Por Marcelo Osakabe — De São Paulo
23/11/2023 05h02 Atualizado há 5 horas
A prévia do PIB do Banco Central confirmou a perda de tração da atividade econômica em setembro e reforçou os riscos de que a atividade pode encerrar uma sequência de oito resultados positivos no terceiro trimestre, avaliam economistas. Alguns, inclusive, já veem chance de novo resultado negativo no quarto trimestre, levando a um quadro de “recessão técnica”, à medida que motores do crescimento recente, como agricultura e consumo das famílias, mostram sinais de esgotamento.
“Os dados antecedentes mostram que essa desaceleração continua no quarto trimestre. Eles são consistentes com o nosso cenário de alta de 2,7% do PIB neste ano e, dado que o carrego estatístico do primeiro semestre para o segundo foi de 3,1%, a direção aponta para um cenário de recessão técnica”, diz o economista Yihao Lin, da Genial Investimentos. Após a divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que registrou contração de 0,64% no trimestre, a corretora revisou sua projeção para o PIB no período de -0,2% para -0,3%.
Lin pondera que os resultados setoriais mostram fraqueza disseminada. Enquanto a indústria se manteve de lado, com a ligeira alta do setor de transformação sendo anulado pela queda de igual magnitude da área extrativa, o comércio teve resultado qualitativo ruim, apesar da alta de 0,8% no período, segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC).
“Quando olhamos a composição, vemos que o varejo foi sustentado por consumo de supermercado, itens essenciais para as famílias. A parte de consumo discricionário – vestuário, móveis e eletrodomésticos – não veio boa”, diz.
A perda de ritmo da atividade na segunda metade do ano é amplamente esperada. Na terça-feira, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda revisou sua projeção para o PIB brasileiro de 3,2% para 3% este ano. Para o terceiro trimestre, a estimativa passou de alta de 0,1% para estabilidade, com perda de dinamismo concentrada no setor de serviços.
Indicadores antecedentes bastante acompanhados pelos analistas econômicos, as sondagens do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) recuaram em outubro. O Índice de Confiança Empresarial (ICE) recuou 3,3 pontos, interrompendo uma alta que vinha desde março. Já o Índice de Confiança dos Consumidores (ICC) caiu 0,4 ponto. Os índices de confiança dos setores de comércio, indústria, serviços e construção recuaram naquele mês. O de serviços é o único que se manteve acima do limiar de neutralidade dos 100 pontos.
Indicadores proprietários de alta frequência de bancos também apontam fraqueza nessa reta final do ano. O Índice Diário de Atividade (IDAT-Atividade) do Itaú Unibanco registrou queda de 0,7% em outubro, com retrações tanto no setor de serviços como no de bens. Já o Iget, do Santander, aponta queda de 0,9% na prévia de novembro para o setor varejista, mas alta de 6,7% em serviços, após baixa de 7,4% no mês fechado de outubro.
“Não esperávamos um número negativo em setembro depois de um resultado consideravelmente ruim em agosto. Acreditávamos em uma devolução que acabou não ocorrendo”, admite Gabriel Couto, economista do banco.
O indicador de frequência de atividade do Santander passou a apontar contração de 0,4% no trimestre. A projeção oficial segue em -0,3%, mas também deve ser revisada antes de o IBGE divulgar o resultado oficial, no começo de dezembro. A projeção para o quarto trimestre é de queda de 0,5%.
“A única possibilidade de vir um número perto de zero ou positivo para o terceiro trimestre é ocorrer uma revisão para baixo dos dados anteriores, pois não teve nada favorável nos dados até aqui. Além disso, os primeiros sinais do quarto trimestre não apontam reação da economia”, continua Couto. Em geral, o IBGE divulga revisões do ano corrente no terceiro trimestre. “É possível não ter recessão técnica se o número do terceiro trimestre vier muito abaixo do esperado, o que favoreceria o dado seguinte pela base de comparação. Mesmo assim, o quadro agregado do segundo semestre vai se mostrar muito pior que o do primeiro”.
Para Caio Napoleão, da MCM Consultores, os destaques do terceiro trimestre devem ser a contração de 5% da agricultura na comparação trimestral e a estabilidade dos serviços. O primeiro resultado já era esperado, mas o segundo surpreendeu negativamente, levando a consultoria a revisar sua projeção para trimestre de alta de 0,1% para queda de 0,2%.
“De certa forma, o fim da safra deixou evidente que aquela resiliência dos serviços vinha do transbordamento da agricultura, seja via renda gerada no setor, seja por manter aquecidas atividades como armazenagem e transporte. Foi um choque, assim como foi o crescimento da demanda por serviços de tecnologia da informação durante a pandemia e a alta dos serviços presenciais com a reabertura”, diz. “Talvez estejamos observando agora o setor de serviços sem nenhum motor externo, pela primeira vez desde 2019.”
Pelo lado da demanda, o setor externo seguirá se destacando, com desempenho robusto das exportações e retração forte das importações. Uma vez que a agricultura deve ter desempenho negativo no período, esse resultado é indicativo de que haverá forte redução dos estoques, diz Napoleão.
André Cordeiro, do Banco Inter, nota que o consumo do governo e das famílias deve ter resultado negativo no período, na esteira da diluição do impulso fiscal visto no primeiro semestre e também medidas de recomposição de receitas – como a reoneração dos combustíveis e da energia elétrica. “Boa parte do desempenho positivo que os serviços vinham registrando era sustentada pelo fiscal. Com a retração, o consumo das famílias deve começar a mostrar sinais defasados de desaquecimento”, diz. O início da cobrança de ICMS sobre a importação de produtos de sites chineses também pode afetar esse desempenho, acredita.
O Inter revisou de -0,3% para -0,5% a projeção para o terceiro trimestre, na esteira de resultados como a primeira variação negativa dos serviços na comparação anual em setembro, depois de 30 meses. Para o quarto trimestre, o banco vê resultado marginalmente positivo, de até 0,2%. “Algum repique dos serviços, ajudado pela sazonalidade do varejo. Mas no geral, a perspectiva segue de desaceleração. A grande surpresa pode vir da agricultura. Esse excesso de chuvas no Sul e seca no Norte têm afetado a produção agropecuária e isso pode prejudicar o PIB”, diz Cordeiro.
“A política monetária está atuando para desacelerar a economia. O impulso da agricultura já passou e o fiscal está se esgotando, o que reduz o impulso ao consumo das famílias, que continuam bastante endividadas”, afirma a economista-chefe da A.C. Pastore, Paula Magalhães. Ela antevê queda de 0,3% do PIB no terceiro trimestre, mas alta de 0,1% no quarto, ajudada por fatores sazonais como festas de fim de ano, o que pode ajudar a evitar a recessão técnica.
Napoleão alerta para possível efeito estatístico da recente revisão das contas nacionais de 2021. Dela resultou corte da alta do PIB daquele ano de 5% para 4,8%. O peso da agricultura em relação à economia também foi revisto para baixo. “Como o destaque do PIB deste ano é justamente o agro, mas ele encolheu relativamente, é possível que a contribuição do setor para a atividade deste ano encolha, ainda que para o terceiro trimestre a revisão seja positiva”, argumenta.
Fonte: Valor Econômico

