/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/W/F/la4V6VTHuDDyhqPFnPgA/07fin-100-ping-c3-img01.jpg)
O ciclo de corte de juros nos Estados Unidos não deve mover tanto o sentimento por risco dos investidores quanto em outros períodos de flexibilização monetária coordenada ao redor do mundo, segundo a avaliação de Christian Mueller-Glissmann, chefe de pesquisa em alocação de ativos do Goldman Sachs, que falou com exclusividade ao Valor durante passagem pelo Brasil.
Na sua visão, os investidores já anteciparam em grande parte o efeito dos cortes de juros iniciados neste ano com o recuo da inflação global em 2023. E esse impacto mais morno sobre os ativos deve se estender aos mercados emergentes. “Trata-se mais de ser seletivo nos mercados emergentes. Haverá oportunidades, mas não é tão claro em comparação com o histórico dos ciclos de cortes do Federal Reserve” [Fed, o banco central americano].
Valor: Como você descreveria a estratégia atual de alocação do Goldman Sachs?
Christian Muller-Glissmann: Acho que estamos ligeiramente pró-risco em um horizonte de 12 meses. Há motivos para investir e ainda vemos um lado positivo para as ações. Mas, para o horizonte de curto prazo, mudamos nossa tática para um pouco mais neutra. Portanto, estamos tentando, apenas no curto prazo, proteger um pouco mais o portfólio. O problema, agora, é o ciclo de sentimento, que tem estado bastante otimista. E isso nos preocupa um pouco porque o momento atual é de crescimento mais fraco em todo o mundo, há muita incerteza quanto à política, há a incerteza das eleições americanas. Por isso, achamos que o otimismo cria o risco de um pequeno retrocesso.
Valor: Como o ciclo de corte de juros impacta as decisões dos investidores?
Muller-Glissmann: Acho que, em geral, o impulso mais poderoso da alocação de ativos e dos portfólios é a inflação. E o fato de a inflação já ter caído substancialmente impulsionou as ações no ano passado. Esse tipo de cenário, até certo ponto, antecipou a resposta do mercado ao que o Fed está fazendo agora. Portanto, não esperamos necessariamente que os ciclos de cortes dos bancos centrais sejam um impulsionador tão positivo. Mas, com certeza, será um fator positivo.
Valor: Fora dos Estados Unidos, o impacto positivo pode ser maior?
Muller-Glissmann: Na margem, esses cortes são possivelmente mais favoráveis às economias fora dos Estados Unidos. Em outros países, a sensibilidade aos juros é de fato maior, especialmente na Europa. A Europa está muito exposta à manufatura e também tem muita poupança. A taxa de poupança na Europa está próxima de 15%, enquanto nos Estados Unidos é de apenas 2% a 3%, portanto, se você reduzir os juros, isso poderá ajudar o consumidor a gastar. Portanto, a partir dessa perspectiva, acreditamos que o ciclo de cortes pode apoiar as ações, mas não é um gatilho tão poderoso quanto a queda da inflação no ano passado.
Valor: Os mercados podem deixar os Estados Unidos um pouco de lado e investir em outras regiões?
Muller-Glissmann: O excepcionalismo dos EUA tem sido um tópico importante desde a crise financeira e tem sido impulsionado pelos fundamentos, e a tendência fundamental para os Estados Unidos tem sido muito melhor. Portanto, não discordamos necessariamente do excepcionalismo americano no ponto em que estamos agora e onde podemos estar estruturalmente. Mas acho que, taticamente, é possível que as ações fora dos Estados Unidos pelo menos proporcionem diversificação e tenham um desempenho um pouco melhor, mas há muitas incertezas. Primeiro, cortar os juros por si só pode não ser suficiente. Normalmente, para fazer com que os consumidores gastem e as empresas invistam, você precisa de confiança. Atualmente, em muitos outros lugares do mundo, não há confiança.
Valor: E quanto aos mercados emergentes?
Muller-Glissmann: Acho que, em geral, sabemos que os cortes do Fed devem favorecer os fluxos de capital para emergentes. Acho que o desafio que você tem é com relação à incerteza sobre as tarifas comerciais e a política dos Estados Unidos. Mas os mercados emergentes também têm se saído muito bem e, na verdade, estão mais adiantados nos ciclos de corte [de juros] do que os desenvolvidos. E essa dessincronização significa que os emergentes não estão tão deprimidos, pelo menos no que diz respeito ao carrego [dos juros]. Haverá oportunidades, mas não é tão claro em comparação com o histórico dos ciclos de cortes do Fed.
Valor: A divergência da política monetária no Brasil pode ajudar o real?
Muller-Glissmann: Em teoria, deveria. A questão é entender por que você está subindo os juros. As altas estão sendo feitas por causa da inflação, do crescimento [econômico] ou de ambos? Se o crescimento permanecer resiliente e a inflação cair, isso poderá sustentar a moeda e os fluxos de capital. No entanto, se você observar uma erosão dos rendimentos reais, de modo que a inflação permaneça mais rígida ou até mesmo suba, e as altas do banco central não forem suficientemente rápidas, é bem possível que a moeda continue a se enfraquecer. E, obviamente, há o risco de que, se o aperto for muito agressivo e os rendimentos reais subirem muito rápido, o crescimento e a economia serão afetados, o que também pode levar à fraqueza da moeda. Portanto, em resumo, não é tão fácil ter uma visão agressiva sobre esse tipo de política monetária e como ela afetará a moeda.
Valor: As taxas de juros não devem voltar a um patamar tão baixo quanto antes da pandemia. Como reagir a isso?
Muller-Glissmann: Concordo que é provável que cheguemos a taxas de equilíbrio mais altas e, provavelmente, também com relação aos rendimentos de títulos com prazos mais longos. Se você observar os últimos 300 anos, a taxa do Treasury de dez anos foi de aproximadamente 4,4%. É bom ter isso em mente, pois muita coisa aconteceu nos últimos 300 anos. Minha opinião é que o ideal é ter uma âncora em torno de 4%, e isso é mais alto do que a maioria das pessoas teve como âncora nos últimos dez anos. Portanto, voltamos a algo mais normal em um contexto de longuíssimo prazo.
Fonte: Valor Econômico

