Por Sérgio Tauhata
— De São Paulo
02/05/2024 05h03 Atualizado há 5 horas
As eleições presidenciais americanas, marcadas para início de novembro, podem reduzir a “janela” para cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), na avaliação do economista-chefe global do Citi e ex-diretor de finanças internacinais do Fed Nathan Sheets, em entrevista ao Valor. “Meu instinto diz que, se [o presidente do Fed] Jerome Powell puder evitar o corte das taxas em setembro, logo antes da eleição, ele tentará isso”, afirma. “Se não cortar até julho, acho que seria mais difícil fazer um primeiro corte em setembro, e isso poderia ficar só para dezembro”, complementa.
Sheets chama a atenção ainda para o risco de o processo de desinflação estacionar, como mencionado ontem pelo presidente do Fed, Jerome Powell. “Até agora, os dados de janeiro, fevereiro e março foram muito preocupantes, e sugerem que talvez as coisas não estejam indo tão bem quanto esperávamos”, avalia. “Acho que essa é uma das razões pelas quais o Fed não está falando sobre cortes, querem se proteger contra um cenário em que a inflação fique estagnada”, diz.
Valor: Qual seu cenário base para o ciclo de política monetária do Fed?
Nathan Sheets: No nosso cenário base, a economia evita a recessão e obtém um pouso suave. Os mercados estão precificando apenas dois ou menos cortes nas taxas em 2024. Há uma série de possibilidades. Mas dois ou até três cortes nas taxas ainda parecem razoavelmente prováveis em um cenário em que a economia americana continua tendo bom desempenho. Na reunião de março do Fed, era difícil para eles decidir se haveria dois ou três cortes este ano. Minha sensação é que os dados desde aquela reunião provavelmente mudaram seu argumento central para dois cortes, o que me parece uma linha plausível no caso de um ‘pouso suave’.
Valor: Conforme as eleições nos EUA se aproximam, o Fed pode ficar mais cauteloso em iniciar um ciclo de cortes?
Sheets: Passei 18 anos dentro do Fed, participei das reuniões do Fomc [Comitê Federal de Mercado Aberto, o Copom dos EUA] por vários anos e nunca ouvi o Fed dizer ‘ah, é uma eleição’, ou ‘por causa da política, não podemos agir’. O DNA do Fed é tentar fazer a coisa certa na hora certa. A autoridade prefere traçar uma estratégia em que a política monetária seja o mais enfadonha e previsível possível. Acho que [o momento] preferido [para iniciar os cortes será] durante o final do verão e início do outono. No entanto, meu instinto diz que, se [o presidente do Fed] Jerome Powell puder evitar corte das taxas em setembro, logo antes da eleição, ele tentará isso. Pensando nisso, um caminho possível para este ano é que o Fed reduza três vezes: em junho, setembro e dezembro. Se cortar em junho, o banco central está meio que dizendo que vai cortar três vezes, ou seja, está sinalizando que haverá mais dois cortes. É natural que as pessoas pensem em junho, setembro e dezembro. Mas se o Fed não cortar em junho, então, talvez, corte em julho. Porém, isso significa que teremos entrado em um mundo de dois cortes, que seriam em julho e dezembro. E se eles não cortarem em junho ou julho, fazer um primeiro corte em setembro acho que seria mais difícil, e o primeiro corte poderia ocorrer em dezembro. Então, tentando juntar tudo isso, a conclusão é que o Fed seguirá a economia. Penso que o Fed preferiria ser tão previsível e aborrecido quanto possível durante as eleições. Isso torna mais difícil que o primeiro corte de um ciclo que está por vir ocorra na reunião de setembro.
Valor: Mas se esse cenário de dois cortes ou menos se concretizar, qual será o impacto disso?
Sheets: Ao formular suas políticas, o Fed está pensando em duas questões que concorrem entre si. Uma é: por que precisamos cortar? E a outra: por que precisamos deixar as taxas onde estão? Se você cortar cedo demais, perderá poder sobre a inflação. Mas, por outro lado, se cortar demasiado tarde e deixar a taxa mais alta que o necessário, estará absorvendo o risco de recessão e de maior desemprego, que penso que o Fed também gostaria de evitar. Então, idealmente, os efeitos dos cortes nas taxas seriam continuar a ver uma desinflação significativa, porque isso está em andamento e, ao mesmo tempo, manter a atividade econômica um pouco melhor. É o que o Fed está tentando calibrar. É como se a economia estivesse bem, mas você está tentando mover os ponteiros apenas o suficiente, para permitir desacelerar [o crescimento], e a inflação diminuir ao mesmo tempo. Há outra resposta à pergunta que é o fato de o efeito geral sobre a economia de alguns cortes ser relativamente limitado. Mas que a direção estabelecida, de certa forma, vai calibrar o cenário no sentido de preservar crescimento suficiente, ao mesmo tempo que permite à inflação diminuir.
Valor: Há o risco de que a inflação pare de cair?
Sheets: Eu penso que sim. Existe o risco de a inflação se mostrar mais teimosa. Acho que já vimos isso até certo ponto, ao longo deste ciclo. E, particularmente, os dados de inflação que recebemos em 2024 até agora, para janeiro, fevereiro e março foram muito preocupantes, sugerem que talvez as coisas não estejam indo tão bem quanto esperávamos. Penso que isso é um risco e é algo a que o Fed está atento. E eu acho que essa é uma das razões pelas quais o Fed não está falando sobre cortes. Estão pensando: queremos ver mais evidências de que a inflação está realmente caindo, e eles querem se proteger contra um cenário em que a inflação fique estagnada. Apesar do risco de a inflação poder estagnar, o motivo pelo qual o Fed está pensando em cortar é que a sua medida preferida da inflação nos EUA está atualmente em 2,8%. Isso é uma situação diferente de, por exemplo, se a inflação estivesse em 5% ou 5,5%, o que faria o Fed dizer: ‘precisamos reduzir essa inflação a todo custo, e se isso significa ter uma recessão, que assim seja’. Na faixa de 2% a 3%, eles querem que a inflação volte para 2%, mas podem ser mais graduais e pode não valer a pena ter uma recessão para conseguir isso. E mesmo que a inflação fique estável, vai ficar perto dos 2%. Não vejo muitos cenários em que a inflação volte a subir.
Valor: As questões geopolíticas podem se tornar um risco para o ciclo de afrouxamento?
Sheets: Geopolítica é algo que você sempre precisa continuar observando. Vimos os riscos com a Rússia e a Ucrânia em 2022, e no ano passado, com as perturbações no transporte marítimo [no Mar Vermelho]. E recentemente, com a piora dos confrontos no Oriente Médio, que tem causado novas pressões sobre os preços do petróleo. Se houver uma grande perturbação nos preços das commodities, isso poderia fazer com que o Fed tivesse de adotar uma postura ainda mais gradual e esperar mais [para cortar as taxas], como, por exemplo, se os preços do petróleo subirem bem acima de US$ 100 [o barril] e permanecerem nesse patamar.
Valor: Existe risco de o Banco Central do Brasil ter de desacelerar o ritmo de cortes devido ao Fed?
Sheets: Acho que, como o próprio presidente do BC brasileiro tem dito, não há uma relação mecânica [entre o cenário internacional e o ciclo de flexibilização]. O impacto da decisão do Fed, no caso do Brasil, passa pelo canal cambial. Esperamos que o Banco Central do Brasil pare [o ciclo de cortes da Selic] em 10%. Significa um corte de 0,5 ponto percentual e mais um de 0,25 ponto. Se o Fed se mostrar mais cauteloso no rumo das taxas, é claro que não ajuda, mas, ao mesmo tempo, não acho que seja uma condição necessária ou suficiente para o BC brasileiro mudar de ideia.
Fonte: Valor Econômico

