09/05/2022 05h03 Atualizado há 5 horas
As empresas de tecnologia chinesas estão reduzindo, sem alarde, seus negócios na Rússia, pressionadas pelas sanções americanas e pelos fornecedores, apesar dos apelos de Pequim para que resistam à coação externa.
Essas companhias dominam o mercado de muitos produtos na Rússia, e entre elas estão a gigante dos PCs Lenovo Group e a fabricante de smartphones e outros dispositivos eletrônicos Xiaomi. Diferentemente das empresas ocidentais, elas não fazem declarações públicas sobre a guerra da Rússia na Ucrânia ou sobre os negócios no país, já que o governo chinês é contra as sanções ocidentais.
A gigante dos drones DJI Technology adotou a medida pouco habitual de anunciar a suspensão de seus negócios no mês passado, tanto na Rússia quanto na Ucrânia, até a conclusão de uma análise de conformidade (“compliance”). Neste caso, a alegação era a de que pretendia evitar que seus produtos estivessem envolvidos nos combates entre os dois países.
As exportações chinesas de produtos tecnológicos para a Rússia caíram acentuadamente em março, comparadas a fevereiro, com as remessas de laptops tendo diminuído mais de 40%, a de smartphones quase 66% e as exportações de estações de rádio-base de telecomunicações, 98%, segundo os dados mais recentes de comércio do governo chinês disponíveis. O comércio da China com boa parte do mundo também foi abalado pelo lockdown adotado como prevenção à covid-19 em Xangai, origem de boa parte dos produtos de exportação globais da China.
O recuo segue-se a ondas de sanções e a controles sobre as exportações de amplo alcance impostos pelos EUA e seus aliados à Rússia após sua invasão da Ucrânia, no fim de fevereiro. Os EUA ameaçaram punir as empresas chinesas que descumprirem as regras.
Grandes empresas americanas de chips que abastecem empresas chinesas estão pressionando os clientes a cumprirem as regras e garantir que seus semicondutores não acabem indo parar em produtos de terceiros remetidos à Rússia em infração às regras, segundo fontes próximas ao tema. Um fornecedor enviou uma carta a todos os seus clientes em março pressionando-os a cumprir as diretrizes, e profissionais da área de vendas também entraram em contato para garantir seu cumprimento, segundo uma das fontes.
O Ministério do Comércio da China reconheceu em março que as sanções desestruturaram o comércio com a Rússia, mas conclamou as empresas a “não se submeterem à coerção nem fazer declarações externas inadequadas”.
A aguda queda das exportações de produtos tecnológicos para a Rússia chama a atenção para a natureza abrangente das sanções ocidentais e para sua capacidade de prejudicar, em profundidade, as cadeias de abastecimento, que vai ao ponto de ditar o comportamento de empresas sediadas em locais muito distantes, mesmo nos casos em que os governos de seus países-sede são contrários a isso. O total de exportações da China para a Rússia caiu 27% em valor, de fevereiro para março, segundo mostram números oficiais de comércio.
A China expandiu seu arsenal de medidas para fazer frente às sanções externas, entre as quais regras capazes de obrigar companhias chinesas a não obedecer sanções externas que o país julga injustificadas, embora até agora Pequim não tenha emitido nenhuma ordem direta desse gênero.
Num momento em que ações americanas atingem empresas chinesas, as medidas ameaçam acirrar a discordância entre os EUA e a China sobre o conflito Rússia-Ucrânia e ampliar ainda mais as ambições da China de desenvolver cadeias de suprimentos independentes da tecnologia dos EUA.
Entre as sanções ocidentais estão controles rígidos que barram as exportações para o setor militar da Rússia e a exportação de produtos feitos com uso de equipamentos, software ou projetos americanos, mesmo no caso de esses produtos serem fabricados por empresas não americanas. As medidas se revelaram especialmente eficazes no setor de tecnologia, cujas complexas cadeias de suprimentos globais oferecem inúmeros instrumentos a serem ativados pelo governo americano.
Apesar da natureza abrangente das sanções, alguns produtos conseguiram sub-repticiamente furar o bloqueio. Por exemplo, a operadora de telecomunicações russa Beeline, controlada pela empresa holandesa Veon, disse no começo do mês ter recebido a entrega, em março, de equipamentos de telecomunicações da Huawei Technologies. Revelou que a remessa resultou de uma avaliação de 2021 de futuras necessidades de infraestrutura, afirmando que a entrega estava “em conformidade com todas as leis, entre as quais os controles dos EUA sobre as exportações”.
Em abril, a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, disse que os controles às exportações dos EUA e seus aliados cortaram as importações de produtos russos de alta tecnologia em mais de metade e deixaram a Rússia com escassez de semicondutores e em dificuldades para encontrar peças para seu aparato militar. Em entrevista ao jornal “The New York Times” em março, ela ameaçou empresas chinesas com penalidades caso não cumpram as sanções.
Se uma empresa chinesa de computadores tiver seu acesso a uma fornecedora essencial de chips bloqueado, “será catastrófico”, disse Steve Brazier, CEO da empresa de pesquisa de mercado Canalys. “Dá para entender por que elas podem estar motivadas a não se expores a isso.”
Fonte: Valor Econômico

