excluem aluguéis vier como esperado, estarão dadas as condições para que o CPI feche o ano em 3%. A consolidação da desinflação americana é essencial para haver um ciclo de queda de juros. Este deve se iniciar em setembro próximo”, escreve.
“Olhando somente a foto até o segundo trimestre, os dados nos permitem ficar um pouco mais otimistas sobre futuro da economia. A questão é que os ruídos fiscais podem fazer com que aproveitemos pouco essa melhora externa”, diz Silvia.
Em linha com a análise de outros economistas, ela acredita que os R$ 15 bilhões em contingenciamento e bloqueio de despesas anunciada pelo ministro Fernando Haddad na quinta-feira, que será detalhada nesta segunda-feira, 22, ficou mais para a “contenção de danos”, algo no meio do caminho entre o uma péssima notícia e o que necessário para garantir visibilidade fiscal.
“Uma mudança maior nas expectativas virá apenas de algo mais drástico na condução da política de gastos. O governo tem feito um esforço grande para equilibrar as contas do lado das receitas, mas há um limite para esse vetor. Ao mesmo tempo — e isso é sabido há muito —, sabemos que regras de despesas algumas vezes benevolentes ameaçam a trajetória das despesas, como a política de valorização do salário mínimo, os pisos constitucionais da Saúde e Educação, entre outros”, explica.
Para a economista, o governo precisa deixar mais claro como serão os próximos passos. “Esperamos alguma cautela, porque senão as expectativas dos agentes voltarão a se desancorar e, com isso, o custo para trazer a inflação de volta à meta ficará mais caro”, diz.
Em sua avaliação, poderíamos estar falando de quedas de juros, em linha com o que se discute nos EUA e na Europa. Mas o panorama fiscal não deixa. E essa perspectiva de juros altos por mais tempo, ressalta, já tem efeitos imediatos, como pode ser visto na dificuldade para rolar dívidas de empresas em alguns setores, como o varejista, mas deve ficar mais claro à frente, à medida em que atividades sensíveis a condições de crédito percam ímpeto, como é o caso da construção civil e bens duráveis e de capital.
No limite, diz, os juros altos limitam nossa capacidade de crescer mais também no ano que vem.
No caso do cenário para a inflação, Braz e Dias ressaltam que as boas notícias vindas do grupo alimentação não devem impedir uma alta da IPCA interanual nos próximos meses.
“Sem contar com o reajuste dos combustíveis anunciado no início de julho, o IPCA seria de 0,17% em julho. Acrescentando a influência dos combustíveis, projetamos que o índice oficial encerre o mês em 0,27%. Para agosto e setembro, há chances de desaceleração da taxa interanual, o que dependerá da tendência do grupo alimentação e da estabilidade da taxa de câmbio, outra fonte de pressão inflacionária que não deve ser negligenciada”, escrevem no boletim.
A inflação de serviços, por sua vez, deve continuar sua trajetória de desaceleração apenas gradual, avaliam.
“Ao analisarmos em conjunto a inflação de serviços e a intensividade da mão de obra, é possível reforçar a perspectiva de uma tendência de desaceleração, com convergência para a meta. A expectativa é que os serviços livres fechem o ano com alta de 3,7%, em comparação com os 4,48% acumulados até junho de 2024.”
Fonte: Valor Econômico

