Por Howard Schneider — Reuters, de Washington
08/11/2022 05h02 Atualizado
O caixa das famílias está em níveis recordes de alta nos EUA, e os consumidores estão lotando restaurantes e aviões, e comprando carros novos. Há abundância de vagas de empregos. Os patrimônios líquidos estão 30% maiores do que antes da pandemia, mais ainda no caso do segmento de 50% de menor renda da sociedade. Mesmo assim, os americanos estão irritados com o presidente Joe Biden.
As eleições de hoje para renovação do Congresso nos EUA poderão amarrar o presidente democrata se o Partido Republicano retomar o controle do legislativo. Pesquisas e levantamentos sobre o sentimento dos americanos sugerem que o pessimismo diante de questões econômicas tem empurrado os eleitores nessa direção.
É fato conhecido da política americana que o partido que ocupa a Casa Branca enfrenta dificuldades nas eleições legislativas realizadas a cada dois anos entre as disputas presidenciais.
Neste momento que há uma dissonância gritante, em tempo real, entre o índice de 40% de aprovação ao presidente e as condições econômicas como um todo, que são, na pior das hipóteses, desencontradas – com a elevada inflação representando a maior preocupação de muitos, enquanto que o mercado de trabalho é um dos mais sólidos das últimas décadas, com uma taxa de desemprego de 3,7%. Prevê-se que a economia crescerá em 2022, embora lentamente, apesar das preocupações de alguns meses atrás de que ela tenha começado a contrair.
Mas 56% das pessoas ouvidas por recente pesquisa da Morning Consult consideraram que a economia está em crise, e o índice de grau de confiança do consumidor “estava mais baixo nas últimas semanas do que durante o ‘lockdown’ contra a covid-19 em 2020”.
Uma pesquisa da CNN mostra que uma sólida maioria dos americanos sente que o país está em recessão, embora, por quase todos os critérios, não esteja.
Este é um momento frustrante para os democratas, que venceram várias batalhas intensas que resultaram em ajuda econômica à população, entre as quais um recente pacote de alívio da dívida referente ao crédito educativo, além de investimentos em infraestrutura e em indústria regional.
“A população americana começa a ver os benefícios de uma economia que trabalha para ela”, disse Biden em discurso no Estado de Novo México na semana passada, na tentativa de equilibrar as percepções sobre o panorama geral.
Mas ele falava em um momento de elevada angústia relativa ao futuro, com uma inflação elevada neutralizando os efeitos dos aumentos salariais, crescente aperto monetário pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), perdas das ações e do mercado de imóveis residenciais e risco real – segundo muitos economistas – de uma recessão no ano que vem.
Os republicanos transformaram a economia em sua prioridade máxima, e acusam Biden e os democratas de alimentar a inflação com grandes pacotes de gastos, para, depois ignorar a desgraça que aflige as famílias americanas submetidas à disparada dos preços da energia e dos alimentos.
Há muita discussão sobre por que os preços estão subindo com tanta rapidez, mais de 8% ao ano, em dados de setembro. Entre o ex-presidente Donald Trump e Biden, foram injetados na economia americana cerca de US$ 5 trilhões em ajuda por conta da pandemia desde março de 2020 – um dos motivos pelos quais as contas bancárias ainda estão abarrotadas.
Embora esse dinheiro ainda estimule a demanda, os economistas no geral atribuem boa parte da recente escalada dos preços a choques externos na ponta da oferta.
Mas as causas da inflação podem não ter tanta importância para os eleitores americanos que puniram sistematicamente os políticos por aumentos dos preços dos produtos necessários do dia a dia, especialmente no caso de alimentos e gasolina. Os preços dos alimentos subiram a uma taxa anual de 11% em setembro, o ritmo mensal mais acelerado desde fevereiro de 1979, quando o democrata Jimmy Carter era o ocupante da Casa Branca. Após alcançar US$ 5 o galão (de 3,785 litros) no terceiro trimestre, o preço médio da gasolina tinha caído para US$ 3,70 o galão na semana passada – ainda muito acima dos US$ 2,53 pagos na semana que antecedeu à posse de Biden, em janeiro de 2021.
Apesar disso, parcelas fundamentais da economia estão indo tão bem como sempre. A taxa de desemprego está, em média, em 3,6% desde março – melhor do que antes das eleições legislativas de 2018, realizadas no meio do mandato de Trump e é a mais baixa desde as eleições legislativas de 1966. Até recentemente os salários dos trabalhadores de menor remuneração tinham aumento mais acelerado do que a inflação, e pode-se dizer que o governo Biden foi uma época de extraordinária alavancagem dos trabalhadores, caracterizada por trocas de emprego e aberturas de vagas que ultrapassam, de longe, o contingente de pessoas em busca de colocação.
O governo Biden tem-se revelado, também, turbulento, o que reflete a reação complexa dos EUA à pandemia e uma série de outros dilemas – uma “policrise”, como a chamam alguns acadêmicos, que inclui a irrupção da guerra na Europa e os lockdowns de “covid zero” ainda adotados na China.
A aprovação de Biden era alta no começo de seu mandato, quando os cheques de incentivo ainda estavam sendo distribuídos, e num momento em que os incentivos fiscais por filho e os seguros-desemprego ajudaram muitas famílias. Tudo isso foi esquecido.
As empresas de pequeno porte, por exemplo, estavam entre as principais beneficiárias dos gastos do governo durante a pandemia, mas agora são a favor dos republicanos controlarem o Congresso, embora apenas um terço delas se identifique como membros do partido, segundo pesquisa realizada pelo grupo de pequenas empresas Alignable entre seus membros.
Mais de metade citou, dentre suas principais preocupações, o crescente custo do crédito, elevado pelo Fed em uma dinâmica que também lembra a gestão de Carter, que também perdeu a reeleição em meio a inflação alta e taxas de juros em rápida elevação.
Segundo recente pesquisa Reuters-Ipsos, as pessoas ainda não mudaram muito seu estilo de vida diário em resposta à inflação ou ao Fed, que elevou as taxas de juros em 3,75 pontos percentuais neste ano, graças ao grande acúmulo de caixa remanescente da pandemia.
Talvez um fator importante para a política seja o de que há grave incerteza com relação ao futuro, sentimento que parece estar por trás da queda acentuada observada nas pesquisas que avaliam a confiança do consumidor.
Esse grau de confiança caiu apesar do aumento geral da riqueza.
Desde o início da pandemia, incluindo o último ano de Trump e os dois primeiros de Biden, as famílias incorporaram US$ 32 trilhões a seu patrimônio, o que representa um aumento de 30%, segundo dados do Fed. O patrimônio dos 50% da população de menor renda mais que duplicou.
Mas, nos últimos doze meses, esse crescimento estagnou e, na contagem regressiva para as eleições de hoje, parece ter sobrado pouco otimismo. Na pesquisa Reuters-Ipsos, uma sólida maioria que incluía 70% dos democratas de 77% dos republicanos disse que ou não melhoraram ou pioraram financeiramente em relação à situação em que estavam um ano atrás.
Fonte: Valor Econômico

