A recuperação da economia da Argentina trouxe efeitos positivos para a atividade no Brasil, principalmente via exportações de bens e aumento do turismo argentino. No primeiro semestre deste ano as exportações de bens para a Argentina foram equivalentes a 0,8% do PIB, uma alta de 0,3 pontos percentuais (p.p.) ante os 0,5% de igual período de 2024. Dados do governo brasileiro mostram que as exportações à Argentina continuaram crescendo de julho a setembro. Nesses três meses a venda aos argentinos cresceu 34,6% enquanto a exportação total brasileira subiu 4,7%.
Os cálculos das exportações brasileiras como proporção do PIB são de Francisco Pessoa Faria, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Paralelamente ao aumento das exportações aos argentinos, destaca ele, o fluxo de argentinos em busca de paisagens brasileiras se intensificou, aumentando o volume de dólares gastos em viagens no Brasil.
Ele estima que o turismo argentino trouxe no primeiro semestre deste ano o equivalente a 0,2% do PIB em gastos de viagens no Brasil. Em igual período de 2024 essas viagens trouxeram ao Brasil 0,08% do PIB. Os serviços exportados ao vizinho como um todo avançaram de 0,12% do PIB em 2024 para 0,25% do PIB em 2025, de janeiro a junho. Os cálculos foram feitos com base em dados do Indec, o instituto de estatísticas argentino.
Segundo o Indec, no primeiro semestre de 2025 o Brasil exportou US$ 2,69 bilhões em serviços aos argentinos, o dobro do US$ 1,33 bilhão de iguais meses de 2024. O valor foi puxado pelos gastos em viagens dos argentinos no Brasil. Foram US$ 2,14 bilhões em 2025 ante US$ 918 milhões em 2024. Em sentido inverso, a importação brasileira de serviços em 2025 somou US$ 869,7 milhões, com queda de 11,9% contra o ano passado. O superávit da balança de serviços em 2025 foi de US$ 1,82 bilhão a favor do Brasil, saldo bem superior aos US$ 337,3 milhões de 2024, sempre de janeiro a junho.
A ajuda tem sido bem-vinda para o Brasil, avaliam economistas, mas não se sabe até quando vai durar nessa magnitude. Mesmo com a ajuda dos Estados Unidos à Argentina com swap de US$ 20 bilhões e resultados amplamente favoráveis nas eleições de meio de mandato no último dia 26, o presidente argentino, Javier Milei, deve estabelecer medidas que podem afetar a economia de seu país.
Custo de 10 dias ou 15 dias numa praia na Argentina é mais caro que no Sul do Brasil”
O dinamismo econômico sob o governo Milei explica o aumento das exportações brasileiras neste ano, diz Gustavo Pérego, sócio da consultoria argentina Abeceb. “No ano passado a Argentina passou por processo de reconfiguração da economia. Tivemos queda da atividade forte no primeiro semestre, com início de recuperação no segundo semestre.”
A principal exportação do Brasil à Argentina, observa Pérego, é de automóveis e autopeças. O crescimento recente, diz, aconteceu porque no governo anterior os importadores argentinos não conseguiam comprar dólares e por isso as opções para compra de carros no mercado doméstico eram pequenas. Por falta de acesso ao dólar pelo câmbio oficial, os importadores acumularam valores a receber, explica. Havia ainda restrições, como licenças prévias, para a importação argentina.
Em 2024, diz, o governo argentino adotou medidas para regularizar essa situação com os importadores e houve também melhora na capacidade de consumo do argentino. “Quando essa situação dos importadores se estabiliza, a compra de carros e motos na Argentina dispara porque o consumidor argentino vinha de um período de no mínimo dois anos em que as vendas de carros foram baixas. E grande parte dos automóveis é fabricada no Brasil.”
Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic), a exportação brasileira aos argentinos somou US$ 14,2 bilhões de janeiro a setembro, com alta de 47,2% contra iguais meses de 2024. As importações somaram US$ 9,5 bilhões, com queda de 1,8%. O superávit a favor do Brasil foi US$ 4,7 bilhões em 2025 ante déficit de US$ 50,5 milhões em 2024 sempre nos mesmos nove meses.
Os manufaturados do setor de transportes dominam a exportação ao sócio do Mercosul. Dos embarques brasileiros aos argentinos, 21,9% são carros, que somaram US$ 3,1 bilhões de janeiro a setembro deste ano, mais que o dobro do US$ 1,4 bilhão em iguais meses de 20204. Parte e acessórios representam outros 9,7% das vendas à Argentina, além de 6,4% em automóveis de transporte de mercadorias e 5,5% em veículos rodoviários.
Pérego estima que o PIB argentino cresça 4% em 2025 após queda de 1,7% em 2024. “Isso reflete na demanda de carros dos argentinos e por isso o Brasil teve melhora das exportações.” Segundo o boletim do Relevamiento de Expectativas de Mercado (REM) – semelhante ao Focus do BC brasileiro -, divulgado pela autoridade monetária argentina, a expectativa média do conjunto de analistas é de alta de 3,9% no PIB argentino em 2025.
O nível de exportação de carros à Argentina, porém, diz, não deve continuar crescendo no mesmo ritmo. “Como havia demanda reprimida, houve venda extraordinária desde o fim de 2024 e decorrer deste ano. Essa demanda deve ser ajustada e ficar mais equilibrada.” Houve também, avalia, antecipação de compras.
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Para Pérego, a exportação brasileira de automóveis à Argentina também pode ser afetada pelos carros elétricos made in China, que atualmente importados pelos argentinos sem taxação. Os desembarques integram um programa específico que estabelece a importação de 50 mil unidades em 2025 e outros 50 mil no ano que vem, explica. A estimativa, diz, é de que dentro de três a quatro anos a Argentina tenha um parque de 200 mil carros elétricos. Além disso, é esperada uma desaceleração econômica da Argentina em 2026. A estimativa de Pérego é que o PIB argentino cresça 3% em 2026, 1 p.p. a menos que o estimado para 2025.
Faria, do FGV Ibre, destaca que uma mudança na demanda argentina tem impacto relevante para a indústria brasileira de automóveis. Estudo de sua autoria mostra que em 12 meses até junho deste ano a Argentina absorveu 8,6% do valor total exportado em bens da indústria de transformação brasileira. No total de embarques de veículos automotores, reboques e carrocerias, a fatia foi de 48,4%.
Para Ariane Benedito, economista-chefe do PicPay, o PIB argentino pode crescer até 5,4% ou 5,5% em 2025. “É um crescimento importante, mas a economia argentina segue ainda sensível.” Além da incerteza em relação ao câmbio, “que depende de como Milei irá executar seu plano”, diz ela, a inflação também é preocupação, já que a economia argentina está bem aquecida pelo consumo. “No cenário-base a questão é o quanto o pacote de tratamento de choque de Milei deve custar para a desaceleração da economia argentina.”
Além da incerteza, aponta, há uma perspectiva de desaceleração da economia global em 2026, quadro no qual o Brasil se insere. A estimativa da PicPay é que o PIB vai crescer 1,7% em 2026 após alta de 2,2% este ano. O que se pode dizer, por enquanto, diz Benedito, é que o Brasil tem posição geográfica favorável para ofertar produtos, principalmente do setor automotivo, à Argentina. E essa relação comercial, aponta, possibilitou ao Brasil, no decorrer de 2025, evitar a perda exportação, tanto em volume quanto em valores correntes, mesmo com o tarifaço americano.
O turismo argentino, diz Faria, do Ibre, também tem ajudado a dinamizar a economia brasileira. Dados da Embratur, órgão para promoção do turismo do governo federal, mostram que de janeiro a setembro chegaram 2,79 milhões de argentinos ao Brasil, quase o dobro do 1,47 milhão de mesmos meses de 2024. A fatia deles subiu de 30% para 39% dentre os turistas internacionais ao Brasil de 2024 a 2025, de janeiro a setembro.
“A invasão de turistas argentinos em 2025 aconteceu por causa do câmbio”, diz Faria. Ele lembra que houve em 2025 uma mudança na política de câmbio da Argentina. O país tinha controle cambial desde o fim de 2019, com forte restrição de acesso a dólares pela cotação oficial, o que deu origem a taxas de câmbio paralelas. Em abril de 2025 o governo argentino estabeleceu banda de câmbio flutuante, entre 1.000 a 1.400 pesos por dólar, com expansão de 1% a cada mês. Além da banda cambial, a Argentina também retirou as restrições para a compra de dólares.
A Argentina sempre teve um turismo emissor quando a moeda do país fica mais ou menos estável e o Brasil é o destino mais próximo, diz Pérego, da Abeceb. “Isso aconteceu no verão passado e o próximo também deverá ser assim. São dois fatores que estimulam o argentino a fazer turismo no Brasil. O primeiro é a praia com água quente. E o segundo é que o custo de 10 dias ou 15 dias numa praia na Argentina é mais caro que no Sul do Brasil”, diz. Ele explica que a comparação se aplica principalmente quando se fala do argentino que viaja de carro rumo a praias do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina.
Pérego ressalta, porém, que o Brasil ficou mais caro no decorrer de 2025, com a apreciação do real frente ao dólar, após alta da cotação da moeda americana ao fim do ano passado. Pelo conversor do BC, a cotação do dólar foi de US$ 5,38 em 31 de outubro, ante US$ 6,19 de 31 de dezembro do ano passado.
Roberto Dumas Damas, professor do Insper, avalia que, mesmo com o resultado vitorioso de Milei nas eleições de 26 de outubro, o país, diz, tem dívida externa muito alta e reservas muito baixas. As eleições, diz, dão um pouco mais de tempo ao presidente argentino, mas mesmo assim, aponta, o país precisa encaminhar mudanças. “A única saída deles seria aquilo que aconteceu com o Brasil em janeiro de 1999. Deixar uma flutuação cambial, mais um choque de juros, com meta de inflação e, além disso, aprovar no Congresso um Banco Central da República Argentina absolutamente independente.”
Fonte: Valor Econômico

