Por Lucas Ferraz — De São Paulo
24/11/2023 05h01 Atualizado há 28 minutos
Sem conseguir resolver o imbróglio da histórica dívida mineira quase cinco anos depois de assumir o cargo de governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) encontra-se numa encruzilhada na qual ele tem apenas uma opção: render-se à política, que ele tantas vezes negou.
As negociações dos últimos dias em Brasília para acertar a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ou uma alternativa a ele, proposta que ganhou mais força, mostraram o desprestígio do governador, acusado pelos adversários de alheamento em relação à dívida e à própria situação fiscal do Estado.
Eleito na onda antipolítica que marcou as eleições de 2018, e oriundo da iniciativa privada, o que sempre o fez louvar publicamente seus dotes de gestor, Romeu Zema é o único governador do Novo no país e agora tem a pecha de ser o responsável por aumentar a dívida de Minas em mais de R$ 50 bilhões sem ter pagado nenhuma parcela do devido – o crescimento deve-se exclusivamente aos juros.
Sem uma negociação da dívida com a União – estimada em R$ 159 bilhões – até o dia 20 de dezembro, prazo estipulado por decisão judicial no ano passado, o Estado pode entrar em colapso financeiro, não tendo recursos para pagar os cerca de 350 mil funcionários públicos.
Sem conseguir levar à frente o próprio plano de renegociação da dívida, que incluía o congelamento do aumento nos salários dos servidores e a privatização de pelo menos três empresas estatais, o governo Zema deu sinais de que concorda com um projeto patrocinado por outros políticos mineiros, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que aproveitou o vácuo deixado pelo governador e tornou-se um dos artífices da negociação.
Sem alternativa, Zema concordou com o plano levado por Pacheco ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O projeto, apresentado originalmente em março deste ano pelo deputado estadual Cleiton Oliveira (PV), prevê a federalização de estatais como Cemig (de energia), Copasa (de saneamento básico) e Codemig (cuida do desenvolvimento econômico e é responsável pela extração de nióbio) para compensar a dívida mineira – não está claro ainda os valores e quanto do devido seria abatido.
“Somos o devedor, não temos alternativa”, afirmou ao Valor o vice-governador de Minas, Mateus Simões (Novo), ressaltando que não há “constrangimento” por parte do Executivo mineiro em assumir o plano do presidente do Senado. “O governador não se importa com isso. Para a gente, número é número”.
Tratar a dívida de forma técnica, aliás, é uma das principais críticas dos adversários e foi inclusive reverberada pelo presidente Lula nesta semana, ao dizer que Zema não esteve em nenhum encontro com o governo federal para tratar da dívida.
“Desde quando o governo foi empossado, em 2019, ficou claro que sem resolver a dívida, o governo teria problemas e ficaria imobilizado”, afirmou ao Valor o ex-vice-governador Paulo Brant, que foi parceiro de Zema durante o primeiro mandato.
Eles atualmente estão rompidos. “A coisa foi sendo postergada e ele acabou perdendo a chance”, completou Brant, citando inclusive oportunidades perdidas por Zema de renegociar a dívida durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), com quem o governador mineiro tinha boas relações e afinidades.
Zema também falhou ao aprovar o projeto de renegociação no Legislativo mineiro, em parte por causa da difícil relação com os deputados estaduais, por ele negligenciada. Da parte do Executivo mineiro, contudo, a queixa vai na direção do que é classificado de “omissão legislativa” dos deputados estaduais.
“A dívida é o problema mais grave que Minas enfrenta, que ficava à margem, abafado pela máquina publicitária enquanto o endividamento explodia. Não vamos resolver o endividamento fora da política”, afirmou o ex-deputado estadual Sávio Souza Cruz.
A questão fiscal em Minas tem raízes históricas que suscita episódios como a moratória decretada por Itamar Franco em 1999, logo após assumir o governo estadual, o que gerou um embate ruidoso com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, seu ex-aliado. Souza Cruz foi um dos secretários de Itamar e participou do episódio.
Cacifando-se politicamente para uma possível disputa em Minas Gerais, Rodrigo Pacheco encaminhou nesta semana à Presidência da República um ofício em que critica o RRF apresentado pelo governo Zema ao Legislativo mineiro e apresenta a federalização dos ativos do Estado como uma alternativa. “A proposta não constitui uma solução para Minas, nem uma solução para a União receber seu crédito”, afirma o presidente do Senado, mencionando que o plano, além das privatizações, prevê a suspensão do pagamento da dívida por até nove anos.
“Embora constitua alívio para as contas públicas num primeiro momento, significará, no final das contas, o aumento considerável da dívida, que poderá chegar ao patamar de R$ 210 bilhões”, ressaltou Pacheco.
Ao decidir apoiar o plano de Pacheco, Zema acabou contrariando o próprio plano apresentado à Assembleia Legislativa. Apesar do constrangimento, reconhecido até pelos aliados, o governador de Minas respondeu às críticas mineiramente: “Se resolver, está bom”.
Fonte: Valor Econômico

