Por Larissa Garcia — De Brasília
19/09/2022 05h08 Atualizado há 4 horas
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) não deu sinais claros sobre qual será sua decisão para a taxa básica de juros na reunião que acontece nesta quarta-feira, mas temas como mercado de trabalho e capacidade ociosa da economia devem ganhar destaque nas discussões entre os membros do colegiado. Números mais recentes indicam aceleração da atividade mais forte que o esperado e o Banco Central terá que analisar os possíveis efeitos inflacionários disso.
“Temos esse debate hoje sobre o que os economistas chamam de ‘Nairu’, que é a taxa de desemprego neutra em relação a gerar inflação de salário, se a gente passou desse ponto ou se a gente está depois do ponto é uma variável difícil de se observar”, afirmou o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, no evento “Valor 1000”, realizado em 5 de setembro. “A gente entende que tem espaço [para gerar emprego sem pressionar a inflação], mas quanto mais olhamos, mais vemos que o espaço diminuiu recentemente. Esse é um debate que teremos no Copom [nesta semana] e provavelmente vai fazer parte do nosso comunicado”, afirmou.
Parte do mercado não concorda com o Banco Central em relação à taxa neutra do mercado de trabalho. Alguns economistas acreditam que o Brasil chegou ou já ultrapassou esse nível. No segundo trimestre deste ano, último dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego chegou a 9,3% no país.
Campos já havia falado sobre o tema em outros eventos e argumentou que as reformas econômicas feitas pelo governo, como a trabalhista, podem ter ajudado a reduzir a Nairu. Tanto o titular da autoridade monetária quanto analistas, contudo, admitem que se trata de uma variável difícil de se calcular, especialmente após a pandemia, que pode ter mudado de forma permanente a dinâmica do mercado de trabalho.
“Quando a gente pensa em capacidade instalada, eu diria que não é a nossa maior preocupação. A nossa maior preocupação é que, como a gente está vendo uma mudança estrutural na mão de obra em vários lugares do mundo, temos que entender se essa mudança está acontecendo no Brasil, em que aspecto ela está acontecendo e o que isso pode gerar em termos de dinâmica inflacionária via salários”, pontuou Campos.
Segundo ele, essa “mudança estrutural” faz com que fique mais difícil usar os modelos do passado no presente. O diretor de política monetária do BC, Bruno Serra, afirmou em outro evento recente que o comitê também deve discutir o hiato do produto, que mede a ociosidade da economia, um dos principais pontos de divergência entre as projeções do BC e do mercado.
“Assim como o mercado, é natural que a gente esteja debatendo o grau de ociosidade que a economia tem. Pessoalmente, eu acho que, assim como o Copom tem comunicado, ainda tem ociosidade ainda na economia”, ressaltou ele. O diretor disse que precisa haver “alguma desaceleração da atividade econômica, na ausência de um choque positivo [na inflação]” para alcançar o objetivo.
Atualmente, o horizonte de atuação do BC é 2023 e, em menor grau, 2024, com metas de 3,25% e 3%, respectivamente.
Serra disse que “as medidas de salário me sugerem que o mercado de trabalho definitivamente ainda não está tão apertado quanto estava antes da recessão de 2015”, mas já está num nível que “requer atenção”. “Se a gente descobrir que a ociosidade é menor do que a gente imaginava, o processo de desinflação, em particular para horizonte mais longo [2024], vai ser um pouco mais difícil”, afirmou.
Assim como em relação à Nairu, há um debate no mercado sobre se realmente há espaço para que a economia cresça sem pressionar a inflação. Em seu último relatório de inflação, de junho, o BC estimou que o hiato ficaria em -1,3% no segundo trimestre de 2022 e em -1,7% no quarto trimestre. O número negativo indica que ainda há uma capacidade não utilizada no setor produtivo e que o nível da atividade é inferior ao seu potencial. Esse dado deve ser revisado no próximo documento, a sair no fim deste mês.
“Podemos discutir se a economia está rodando ou não acima do seu potencial. Para nós, o desemprego está abaixo da Nairu, que estimamos entre 10% e 11%, e a atividade está meio ponto [percentual] acima do seu potencial. Não há mais ociosidade na economia”, argumentou Maurício Oreng, superintendente de pesquisa do Santander.
Para o economista, o Banco Central sinalizou que quer conter as expectativas de corte de juros para o próximo ano e uma alternativa seria comunicar que o balanço de riscos, métrica do Copom para indicar se há mais chances de a inflação subir ou cair, ficou assimétrico para cima. Oreng disse ainda que os estímulos fiscais recentes e o mercado de trabalho fortalecido podem levar a uma desaceleração mais lenta da economia nos próximos trimestres, dificultando o trabalho da autoridade monetária.
A economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória, afirmou que não há consenso no mercado sobre a capacidade ociosa da economia. “Ainda há espaço, estimamos um hiato de 0,7%. Para o mercado de trabalho não há estimativa nova, era próxima de 9%, mas achamos que o número é menor, com efeito das reformas”, disse. “Apesar de a atividade estar crescendo, acredito que ainda tenha espaço para crescimento marginal sem pressionar a inflação”, completou.
“São os dois pontos principais [do debate no Copom], a atividade e o mercado de trabalho. Tem surpreendido a atividade mais forte, a economia está crescendo mais que o esperado, já considerando a desaceleração global”, destacou a analista.
Patrícia Pereira, estrategista-chefe da MAG Investimentos, avaliou que houve ganho de produtividade na pandemia e a Nairu pode ter ficado menor, mas que só será possível medir esse nível quando as incertezas se reduzirem. “Ninguém esperava essa queda na taxa de desemprego. Mas a discussão é que se está muito aquecido, a pressão por salários aumenta e, consequentemente, a inflação. Mas os salários seguem comportados. É difícil fazer essa análise no cenário atual, porque tudo cai na incerteza”, salientou. Sobre a ociosidade, Pereira estima que, se ainda há espaço, é pequeno.
Segundo a economista, o Copom não deve alterar sua visão sobre o risco fiscal, mesmo diante de estudos do governo para mudar o arcabouço e da possibilidade de extensão da ampliação de benefícios sociais e cortes de impostos para o próximo ano.
Fonte: Valor Econômico

