Por Stella Fontes — De São Paulo
14/03/2024 05h00 Atualizado há 22 minutos
Os crimes de grandes construtoras brasileiras, que foram revelados pela Operação Lava-Jato e tiveram duras consequências sobre seus negócios, combinados à recessão econômica de 2015 e 2016, levaram à reconfiguração da indústria de construção pesada no país na última década.
Gigantes como Odebrecht Engenharia e Construção (atual OEC), Andrade Gutierrez, OAS (Coesa e Metha) e Camargo Corrêa (grupo Mover) saíram de cena por certo período, tiveram de vender ativos para pagar as multas da leniência ou pediram recuperação judicial ou extrajudicial.
Passado o pior da crise, anunciaram códigos de conduta mais rigorosos e camuflaram marca e nome, numa tentativa de esquecer a Lava-Jato. Mas os danos à indústria como um todo permaneceram.
Em uma década, o faturamento das 100 maiores da construção pesada no país saiu de R$ 138 bilhões (2013) para R$ 56 bilhões (2022), uma queda de cerca de 60% segundo dados do ranking da revista “O Empreiteiro”. O consumo de materiais de construção pelo setor foi reduzido à metade: de R$ 37 bilhões no pico visto em 2012 para R$ 16,2 bilhões em 2019 – a mínima de R$ 15,3 bilhões foi registrada em 2017, conforme a Tendências Consultoria.
De 2014 a 2017, foram fechados cerca de 430 mil postos de trabalho diretos na área de infraestrutura, segundo estudos das consultorias Tendências e LCA, a partir de números do IBGE e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Apesar de o antigo grupo Odebrecht ter mudado seu nome para Novonor depois da Lava-Jato, a construtora optou por preservar o legado, reduzindo o Odebrecht Engenharia e Construção para OEC.
Em 2022, a receita líquida da OEC foi de R$ 4,7 bilhões. Em 2015, a empresa e suas controladoras tiveram receita líquida de R$ 57,5 bilhões – os números não são diretamente comparáveis por causa das reorganizações societárias que ocorreram nesse intervalo, mas dão a dimensão do tamanho do tombo. Com dívidas de mais de R$ 14 bilhões, a Novonor está em recuperação judicial. A construtora ficou fora do processo.
A OAS também pediu recuperação judicial, encerrada em 2020. Mas, depois de uma reorganização societária que a dividiu em duas novas empresas, Metha e Coesa, houve novo pedido de recuperação judicial em nome da Coesa.
A Camargo Corrêa, agora grupo Mover, voltou-se a projetos de infraestrutura por meio da Camargo Corrêa Infra. O conglomerado teve de vender ativos, entre os quais o controle da Alpargatas (dona de marcas como Havaianas). Agora, está tentando se desfazer das operações da InterCement no Brasile sua fatia na Loma Negra, na Argentina.
A Andrade Gutierrez manteve o nome e recorreu à recuperação extrajudicial. Mas viu seu faturamento encolher à metade entre 2013 e 2023. Em 2022, vendeu a fatia de 14,9% na concessionária CCR.
Em praticamente todos os casos, houve participação na construção de estádios para a Copa de 2014, onde acabou comprovada a prática de corrupção.
“Junto com os desdobramentos da Lava-Jato, veio a recessão” — Ana Maria Castelo
“Foi um retrocesso muito grande”, diz o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon), Claudio Medeiros. Junto com o declínio das grandes empreiteiras, conta, houve uma onda de fechamento de construtoras menores, que eram subcontratadas. Ao mesmo tempo, com a finalização das grandes obras e a escassez de novos projetos, as grandes que sobreviveram ao escândalo de corrupção passaram a disputar obras menores, sufocando pequenas e médias, que ficaram sem condições de competir.
Um estudo produzido em 2022 pela Tendências para o Sinicon mostra que, no auge, em 2014, havia 2,7 mil empresas atuantes em infraestrutura no país. Até 2017, cerca de 500 já haviam fechado as portas. “É natural que uma parte da perda de empregos e do fechamento de empresas tenha sido efeito da crise econômica que afetou o Brasil nos anos de 2015 e 2016”, diz o texto.
A operação que investigou crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta, entre outros delitos, foi deflagrada em 2014, no fim de um ciclo de sete ou oito anos muito próspero para as construtoras.
Grandes obras de infraestrutura, projetos de engenharia relacionados à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos no país, o lançamento do programa Minha Casa, Minha Vida e a maior oferta de crédito imobiliário resultaram em crescimento acentuado a partir de 2007 até 2014.
“Junto com os desdobramentos da Lava-Jato, veio a recessão da economia brasileira. No mercado imobiliário, a crise só não foi pior por causa do Minha Casa, Minha Vida”, diz a coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Ana Maria Castelo.
A reação tanto no mercado imobiliário quanto na infraestrutura veio a partir de 2020, com a queda dos juros e as medidas emergenciais decorrentes da pandemia de covid-19, fortalecendo investimentos de Estados e municípios. Houve retomada dos leilões de concessão e o novo marco do saneamento destravou projetos. “Há um ciclo de investimento em infraestrutura que está recomeçando”, observa Castelo.
Segundo a consultoria Inter.B, investimentos públicos e privados (distribuídos entre energia elétrica, telecomunicações, saneamento e transportes) devem chegar a R$ 215,8 bilhões neste ano, contra R$ 194,5 bilhões estimados para 2023, mantendo-se em torno de 2% do PIB. Ainda assim, diz a consultoria, abaixo da demanda de investimentos “de modernização da infraestrutura do país, estimados em 4% do PIB ao longo de duas décadas”.
Na reconfiguração do setor a partir de 2014 caiu o número de grandes empresas e cresceu o de médias, e investidores e capital estrangeiros foram atraídos. Hoje, com o reaquecimento dos projetos de infraestrutura e o setor imobiliário competindo pelos profissionais qualificados, há escassez de mão de obra.
Procuradas, as grandes empreiteiras citadas nesta reportagem preferiram não se manifestar.
Fonte: Valor Econômico

