Por Marcelo Osakabe, Valor — São Paulo
24/09/2022 08h05 Atualizado há 2 dias
O ritmo mais forte que o esperado da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre disparou uma rodada de revisões para cima da atividade em 2022 e reacendeu o debate sobre nível de ociosidade da economia. Parte dos analistas entende que essa folga é pequena ou mesmo que a economia já esteja operando acima da capacidade, mas, para alguns, isso não implica preocupação adicional sobre o cenário de inflação para 2023. Isso porque, além do nível já bastante restritivo da política monetária, há indícios de que o PIB potencial do Brasil cresceu, tendo recuperado a queda dos últimos anos.
No Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de julho, o BC indicou entender que a ociosidade da economia estava em 1,3 ponto porcentual (p.p.). Após o PIB do segundo trimestre, o tema voltou aos discursos da autoridade monetária. No último questionário pré-Copom, o BC também incluiu uma pergunta sobre em que momento os economistas veem esse fechamento ocorrer.
O hiato do produto, ou grau de ociosidade na economia, é um conceito derivado diretamente do PIB potencial — ou o limiar em que a economia pode crescer sem desequilíbrios. São variáveis não observáveis no mundo real, ou seja, os economistas fazem aproximações do que poderia ser essa fronteira usando métodos variados, que levam a resultados e conclusões distintas. Ainda assim, o cálculo da ociosidade é importante para condução da política de juros.
De olho na recuperação recente do investimento privado no pós-pandemia e também em uma possível normalização da produtividade total dos fatores (PTF) — que abarca ganhos com reformas microeconômicas, avanços na educação e abertura comercial, entre outros —, cálculos preliminares da XP Investimentos indicam que o PIB potencial pode ter passado da faixa de 1% a 1,5% para 1,5% a 2%.
“Estimávamos que o hiato do PIB no início deste ano estava negativo em 1,3 p.p., mas ele rapidamente fechou ao longo do primeiro semestre e acreditamos que ele vai terminar o quarto trimestre em terreno positivo, algo como 0,5 ponto”, diz Rodolfo Margato, economista da XP. Para 2023 ele acredita que a situação deva se reverter novamente para folga na economia, fruto da Selic em patamar alto e também do PIB potencial maior.
Em suas simulações sobre o novo patamar do potencial de crescimento, Margato adota taxa de investimento de 19% do PIB ao ano — similar ao do segundo trimestre — e retorno do crescimento da PTF para 0,8% ao ano, patamar médio desde os anos 1990, mas que caiu e chegou a ficar negativo em parte da década passada.
“Credito essa recuperação a avanços nos períodos recentes, com mercado de capitais mais relevante, mais concessões, ganho de potência da política monetária, avanços microeconômicos como a lei de falências, entre outros”, diz. A PTF pode estar crescendo a uma taxa maior, perto de 1%, afirma. Assim, considerando a projeção de crescimento do PIB de 1% em 2023, o hiato voltaria a ficar negativo em algo como 0,7 pp, diz Margato. Já a inflação deve desacelerar de 6,1% este ano para 5,3%, no próximo.
O Bradescoestima é que a economia já opera acima do seu potencial neste ano — que o banco calcula estar ao redor de 2,5% — e no longo prazo, cuja estimativa é 1,5%.
“Quando anualizamos o crescimento do primeiro semestre, ele chega perto de 4%. Todo mundo concorda que não temos essa capacidade hoje”, afirma o economista-chefe Fernando Honorato, para quem outras medidas vão na mesma direção, como Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), medido pela FGV, que está acima da média histórica, de 80%, e mercado de trabalho aquecido.
O banco entende que a crise da pandemia da covid-19 produziu situação inusitada e que pode confundir a análise. O salto abrupto do desemprego em 2020 derrubou o salário médio de tal forma que, mesmo com a retomada da atividade desde então, ainda segue perto de níveis de 2012, quando girava em torno de R$ 2,6 mil.
“Ainda não estamos vendo pressão de preços partindo dos salários, como em 2015, justamente porque o custo unitário do trabalho segue baixo. Isso faz com que o empresário esteja decidindo, circunstancialmente, contratar mais ao invés de investir e ajuda a explicar a queda rápida do desemprego”, diz Honorato.
Olhando o salário médio no período pré-pandemia, que era de R$ 2,8 mil, o economista entende que esta situação possa perdurar ainda alguns trimestres, talvez até um ano, antes de voltar a exercer pressão inflacionária.
Produtividade do trabalho
Outra situação contraintuitiva que a combinação de salários deprimidos e mercado de trabalho aquecido trouxe foi que a produtividade do trabalho despencou, nota Vitor Vidal, também do Bradesco.
“Mas se pensarmos em todas as mudanças trazidas pela reorganização econômica da pandemia, o teletrabalho, temos razões para acreditar que o que ocorreu foi o inverso, a produtividade típica do trabalhador está em alta”, diz.
De olho nesse fator, mas também no conjunto de reformas dos últimos anos, bem como o investimento acelerado do setor privado, Honorato entende que o PIB potencial do país possa ter crescido para perto de 1,8% ou 1,9%.
“Alguns sinais de curto prazo de que hiato fechou podem levar alguns a interpretar que PIB potencial caiu. Temos a cabeça um pouco diferente, mas isto ainda requer algum tempo para análise”, pondera. O Bradesco estimativa alta do PIB de 2,7% este ano e 0,5% em 2023. A inflação baixaria para 4,3% em 2023.
Análise semelhante faz Braulio Borges, pesquisador do Ibre FGV. Ele pondera que o processo de recuperação do potencial de crescimento da economia brasileira deve ser lento, chegando a um PIB potencial de 2% só em 2024.
A partir de dados do segundo trimestre, Borges, que também é economista sênior da LCA Consultores, estima que a ociosidade deve acabar no terceiro trimestre. “Esse hiato vem se estreitando rapidamente. Desde o primeiro trimestre de 2015, a economia brasileira não estava tão perto do pleno emprego. Durante muito tempo, convivemos com um persistente excesso no mercado de trabalho e de capital.”
Borges chama atenção especialmente para a taxa de desemprego média no período cair para 9,1%, perto de sua estimativa para o nível que não gera pressão inflacionária, conhecida pela sigla Nairu, atualmente em 8,5%. “Tem muita gente no mercado que ainda estima a Nairu perto de 10%, o que significa entender que o mercado de trabalho e a economia como um todo está em superaquecimento”, nota. Ele próprio refez seus cálculos recentemente, levando em conta trabalhos acadêmicos sobre o impacto da reforma trabalhista.
O economista ressalta, no entanto, que a ociosidade diminuiu recentemente também pelo fato de que o produto potencial brasileiro teve resultados negativos nos últimos anos. Este ano, voltou a ser positivo, mas apenas 0,5%.
“É a pior maneira de voltar ao pleno emprego, com PIB conjuntural subindo e o potencial caindo”, diz.
Em teoria, se a Nairu cai, tudo mais constante, o PIB potencial cresce. Ocorre que esse fator não teria sido capaz de compensar as perdas com investimentos que não cobriram nem a depreciação do capital entre 2015 e 2020 ou o encolhimento da produtividade — semana passada, o Ibre publicou um trabalho mostrando que a produtividade total seguiu em queda no segundo trimestre, mantendo a trajetória observada após a primeira metade de 2020.
Esse cenário, diz Borges, só melhorou recentemente por conta da retomada do investimento, em especial, na construção civil, cujo crescimento este ano pode chegar perto 9%, ou mais de três vezes a expansão da economia como um todo. E, para alcançar aqueles 2%, ainda leva em consideração pontos que não estão garantidos, como a aprovação de uma reforma tributária. Sozinha, uma proposta como a PEC 45 tem capacidade de aumentar o PIB potencial em 1 ponto porcentual em dez anos, lembra.
“Mesmo se chegarmos a esse patamar de 2%, isso será uma notícia pouco positiva. Esse número significa um crescimento de 1,2% do PIB per capta, e é, basicamente, o mesmo que se vê hoje nos Estados Unidos. Ou seja, não estaremos reduzindo a distância entre a nossa riqueza e a deles”, alerta Borges. “Se quisermos realizar essa convergência, precisaremos de mais reformas, bem como consertar alguns problemas introduzidos recentemente.”
Fonte: Valor Econômico

