Bernd Lange, presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, diz que cláusulas ambientais é algo a se construir em conjunto
Por Marcelo Osakabe — De São Paulo
18/05/2023 05h01 Atualizado há 8 horas
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Bernd Lange: “Comparada à China, a União Europeia é um aliado confiável e que trata seus parceiros em maior pé de igualdade” — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Apesar das novas exigências europeias para ratificar o acordo entre União Europeia e Mercosul terem assustado o Brasil e seus vizinhos, existe otimismo de que o acordo seja finalizado ainda este ano. A avaliação é do eurodeputado alemão Bernd Lange, presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu.
Em sua avaliação, os retrocessos ambientais da gestão do presidente Jair Bolsonaro impediram que um acordo fosse assinado antes. No entanto, outras coisas mudaram no contexto global desde 2019 e também precisam ser levadas em consideração, diz, citando a guerra na Ucrânia e o retrocesso da abertura comercial globalização.
Em um mundo mais fragmentado, diz o político alemão, é preciso estreitar os laços de confiança com seus parceiros, e esta é uma motivação adicional para a finalização do acordo.
Lange notou também que o protocolo adicional “não é uma imposição da UE”, mas algo que será construído conjuntamente. Ele também acenou com alguma flexibilização por parte dos europeus em temas como as compras governamentais, área do acordo que o governo brasileiro se mostrou interessado em mudar.
Na presidência da Comissão do Comércio Internacional (INTA) do Parlamento Europeu desde 2014, Lange é especialista nas negociações entre o bloco europeu e o sul-americano.
No Brasil desde segunda-feira, o alemão se reuniu com o presidente em exercício e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e com o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. De passagem em São Paulo antes de seguir para o Uruguai, ele também se reuniu com o secretário de Negócios Internacionais do governo paulista, Lucas Ferraz, e participou de um almoço na Fiesp.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual a sua impressão sobre o novo governo?
Bernd Lange: O novo governo tem um abordagem bastante diferente em relação ao anterior, especialmente em relação a justiça social e combate à pobreza e à fome. Em relação ao meio ambiente e às mudanças climáticas, o Brasil terá um papel importante com a Amazônia e as metas de desmatamento zero. Assim, quando se trata de conteúdo e comprometimento, a avaliação é bastante positiva. Mas ainda é preciso ver isso se transformar em ações concretas.
Valor: Após a vitória de Lula, houve declarações de ambos os lados sobre acelerar o processo de ratificação do acordo. No entanto, o Brasil e outros países do Mercosul se surpreenderam com as novas exigências europeias. A mudança de governo não foi positiva o suficiente?
Lange: Primeiro, acredito que foi correto a UE não ratificar o acordo com o governo anterior, porque era claro que obrigações previstas estavam sendo descumpridas, como o manejo sustentável das florestas e a reforma trabalhista no Brasil, que claramente fere a convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [que garante o direito à sindicalização e à negociação coletiva]. Não havia chance de ratificação. Desde a eleição de Lula olhamos novamente para o documento e é preciso notar que as coisas mudaram nesses quatro anos. Teve a guerra da Rússia contra a Ucrânia, a pandemia, e também um entendimento um pouco mais claro sobre o que os europeus querem em relação à soberania e à segurança nacional. São temas que influenciam na abertura comercial. Além disso, estamos fortemente comprometidos, dentro da UE, em implementar a sustentabilidade dentro dos nossos acordos comerciais. É isso que nos levou a propor um protocolo adicional. Vemos ele como uma espécie de sintonia fina, especialmente dedicada à implementação. Já fizemos protocolos do tipo com outros parceiros comerciais, então a mensagem é que isto é algo que será construído em parceria, não é uma situação do tipo “pegar ou largar”.
“Na conjuntura geopolítica, de globalização fragmentada, é importante que os parceiros fortaleçam seus elos”
Valor: Acredita ser possível assinar o acordo ainda este ano?
Lange: Na atual conjuntura geopolítica, de globalização fragmentada, é importante que os parceiros fortaleçam seus elos. Existe alguma pressão [pelo acordo] quando se olha este cenário. Ao mesmo tempo, esse protocolo adicional começou a ser discutido apenas em março, uma vez que o novo governo precisava de tempo para se organizar. Em junho, teremos uma nova rodada de negociações abertas para discutir este assunto. Acredito que ele deva ser finalizado neste ano, para termos uma perspectiva mais clara sobre o processo de ratificação. Novamente, estes protocolos não são a UE apontando o dedo em direção ao Brasil ou seus vizinhos. Em minhas conversas aqui, fiquei com a impressão de que existe um ruído sobre este assunto. São essas questões que vamos discutir, mas a ideia é fechar este ano.
Valor: O senhor falou em construção conjunta. O presidente Lula também expressou seu desejo em modificar o capítulo sobre compras governamentais. Acredita que esse tema possa ser revisto?
Lange: Temos que olhar os diferentes interesses em ambos os lados. Com base em nossa experiência nos últimos anos, uma lição que fica é que a ilusão de um comércio livre global não existe mais. O pensamento liberal de que a abertura dos mercados e a queda de tarifas resultariam automaticamente no cumprimento das metas de desenvolvimento sustentável acabou. Apenas durante pandemia, vimos muitas ações protecionistas sendo questionadas na Organização Mundial do Comércio (OMC), mais de 150 foram notificadas e colocadas sob investigação. É um sinal dessa globalização mais fragmentada. É um interesse legítimo procurar elementos para assegurar as necessidades da população. Em relação ao fornecimento de medicamentos e aparelhos médicos, por exemplo, pode ser útil ter um mecanismo de implementação específico para estes itens nas compras governamentais. Na Europa, também discutimos que bens podem ser considerados estratégicos para a autonomia da região. Não queremos ficar dependentes, em áreas sensíveis, de apenas um país no mundo. São questões que podem aparecer nesse âmbito. Não significa que vamos abrir a discussão de princípios, mas que poderemos fazer alguns compromissos em relação a procedimentos e produtos específicos.
Valor: As recentes declarações de Lula sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia foram alvo de muitas críticas. Acredita que elas podem endurecer a oposição ao acordo entre europeus?
Lange: Não. Vamos lembrar que este acordo não é apenas sobre comércio, é também sobre sustentabilidade. Ele precisa ser benéfico para a população como um todo. Não acredito que opiniões ligeiramente diferentes sobre a agressão russa à Ucrânia vão prejudicar o processo.
Valor: Além do acordo comercial, o que mais esteve na pauta com as autoridades brasileiras?
Lange: A situação sobre a geopolítica global, incluindo a guerra na Ucrânia. Discutimos também o comércio global, o que nos leva à relação da China e com o Brasil. A fatia do comércio da UE caiu de 24% para 15% nos últimos anos, enquanto a China passou de 2,5% para 20%. Existe logicamente o elo claro das commodities, mas também questões relacionadas à formação do Brics. Para nós, a China é um parceiro em determinadas áreas e um competidor em outras, com posturas controversas em algumas de suas políticas. Comparada à China, a UE é um aliado confiável e que trata seus parceiros em maior pé de igualdade.
Valor: A troca de importância relativa entre China e União Europeia é levada em consideração negociação desse acordo?
Lange: Vou responder olhando de outro ângulo. A UE é altamente dependente de exportações – cerca de um terço de nosso PIB. Quando olhamos para essa globalização mais fragmentada, quais são as consequências? Alguns pensam que é possível trazer as empresas europeias de volta ao continente. Acho que isso é uma ilusão, pois elevaria nossos custos e a nossa inflação, sendo que dependemos das exportações. Mesmo em áreas sensíveis do ponto de vista da segurança nacional, não estou completamente convencido. Acredito que o objetivo precisa ser tornar as nossas cadeias de suprimentos mais resilientes, o que demanda parceiros confiáveis. No momento, temos 45 acordos comerciais em todo o mundo que nos permite fazer esse tipo de negociação e essa também é uma de motivação extra para finalizar o acordo com o Mercosul.
Valor: Que oportunidades os europeus enxergam ou gostariam de enxergar no Brasil?
Lange: Com a assinatura do acordo, certamente haverá mais investimentos aqui. Existem estimativas que de que o investimento europeu no Brasil possa crescer dez pontos percentuais depois que ele entrar em vigor. Isso certamente ajudaria a modernizar o parque industrial brasileiro, que tem muitas assimetrias de competitividade com o europeu e também está encolhendo. Em relação à transição verde, temos trabalhado em obrigações específicas com nossos parceiros. No caso do hidrogênio verde, por exemplo, o nosso acordo com o Chile prevê o acesso à produção de lítio, mas também investimentos no processamento do mineral no próprio país.
Fonte: Valor Econômico