A mediana do mercado ainda projeta uma inflação acima do teto da meta para este ano, mas algumas instituições financeiras já enxergam a possibilidade de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrar 2025 dentro do limite superior da banda de tolerância, evitando que o Banco Central tenha de escrever outra carta ao Ministério da Fazenda justificando o estouro.
No boletim Focus, pesquisa do BC com agentes financeiros, a mediana das projeções para o IPCA em 2025 está em 4,8% – mesmo patamar de 2024 e o menor nível estimado ao longo do ano -, mas a previsão mínima já é de 4,45%, dentro, portanto, do limite de 4,5%. O centro da meta é 3%. No seu auge de 2025, a mediana chegou a 5,7% em março, com a maior projeção em 7,5%. Em junho, a estimativa mais baixa ainda era de 4,6%.
Em julho, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, escreveu uma carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, justificando por que a inflação acumulada em 12 meses havia passado seis leituras consecutivas, de janeiro a junho, acima da banda de tolerância da meta. Esse é o novo procedimento desde que foi adotada a meta contínua de inflação, no início deste ano. Se até o dado de dezembro o IPCA acumulado permanecer acima do limite, Galípolo terá de escrever outra carta.
Nos 12 meses até agosto, o IPCA acumulava alta de 5,13%. Pelas projeções da Warren Investimentos, porém, em novembro o número estará em 4,53% e, em dezembro, em 4,51% – e o risco é de esse número ser ainda mais baixo.
Em entrevista na segunda-feira à Record News, Haddad afirmou que a inflação de 2025 poderia ser igual ou menor que a do ano passado. “Em patamares ainda distantes da meta, mas talvez este ano já dentro da banda”, disse.
O BRP sempre teve uma projeção para o IPCA em 2025 um pouco abaixo de 5% e, agora, está ligeiramente abaixo de 4,5%. “Todos os fundamentos em que acreditávamos prevaleceram”, diz Nelson Rocha Augusto, presidente e economista-chefe do banco. “Tinha uma enorme chance de apreciação do real, depois da forte desvalorização na virada do ano; o efeito defasado da política monetária, com uma postura mais ativa do BC, se confirmou inequívoco; houve modesta contração fiscal nas esferas de governo, após anos de expansão; a safra agrícola gigante aconteceu; há folga nos combustíveis derivados de petróleo; o cenário internacional está benigno”, lista.
Na última sexta-feira, o Bradesco reduziu sua projeção para o IPCA em 2025 a 4,5%, de 4,7%, citando a política monetária e a apreciação cambial. “A variação trimestral anualizada dos núcleos está próxima a 4%, abaixo dos 5,1% acumulados pelo IPCA nos últimos 12 meses até agosto – sinalizando moderação à frente”, escreve, em relatório, a equipe liderada por Fernando Honorato.
Estudos indicam que o efeito da valorização do real ante o dólar americano já aparece de forma benigna nos preços dos bens industriais e de modo até mais rápido do que o modelo indicaria, diz Andréa Angelo, estrategista da Warren. “O tradicional é a depreciação do câmbio bater mais rápido, mas o que tem ajudado também esse repasse da apreciação é a oferta de bens asiáticos por aqui, reflexo indireto das tarifas dos Estados Unidos. As empresas locais estão vendo uma concorrência maior.”
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Parte das companhias, em uma economia com características oligopolizadas, tem a necessidade de recuperar fatia de mercado, observa Rocha. “Com esses e outros elementos, entendemos que haverá um comportamento de preços bastante mais camarada”, afirma.
Angelo menciona também a surpresa com os alimentos, em meio a um cenário de “neutralidade climática”, ou seja, sem fenômenos extremos como o El Niño. “Todo mundo tinha a expectativa de que as carnes, por exemplo, iam subir e isso ainda não veio. O clima tem ajudado os itens ‘in natura’. Até o fim de outubro vemos deflação, o que não é normal”, diz.
Ela projeta um IPCA de 4,5% em 2025, com os alimentos abaixo de 4%. Sua estimativa já chegou a ser ao redor de 5,5% para o índice geral, com 6,5% para alimentos. Rocha diz ver a alimentação no domicílio rodando abaixo de 3% ao fim de 2025, ante mais de 8% no ano passado. Já a alimentação fora do domicílio pode ser afetada pela crise de contaminação por metanol nas bebidas, aponta.
“Os alimentos ‘in natura’ sofrem menos, em parte, porque há menos chuvas, o que, por outro lado, pressiona a bandeira tarifária na conta de luz. “O tempo está mais seco, tanto que entramos em bandeiras mais caras antes do que a sazonalidade sugere. O cenário hídrico não está bom e puxa a inflação, mas, mesmo assim, a revisão em alimentos e o câmbio para baixo têm efeito maior”, diz Angelo.
Para sua projeção de IPCA no limite superior da banda em 2025, Angelo trabalha com um dólar ao redor de R$ 5,45 e bandeira tarifária amarela em dezembro. “Revisamos de verde para amarela e tem risco de ser vermelha 1, mas essa chance também já esteve maior.”
O Bradesco reconhece que há riscos para o seu cenário, como um crescimento mais forte do que o esperado da atividade, que leve a um quadro de maior inflação. “O mercado de trabalho segue aquecido e há chance de novos estímulos fiscais e de crédito”, diz no relatório. Mas a equipe pondera que a probabilidade desse e de outros riscos, por ora, parece “bastante baixa”. “Temos ganhado convicção no cenário-base de atividade e inflação que temos destacado nos últimos meses”, afirma a equipe.
Rocha diz que a desaceleração da atividade no início de outubro se mostra mais intensa e espalhada. “Em julho, observamos a desaceleração de alguns setores, mas tudo ainda estava meio turvo por causa do PIB agrícola. Além disso, empresas aproveitaram a janela para evitar as tarifas dos EUA. Agora, está estabilizando.”
O câmbio, diz, não deve ceder muito mais, “mas ainda tem muito efeito para vir na inflação”, afirma. Ele também diz ver “boa possibilidade” de o ano terminar com bandeira verde (sem cobrança extra) na energia, embora seu cenário ainda seja de bandeira amarela.
Entre quem está com projeções um pouco maiores, de 4,6% a 4,7%, o reconhecimento também é de que o viés é ser um número menor.
Para Angelo, mesmo sua projeção de 4,5% para este ano “tem cara de facilmente ser 4,4%”, diz. “Alimentos ainda podem ceder mais. Mas, como são produtos voláteis, vamos mais devagar no ajuste.”
Rocha aponta que ainda existem “gorduras” importantes para serem “queimadas” na cadeia de alimentos. “A queda do ovo foi vertiginosa e não chegou na ponta. Há queda acentuada ocorrendo no mercado internacional de trigo e que, provavelmente, ainda não vimos em termos reais na cadeia.”
Outro vetor baixista, segundo Angelo, é a defasagem no preço doméstico da gasolina, que está acima do praticado lá fora. Pelos cálculos da Warren, que consideram a média dos últimos 15 dias em duas referências (gasolina pelo barril do Brent e gasolina internacional), a defasagem dos preços externos está em -4,75% ante o doméstico. “O câmbio e o preço de petróleo mais baixo nos últimos dias podem levar a um reajuste na gasolina, o que ainda não está no nosso cenário”, diz Angelo.
Ainda que o IPCA encerre 2025 dentro da banda de tolerância, os serviços subjacentes (mais ligados ao ciclo econômico) devem terminar o ano ao redor de 6%, na estimativa da Warren, um pouco acima do registrado no ano passado. “É alto e acelerando. A inflação de serviços deve voltar a subir entre o quarto trimestre de 2025 e o primeiro de 2026, estabilizando-se em nível elevado”, afirma Angelo.
É, provavelmente, por essa percepção que o BC atuou, através da sua comunicação recente, para “tirar da curva” de mercado expectativas de corte de juros em dezembro, diz Angelo. “Para janeiro, já praticamente tirou também e está caminhando para um cenário de março. Talvez, o BC também esteja vendo esse cenário de uma inflação mais inercial, mais chata.”
Rocha diz que uma hora a taxa de juros “exorbitante” vai chegar à inflação de serviços “de maneira mais importante”. Nesse sentido, ele afirma ver “um pequeno distensionamento” no mercado de trabalho. “Alguns setores pararam de contratar de forma relevante e outros começam a demitir. Ainda ficaremos no pleno emprego, mas estamos enxergando, do ponto de vista conjuntural, um pouco menos de tensão.” Assim, para ele, deve se abrir espaço para discussão sobre corte da Selic em dezembro.
Fonte: Valor Econômico

