Verba de parlamentares destinada a municípios cresce 600% em menos de uma década, mas ausência de critérios técnicos é dificuldade, alerta estudo
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Os valores das emendas parlamentares transferidas aos municípios com o intuito de financiar a saúde pública cresceram 600% em menos de uma década e se tornaram um desafio para o sistema, com ausência de critérios técnicos causando imprevisibilidade e gastos ineficientes nos municípios. Segundo um estudo conduzido por economistas ligados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 2015 e 2022, o montante anual passou de R$ 2 bilhões para R$ 14 bilhões em termos reais – foram R$ 16 bilhões em 2021. O ano de 2024 não está no período analisado pelo levantamento, mas estima-se que tenha aumentado para R$ 21 bilhões.
Contudo, apesar do aumento de recursos aprovados para a saúde pública via Congresso Nacional, as emendas estão prejudicando o planejamento dos municípios e, na maioria dos casos, obrigam a direcionar os recursos para fins políticos, e não técnicos, o que tende a piorar o serviço para a população, principalmente em cidades pequenas e médias.
Conforme explica o economista Gabriel Vieira Mandarino, autor do estudo junto com a coordenadora-executiva do Transforma-Unicamp, Clara Saliba, embora o crescimento dos recursos no período analisado tenha sido exponencial, o movimento é não linear e a variação considerável nos valores recebidos pelos municípios, que são os responsáveis pela execução das políticas públicas de saúde, causam incerteza nos gestores locais sobre quando e se os recursos chegarão, o que prejudica o processo de planejar o financiamento de serviços essenciais.
“Os valores são erráticos, muito voláteis”, comenta Mandarino, que é professor visitante na Universidade Federal de Lavras (UFLA) e pesquisador convidado no Instituto de Economia da Unicamp. “A princípio, as emendas não seriam um problema, mas da maneira como vem sendo feito, com elevada variação anual, atrapalha do ponto de vista do planejamento dos municípios, principalmente os pequenos.”
Com base nos dados do portal Siga Brasil, que detalha o Orçamento público do país, Mandarino aponta que a participação das emendas nas despesas municipais com saúde, considerando todas as cidades do Brasil, saltou de 0,89% para quase 6% em 2021 e 4,8% em 2022. O problema, no entanto, é que em cidades pequenas essa relação é muito superior, o que acaba tornando municípios menores dependentes de uma verba que varia bastante ano a ano.
Valores [das emendas] são erráticos, muito voláteis”
“Há município em que as emendas já representam 40% das despesas disponíveis para a saúde e a imprevisibilidade sobre a chegada desses recursos prejudica bastante”, afirma Mandarino. “Ou seja, parcelas crescentes das despesas municipais em saúde têm sido financiadas com fontes imprevisíveis de recursos – aumentando ainda mais o risco de descontinuidade de uma parcela dos serviços públicos na área da saúde. Um ano vai ter um serviço prestado, no outro não e no seguinte vai ser parcial.”
Outro fator de preocupação é que os recursos do orçamento da saúde cooptados por emendas parlamentares acabam sendo aplicados com fins políticos, e não técnicos. “Começamos a observar que em certos municípios os valores per capita explodem. Em um determinado ano, de repente, os repasses ficam muito altos para um município específico porque ninguém está preocupado com os critérios técnicos.”
Esse problema apontado por Mandarino, consequentemente, levanta preocupações sobre a possibilidade de parte dos recursos direcionados a municípios pequenos ser desviada em casos de corrupção. Em 2022, em meio às denúncias sobre o então chamado “Orçamento Secreto”, uma matéria da revista “Piauí” revelou que pequenas cidades do Maranhão estavam fraudando números de atendimentos de serviços da saúde para justificar os repasses recebidos por emendas parlamentares.
Em um dos exemplos relatados pela publicação, umas das prefeituras relatava ter aumentado atendimentos em saúde em 1.300% de um ano para o outro mesmo sem ter hospital na saúde. Em outra, uma localidade de menos de 30 mil habitantes registrou mais exames de detecção do vírus HIV do que São Paulo.
A preocupação com o desvio dos recursos destinados por emendas parlamentares a municípios voltou ao noticiário nos últimos dias de 2024, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino bloqueou mais de 5 mil “emendas de comissão”, nome dado após alterações que encerraram o “orçamento secreto”. Dino questionou a transparência sobre a aplicação dos recursos e falou em “ápice de uma balbúrdia quanto ao processo orçamentário”.
No levantamento da Unicamp, a corrupção em torno das emendas não foi objeto do estudo, mas o autor afirma que é um fator, assim como a falta de critérios técnicos, que também influencia negativamente. Diz ainda que a falta de transparência na execução dos recursos das emendas parlamentares dificulta até mesmo a contabilização dos valores.
Ainda assim, o professor comenta que a existência das emendas parlamentares e as transferências para os municípios não são um problema em si desde que sejam conduzidas de maneira mais criteriosa para evitar variações abruptas nas verbas que as prefeituras precisam para manter o sistema público de saúde.
“O importante é que existam regras e critérios para que esses recursos sejam distribuídos com uma previsibilidade maior. Isso permite com que as prefeituras consigam se organizar e se planejar”, conclui Mandarino.
Segundo o estudo, de 2015 a 2022, só dois dos 5.570 municípios brasileiro não aparecem com emendas parlamentares empenhadas na base de dados do portal Siga Brasil.