Por Mônica Scaramuzzo — De São Paulo
02/05/2024 05h01 Atualizado há 5 horas
Empresas que na crise de crédito tiveram de recorrer a empréstimos a taxas mais altas, sobretudo por gestoras focadas em ativos estressados, conhecidas como “special sits”, estão de volta à mesa para refinanciar essas dívidas. Levantamento da Seneca Evercore mostra que essas companhias captaram cerca de R$ 30 bilhões no primeiro semestre de 2023 – 60% dos recursos foram para companhias abertas e outros 40%, fechadas.
Com a torneira de crédito fechada no início de 2023 por causa da fraude contábil da Americanas, empresas tiveram de tomar dívida de curta prazo para ganhar fôlego àquela época. “O problema é que boa parte dessas dívidas começou a vencer agora e novas renegociações estão acontecendo”, diz Daniel Wainstein, sócio-presidente da Seneca, que fez a intermediação para vários clientes nessa situação.
Parte dessas companhias voltou a tomar crédito caro, mas não no mesmo ritmo do primeiro semestre passado.
Wainstein disse que, em todo o ano de 2023, as companhias levantaram cerca de R$ 40 bilhões no total com gestoras de “special sits”. “O volume foi maior no primeiro semestre porque a crise de crédito estava no auge. O cenário começou a mudar a partir de agosto do ano passado, com uma certa volta à normalidade.”
Para o executivo, a busca por crédito caro neste semestre deve ser menor, uma vez que o cenário para se financiar no mercado atualmente é outro em relação ao mesmo período do ano passado. “Se eu tivesse de fazer uma estimativa, diria que o volume de financiamento deve encerrar o semestre entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões”, afirma.
Companhias como a varejista de moda feminina Marisa, a indústria têxtil Coteminas, a petroquímica Unigel, o grupo de saúde Elfa, do Pátria, estão entre as que precisaram recorrer a fundos especializados para garantir fôlego para atravessar o ano de 2023. A rede de academias Bodytech teve parte de suas debêntures (títulos de dívida) compradas pelo fundo da reestruturadora Latache.
Com a crise de crédito restrito, muitas empresas de varejo tiveram dificuldades e recorreram a fundos especializados para capital de giro. A Marisa deu início a um processo de reestruturação, vendeu ativos e também se financiou com a empresa de reestruturação do banco BTG Pactual para ter capital de giro no início do ano, segundo fontes a par do negócio.
A Elfa, controlada pelo fundo Pátria, recorreu à Lumina, de Daniel Goldberg, para a injeção de R$ 620 milhões – com uma parte convertida em ações para dar fôlego à companhia. Fontes ligadas à empresa afirmaram que a companhia de saúde está refinanciando as dívidas, mas não há vencimentos grandes para este ano. A empresa, segundo fontes, deverá ser alvo de consolidação – a Viveo era apontada como potencial compradora, mas não há negociações em andamento neste momento.
No caso da Bodytech, a empresa também teve de passar por reestruturação de dívidas por conta da pandemia. Luiz Urquiza, um dos sócios do grupo, conta que os bancos decidiram vender parte das debêntures que tinham nas mãos – e a fatia do Itaú foi negociada para a Latache no ano passado. A companhia, segundo Urquiza, recomprou essas debêntures da Latache em março deste ano, uma decisão tomada pelos sócios.
A rede começou a realongar suas debêntures desde o início do ano passado. Os títulos somam R$ 170 milhões, dos quais R$ 70 milhões estão nas mãos dos controladores – além de Urquiza, o empresário Alexandre Acioly também é sócio da companhia. As dívidas bancárias somam R$ 190 milhões. “No nosso caso, o nosso debate não é por questão de sobrevivência. Não corremos risco de recuperação extrajudicial.”
Em um longo processo de negociação com os credores, os controladores da Unigel seguem com a rolagem de dívida com gestoras de “special sits” – e outros fornecedores – e ainda buscam dinheiro novo para capital de giro do grupo, segundo fontes a par do assunto. A petroquímica, que fechou acordo de recuperação extrajudicial para dívidas de R$ 3,9 bilhões, tem até o dia 20 de maio para aprovar o plano, mas as negociações com os credores seguem difíceis.
Também com pesadas dívidas, a Coteminas ainda segue em negociação com a Farallon – a gestora de reestruturação fez aporte na empresa e está em discussões para as negociações das debêntures conversíveis em ações. Fontes afirmam que a têxtil busca novos recursos com outras gestoras especializadas em ativos estressados.
“Empresas que recorrem a fundos ou investidores focados em ativos estressados estão em uma situação que não se resolve tão rápido”, afirma Douglas Bassi, sócio da empresa de reestruturação Virtus. Bassi não compartilha do otimismo da Seneca Evercore de que o cenário melhor poderá reduzir a busca por crédito mais barato ao longo deste ano.
“Não estamos vendo muita atividade no mercado de capitais. Vejo muitas empresas do agronegócio buscando reestruturação e parte delas já está em uma fase mais difícil”, conta.
Para Bassi, há muitas empresas recorrendo à recuperação judicial. “O cenário macroeconômico de um ano para cá não melhorou a ponto dessas empresas se recuperarem.”
Sérgio Machado, sócio-fundador da gestora ARC Capital, lembra que, para bancos, comprometimento de capital regulatório elevado quase inviabiliza celebrar ou manter no balanço ativos de crédito cujo cenário base de repagamento seja através da conversão em equity. Esse capital acaba sendo provido por fundos especializados em ativos ilíquidos ou capital de transição.
Segundo Machado, tendo em vista o alto custo de capital no Brasil, processos de reestruturação bem-sucedidos envolvem monetização de ativos, operacionais e não, como forma de gerar liquidez para capital de giro e redução de passivos.
Procuradas, Marisa, Unigel e Elfa não falaram sobre o assunto. Coteminas não retornou os pedidos de entrevista.
Fonte: Valor Econômico

