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Serra: Projeção de inflação e balanço de riscos assimétrico dá ideia do que BC vê como necessário para fazer seu trabalho — Foto: Rogerio Vieira/Valor
A aposta de que o Copom iria fazer o necessário para levar a inflação para a meta orientou, nos últimos 12 meses, as decisões de investimento da família de fundos Janeiro, da Itaú Asset Management, comandada pelo gestor e ex-diretor de política monetária do BC Bruno Serra Fernandes. Nesse sentido, a retomada do aperto monetário com um discurso firme, na quarta-feira, aponta que o ciclo de alta de juros deve ficar entre 2 pontos percentuais e 2,5, com a aceleração do ritmo já na próxima reunião do comitê do BC, avalia.
Em entrevista ao Valor, Serra vê a possibilidade de valorização do real no ambiente de um diferencial de juros crescente entre Brasil e Estados Unidos. A reação do mercado à decisão do Copom, segundo ele, indica que “é um sinal que estamos indo na direção certa”.
Ele, inclusive, já via a necessidade de uma postura mais conservadora da autoridade monetária e apostava nesse sentido em sua carteira, com posições tomadas (aposta na alta das taxas) em juros de curto prazo; aplicadas (aposta na queda das taxas) em juros longos; compradas em real; e vendidas em inflação “implícita”. No ano, o Itaú Janeiro tem rentabilidade de 97,30% do CDI, sendo boa parte fruto das apostas em juros no Brasil. Nos últimos 12 meses, a rentabilidade acumulada é de 123% do CDI.
Valor: O que achou da decisão e da comunicação do Copom?
Bruno Serra: A decisão foi perfeita, bem-vinda. Nosso time tinha uma cabeça de que o BC ia precisar, nesse período de transição [de comando], ter uma atitude conservadora. O processo de transição sempre gera um momento desafiador, vimos isso em outros períodos. E o ritmo de atividade é bem forte. O processo veio ocorrendo desde maio, quando o Copom reduziu o ritmo de corte [de juro]. De lá para cá, apesar de tudo, no fim o mercado entendeu claramente que era um início de ciclo com uma alta de 0,25 ponto percentual. Achei bem importante o BC não se prender a movimento [futuro da taxa de juro] e não fazer nenhuma menção a cautela, a gradualismo. O BC vai fazer o ciclo que tiver que ser feito para trazer a inflação para a meta. Obviamente, isso não vem sozinho. A projeção [de inflação] do BC está em 3,5%, mais um balanço de riscos assimétrico, o que dá uma ordem de magnitude do que o BC está vendo como necessário para fazer o trabalho. Isso nos leva a crer que é um ciclo que começou com 0,25 ponto e que os próximos passos tendem a ser de 0,5 ponto.
Valor: Na sua avaliação, qual é a magnitude do ciclo indicada pelas projeções e balanço de riscos?
Serra: O Focus tem [uma projeção de alta de juros] de 1 ponto, e [a projeção de inflação divulgada pelo Copom] dá 3,5%. Eles ainda estão vendo uma assimetria altista. Estamos falando de pelo menos 2 pontos, o mais provável alguma coisa em torno de 2,5 pontos. Agora, eles deixaram em aberto. A realidade pode se mostrar, eventualmente, um pouco mais que 2,5 pontos. Ou, se tiver um pouco de sorte, se a inflação surpreender para baixo, se a atividade desacelerar mais rápido, se o fiscal acabar sendo um pouco melhor, pode ser menos.
Valor: E ritmo?
Serra: 0,5 ponto. Se você faz um ciclo de 2 pontos a 2,5 pontos, não combina muito com passos de 0,25 ponto. Para o início, faz sentido. Natural começar mais cauteloso. Mas o ritmo de 0,5 ponto daqui para frente parece adequado.
Valor: O Copom deveria ter subido 0,5 ponto, já que emitiu uma mensagem bastante dura?
Serra: Não achei isso. O comunicado foi duro e projeta um ciclo duro. Não é um ciclo de 0,75 ponto ou 1 ponto, como o Focus está ventilando. A escolha por começar por 0,25 é natural. Eu prefiro a postura do BC, achei que foi mais adequada do que a do Fed. Disse que começa com 0,25 ponto e está claro que vai precisar acelerar. O Fed começa com 0,5 ponto e sinalizou que, daqui para frente, é mais provável que seja em um ritmo menor.
Valor: Essa alta de juros foi feita para a nova direção mostrar credibilidade ou porque as condições do cenário inflacionário exigiam?
Serra: Vou falar sobre como o fundo se posicionou ao longo desse [primeiro] ano de vida. Sempre tivemos a cabeça de que o BC ia precisar ser conservador ao longo do ciclo. A gente não tinha nenhuma exposição otimista ou pessimista. Em geral, a posição do fundo era tomada [aposta na alta] em juro curto no Brasil, aplicada [aposta na queda] na ponta longa, vendida em dólar e vendida em inflação implícita. Todas as posições se beneficiam de um BC mais austero e cauteloso. Achava natural que a transição exigiria uma política monetária mais conservadora. Mas o cenário evoluiu de uma forma que a gente não está mais discutindo credibilidade. Agora o debate é por que a economia está rodando acima da sua capacidade. A gente tem inflação corrente rodando acima da meta, perto do topo da banda, e expectativas de inflação desancoradas. Por qualquer vetor que você olhe, a política monetária tem que ser mais conservadora do que vinha sendo recentemente.
Valor: O BC errou então ao cortar a Selic a 10,5%?
Serra: Não acho. Iniciou um processo quando as condições pareciam ser adequadas para cortar. Ele ajustou a taxa de juros e apertou mais quando as condições viraram. Bancos centrais normais caem juros quando podem e sobem quando precisam. É bom que nosso BC seja um banco central normal. É ruim quando os agentes têm uma percepção de que o BC não vai fazer o necessário, por qualquer razão.
Valor: Este ciclo de alta de 2,5 pontos pode trazer as expectativas para mais perto da meta?
Serra: Ninguém tem dúvida que a política monetária está apertada, estamos falando de 7,5% de juro real. A questão é se ela é apertada o suficiente. É uma conjuntura que teve uma expansão de gasto primário bastante significativa, da ordem de dois dígitos acima da inflação. A gente tem um arcabouço fiscal aprovado que, ele sendo cumprido, entrega 2,5% de crescimento do gasto público em termos reais, contra um crescimento de dois dígitos que vigorou até agora. Daqui para frente, esse ritmo desacelera, e o BC faz uma política monetária mais apertada. Aí, sim, eu acho que esses 2 a 2,5 pontos de alta têm uma boa chance de fazer o trabalho.
Valor: O que levaria o BC a parar de subir o juro?
Serra: Ele vai seguir o próprio modelo e olhar a cada reunião. Atualizar o hiato, as expectativas de inflação, o câmbio e as outras variáveis explicativas do modelo.
Valor: O que pode ajudar?
Serra: Se tivermos um pouco de sorte com o ambiente externo, com o BC sendo mais duro, esperaria ver um câmbio mais valorizado. Além disso, parte do mercado ainda questionava se o BC subiria de fato a taxa de juros. Com o BC iniciando o ciclo, da forma decisiva como foi a comunicação, podemos ver efeitos nas expectativas de inflação. É preciso ver como essas variáveis vão evoluir. Em cima disso, a economia precisa desacelerar do ritmo atual, porque já não há tanta capacidade ociosa para continuar crescendo nesse ritmo.
Valor: Por que espera que o câmbio se valorize?
Serra: O diferencial de juros joga a favor. O Fed cortando e o nosso BC mostrando que vai atuar de forma diligente com a inflação é um cenário favorável. Será importante deixar para trás esse questionamento sobre se o BC vai fazer o necessário. Isso pesou no câmbio nos últimos seis meses.
Valor: A inflação “implícita” costuma ser um antecedente para o Focus. O que espera delas?
Serra: As implícitas são muito voláteis, muito ruidosas, mas, quando você filtra o que é ruído e o que é sinal, elas costumam dar a direção do Focus. Elas estão sugerindo, agora, que o Focus precisa subir. Quem está colocando dinheiro na mesa, os investidores que compram os títulos indexados à inflação, estão aceitando pagar uma inflação implícita que é de 5% ou mais, em vez dos 3,8% ou 4% do Focus. Esse é um mau sinal para o BC.
Valor: Isso pode mudar?
Serra: Esse conservadorismo de maio para cá – em maio cortando menos do que o mercado esperava, depois interrompendo o ciclo, depois falando duro e agora começando um ciclo de alta de forma contundente – vai na direção de mostrar para o mercado que o BC vai entregar as suas metas de inflação. Hoje [ontem] é um dia que o mercado reagiu muito bem. As implícitas nos títulos públicos estão caindo, o que é um bom sinal, o câmbio se valoriza mais que os pares. O juro curto sobe bastante, precificando um ciclo maior do que era a expectativa, mas a curva longa sobe menos. É um sinal de que estamos indo na direção certa.
Valor: Há risco de desaceleração forte? Qual é o risco de recessão?
Serra: Estamos bem longe de discutir uma recessão. O que estamos vendo, ainda, é a economia acelerar. O PIB ex-agro vem subindo em linha reta há vários trimestres. O primeiro corte do BC, em agosto do ano passado, vai fazer aniversário de 13 meses. O horizonte de política monetária é de 18 meses. Então ele ainda vai fazer seu efeito total na economia. Vemos um mercado de crédito e de capitais muito fortes. O único vetor de desaceleração que consigo imaginar para os próximos meses seria uma redução do crescimento do gasto. Não estamos em qualquer proximidade de discutir uma desaceleração forte do PIB.
Valor: Agora que o BC subiu juros, pode ser mais ativo em intervenções cambiais?
Serra: Não precisa, mas pode, se for necessário, estar mais livre para atuar em momentos pontuais. Como eu acreditava que a política monetária precisava estar mais apertada e que isso teve efeito no câmbio, um BC mais duro pode ancorar a moeda, e por isso estou mais otimista com o real. Agora, se tiver qualquer ruído ou volatilidade não usual, o BC pode agir.
Valor: O governo tirou um pouco da tensão ao indicar o Galípolo como presidente do BC. Deveria fazer a mesma coisa com a diretoria de política monetária?
Serra: É um caso diferente. Do presidente do BC, acho que a antecipação foi muito bem-vinda. Quando a gente discute a diretoria, não acho que tenha o mesmo grau de importância.
Valor: Há um perfil ideal para o escolhido?
Serra: O mercado sempre vai ler como adequado alguém que entenda de mesa de operações. Mas a equipe do BC é muito qualificada. No fim, eu acho que tem muita gente boa que pode assumir aquela cadeira, com a equipe toda embaixo, a pessoa consegue tocar facilmente.
Valor: Ao olhar o comunicado, parece que o BC deu um peso pequeno para a decisão do Fed. O BC não está subestimando o poder positivo que pode ter para o cenário?
Serra: O canal em que as decisões do Fed se transmitem para nós é o câmbio. O que vimos ontem [na quarta-feira] foi uma dinâmica em que a performance do real está muito mais ligada à decisão do nosso BC e não com a do Fed. O real foi muito melhor que os pares nos últimos dois dias. Eu não imaginaria que o BC fosse ter uma decisão dependente do que o Fed fizesse, de entrar na sala na dúvida se faria uma coisa ou outra dependendo do Fed… Existe uma institucionalidade no processo decisório, de olhar os modelos, atualizar variáveis, além da comunicação que antecede a reunião. Tudo isso sugeria uma decisão de início de ciclo duro. Não imaginaria que o Fed fizesse tanta diferença para a nossa reunião.
Valor: O Fed ter se antecipado não pode significar que o risco de uma recessão nos EUA é maior?
Serra: Economia é uma ciência interessante, em que a parte humana e comportamental é importante. Na nossa visão, até mais importante do que ele ter dado um corte de 0,5 ponto foi ele ter colocado na mesa essa possibilidade em Jackson Hole. Foi o ‘game changer’. Na hora em que ele fez isso, reduziu a probabilidade de recessão. O Fed está aumentando o grau de estímulo que já vigorava na economia americana. Pensando daqui em diante, se você continuar com o grau de estímulo que existe hoje na atividade americana, existe uma chance razoável da economia reacelerar de um nível que já é robusto de crescimento. E se não houver um aumento da oferta de trabalho e a economia acelerar, a taxa de desemprego vai cair e aí o ciclo de juros vai ter que ser desacelerado.
Fonte: Valor Econômico

