Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
09/06/2022 05h01 Atualizado há 4 horas
Cortar impostos para tentar controlar choques inflacionários sobre certos itens é decisão do jogo político, mas é importante que Executivo e Legislativo tomem cuidado para não repetir erros do passado ao adotar medidas estruturais com base em ganhos conjunturais, alertou Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, na Live do Valor de ontem. As diversas iniciativas na mesa para segurar, sobretudo, preços de combustíveis podem até reduzir a inflação em 2022, mas trazem consequências para 2023, ano que, aos olhos de Victal, tem tudo para ser bem negativo.
Embora calcule que as propostas anunciadas nos últimos dias possam retirar até três pontos percentuais da inflação, a SulAmérica revisou ontem sua projeção de IPCA em 2022 de 8,6% para 7,6%. “Estamos incorporando só um ponto porque esses três pontos viriam às custas de uma renúncia fiscal relevante. Estados e municípios já têm trabalhado bastante em Brasília para tentar reduzir o impacto disso e há também discussão de constitucionalidade. Tem muita incerteza envolvida”, disse Victal.
Boa parte dessa redução (0,65 ponto percentual) é pela possibilidade de o governo federal zerar PIS/Cofins sobre gasolina e etanol. “É uma medida que ele consegue fazer de forma mais simples, porque é imposto dele”, observou Victal. O outro 0,35 ponto é o valor esperado para outras discussões em curso, principalmente aquelas envolvendo preços de energia.
Há, no entanto, riscos para essas estimativas, segundo Victal. Primeiro, porque tem defasagem entre os valores da gasolina e do diesel aqui e lá fora, o que pode levar a Petrobras a promover novos reajustes para cima. Além disso, parte da redução de impostos, no caso da gasolina, pode ser incorporada à margem dos postos. “Tem que monitorar isso, porque grande parte dessas medidas pode acabar anulada.”
Ela reconheceu que pressões em preços de combustíveis – principalmente o diesel, usado no transporte de alimentos – têm efeito sobre o poder de compra das famílias. A forma como decisões para lidar com isso são tomadas, no entanto, importa. “Somos uma democracia, cabe aos governantes o que eles consideram mais correto para a população. O que acho muito importante ter em mente é para não cometermos os mesmos erros que já cometemos, que é usar uma surpresa conjuntural de receita para medida estrutural”, alertou.
Como parte das medidas em negociação se limitaria a 2022, haveria repercussões altistas para a inflação de 2023, notou Victal – a SulAmérica ajustou sua projeção de IPCA de 4,3% para perto de 4,7%. A casa espera também que o Comitê de Política Monetária (Copom) suba a Selic em mais 0,50 ponto neste mês, para 13,25%, mas deixando a porta aberta para o caso de novas altas.
O Brasil deve crescer 1,5% neste ano, prevê Victal. A atividade, porém, desaceleraria ao longo do segundo semestre e, para 2023, já não restariam vetores de crescimento. A política monetária estará restritiva e a fiscal, no mínimo, será menos expansionista; impulsos da reabertura dos serviços e da recomposição de estoque na indústria, provavelmente, terão se dissipado; a economia global deve arrefecer e o mercado de trabalho pode perder dinamismo. “O ano de 2023 preocupa bastante a gente”, disse ela, projetando queda de 0,7% para o PIB no período.
Fonte: Valor Econômico

