Por Victor Rezende — De São Paulo
27/10/2022 05h01 Atualizado há 4 horas
Com uma comunicação levemente mais dura do que a anterior, o Banco Central sinaliza um cuidado maior, especialmente ao falar da sensibilidade do mercado aos fundamentos fiscais. A visão é do economista-chefe da Kapitalo Investimentos, Alfredo Binnie, para quem a discussão sobre cortes na Selic é “prematura”.
Ao Valor, Binnie revela que a gestora tem uma visão mais cautelosa com a inflação. A Kapitalo espera que o IPCA encerre este ano em 5,5% e que fique em 5,1% em 2023 e em 4,1% em 2024 – níveis superiores aos projetados pelo BC. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Valor: Como vocês viram a comunicação adotada pelo Copom?
Alfredo Binnie: A decisão foi telegrafada desde o último comunicado. E acredito que, como o Copom parou de subir a Selic, o mercado de juros já enxerga uma queda relativamente rápido, mas o BC não dá muito sinais disso. No comunicado, foi colocada de novo a indicação de que ele irá avaliar a estratégia de manter os juros parados por tempo suficientemente prolongado e o BC manteve até mesmo a porta aberta para retomar o ciclo, o que é improvável. No fim, era esperado que, nesta reunião, a avaliação não mudasse muito.
Valor: Houve uma mudança no tom da comunicação do Copom?
Binnie: Achamos o comunicado levemente mais “hawkish” (conservador), mas não foi algo tão significativo. O Copom falou do cenário externo de maneira mais preocupada. Parece ter sido inspirado, de maneira não direta, pelo que aconteceu no Reino Unido, ao citar a sensibilidade do mercado aos fundamentos fiscais. E o Brasil não tem fundamentos fiscais muito sólidos… Isso, a princípio, sinaliza maior cuidado do Copom e vai na direção de ser um pouco mais hawkish.
Brasil não tem fundamentos fiscais muito sólidos, e comunicado cita de modo indireto sensibilidade do mercado a isso”
Valor: As projeções de inflação do Copom também subiram…
Binnie: Essa alta foi até um pouco além da nossa expectativa. E, quando olhamos com detalhes a projeção do Copom de inflação de preços livres, achamos muito baixa, em torno de 3% em 2023. A nossa projeção está em 4,4%. Foi o ponto que nós achamos mais curioso das projeções dele. Outra forma de ver esse otimismo implícito nas projeções de inflação é olhar para o IPCA de 2024, que está em 2,9%, 0,6 ponto abaixo do Focus.
Valor: O Copom tem adotado esse tom mais duro, mas há algumas discussões sobre cortes de juros já no início de 2023. Como vocês têm visto esse movimento?
Binnie: É uma discussão prematura. Com a inflação corrente ainda alta, expectativas inflacionárias também altas e sem poder contar com o câmbio, o que sobra para realizar a desinflação é o hiato do produto, só que até agora nós não vimos isso acontecer. Estamos vendo, ainda, o hiato do produto apertando, o desemprego caindo, o nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) subindo… O Caged está em desaceleração, mas ainda está em ritmo de crescimento, o que é incompatível com uma desinflação. Primeiro temos que ver o canal do hiato funcionando e, hoje, temos poucas evidências disso.
Valor: Parte do mercado ainda vê chances de o ciclo de cortes na Selic começar já no início de 2023…
Binnie: Talvez o BC devesse explicitar melhor que esse ciclo de queda de juros só irá começar quando o canal do hiato do produto estiver funcionando com mais clareza. No entanto, a comunicação dele fica até um pouco confusa, porque o Copom fala em até poder retomar o ciclo de alta de juros, só que as projeções de inflação são muito baixas. Quando ele mostra que espera o IPCA de 2024 abaixo da meta, o mercado interpreta isso como um sinal de que ele deve cortar os juros logo, até porque, no início do ano que vem, o ano de 2024 já vai ser o principal no horizonte relevante. É isso o que gera essa precificação do mercado para baixo. De certa forma, é até contraproducente ver a curva de juros desinclinada.
Valor: Na terça-feira, o IPCA-15 de outubro mostrou algum alívio na inflação de serviços. Esse pode ser um sinal importante no cenário de desinflação à frente?
Binnie: Temos uma visão mais cautelosa. Não vemos hiato do produto e temos o desemprego caindo e o Caged mostrando expansão. Houve um movimento significativo [no IPCA-15], mas não espero um sinal de alívio na inflação de serviços. Foi uma divulgação, a nosso ver, bem positiva para a inflação, já que algumas métricas, em que nós olhamos a inflação cíclica, caíram bastante. Se isso se repetir nas próximas leituras, pode ser, sim, que tenha alguma coisa errada com a nossa avaliação sobre o hiato, mas não é o que vejo no momento.
Valor: Uma das alterações feitas pelo Copom no comunicado foi em relação à visão sobre o desempenho da atividade econômica…
Binnie: Ele reconhece um ritmo mais moderado da atividade, mas acho justo. Alguns sinais do mercado de crédito já mostram uma desaceleração. Vemos isso também no Caged, mas o nível ainda é muito forte. Em 2016, o Caged estava significativamente negativo 20 meses antes do início do ciclo de cortes e, agora, ele está indicando criação de postos e já estamos falando em corte de juros… A mudança no comunicado em relação à atividade não quer dizer muita coisa. Para este ano, esperamos um crescimento de 3%, que desaceleraria para 0,5% em 2023.
Valor: O BC também demonstrou preocupação com a situação fiscal? Também é uma das preocupações de vocês ao se olhar para 2023?
Binnie: Nós até estávamos relativamente otimistas com a situação fiscal no início do ano, principalmente com a arrecadação, mas, ao longo do ano, vimos medidas enormes de expansão fiscal, com o valor do Auxílio Brasil e a redução dos impostos. Isso nos coloca com ritmo anualizado de despesa de cerca de 3,5% do PIB acima do que nós já tínhamos. De qualquer forma, o nível do ajuste que o Brasil precisaria fazer depois da eleição, que já era grande, ficou maior e todas as propostas objetivas dos candidatos vão no sentido de manter as despesas novas ou de aumentar.
Fonte: Valor Econômico

