18 Sep 2023 LUIZ GUILHERME GERBELLI
Affonso Celso Pastore abre série de entrevistas sobre caminho do Brasil para melhorar qualidade do gasto público e equacionar problema fiscal.
A equipe econômica tem uma meta ambiciosa para 2024: zerar o déficit primário das contas públicas. Ou seja: fazer com que o governo consiga gastar – descontando o que é pago de juros com a dívida pública – o equivalente ao valor da arrecadação de impostos. A proposta é vista com ceticismo no mercado financeiro. A projeção mediana de bancos e consultorias ainda é de um déficit em 2024, da ordem de 0,71% do PIB – pouco melhor do que o esperado para este ano (1%).
Nas últimas semanas, também tem aumentado o tom das críticas de que o governo, na tentativa de cumprir a meta fiscal estabelecida, tem priorizado o aumento da arrecadação em vez de optar por melhorar a qualidade dos gastos públicos. Sem medidas concretas para a despesa, apontam os analistas, a equipe econômica não vai conseguir entregar os resultados prometidos. O Ministério do Planejamento diz que trabalha numa estratégia de revisão de gastos, mas ainda não fez anúncios concretos.
“O governo tem de ter juízo e fazer reformas que permitam cortar gastos”, resume Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Pastore abre hoje uma série de entrevistas do Estadão sobre qual caminho pode ser adotado pelo País para melhorar a qualidade do gasto público e equacionar o problema fiscal.
Essa conta fica ainda mais difícil de fechar porque o governo tem bancado gastos bilionários. Respaldado pela eleição do ano passado, o governo colocou de pé uma série de medidas com impactos relevantes: concedeu reajuste real (acima da inflação) para o mínimo, aumentou o salário de servidores e ampliou os recursos para os programas de transferência de renda.
Dentro do governo, também existe uma grande incerteza fiscal, que levou uma parte dos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a defender a mudança da meta. Na proposta de Orçamento para o ano que vem, o governo prevê a necessidade de arrecadar R$ 168 bilhões em novas receitas para alcançar o déficit zero.
Para tentar turbinar a arrecadação, o Ministério da Fazenda enviou uma série de projetos ao Congresso. O governo já conseguiu aprovar a lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que retoma o voto de qualidade a favor da Fazenda. A medida, diz o governo, pode ter um impacto de R$ 54,7 bilhões em 2024. Mas há batalhas mais duras e que não têm amplo apoio dos parlamentares, como as que mexem com a tributação de fundos exclusivos e offshore.
“O que me preocupa é exatamente o médio prazo”, afirma Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Rena. “O problema é como o governo vai dar sustentação ao novo arcabouço nos próximos anos, já que ele não vai conseguir ficar tirando da cartola, todo ano, medidas pelo lado da receita. Há, portanto, um encontro marcado com o lado do gasto.” •
Fonte: O Estado de S. Paulo

