Parece não haver dúvidas sobre a importância da saúde mental no ambiente corporativo – pelo menos entre os profissionais de recursos humanos. Uma pesquisa realizada em setembro de 2024 pelo Infojobs, empresa de tecnologia para RH, e obtida pelo Valor mostra que 99% desses profissionais acreditam que o tema deve ser uma preocupação das empresas.
Mas neste Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado em 10 de outubro, fica um alerta: implementar ações que endereçam o assunto não tem sido tão simples assim. Ao observar a realidade das organizações, de acordo com os respondentes da pesquisa, menos da metade (46%) delas implementam ações efetivas de saúde mental voltadas aos funcionários. A pesquisa ouviu 275 pessoas, entre homens e mulheres, de 17 a 60 anos.
Para Hosana Azevedo, head de recursos humanos do Infojobs, promover a saúde mental não é apenas uma questão de compliance, mas um ato de empatia. “É fundamental que as empresas se comprometam a implementar iniciativas concretas que demonstrem cuidado genuíno pelos seus colaboradores”, diz.
O estudo mostra, ainda, um aumento no número de empresas que investem em programas voltados para a felicidade e satisfação no trabalho: houve um crescimento de 34% em 2023 para 58% este ano.
No entanto, há uma lacuna significativa na abordagem do estresse e da sobrecarga – apenas 28% afirmam ter políticas voltadas ao tema.
Azevedo pontua que a questão do estresse e da sobrecarga nas empresas é um daqueles temas que muitos preferem evitar, “porque lidar com o assunto significa ir além de políticas superficiais e entrar no cerne da cultura organizacional”.
Para muitas organizações, isso implica questionar antigos modelos de produtividade que valorizam o “sempre disponível” e o “trabalhar até o limite”. “É um desafio repensar estruturas de trabalho, equilibrar demandas e permitir uma gestão mais humanizada, porque isso interfere diretamente em KPIs, prazos e metas”, comenta Azevedo. “Esse movimento, inevitavelmente, toca em um ponto sensível: a gestão de pessoas.”
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/n/2/Bx8nlkRO6i092dyGCHnQ/priscilla-du-preez-7s3bir6hatu-unsplash.jpg)
Ela acredita que a resistência também reside no medo de que a implementação dessas políticas revele um problema mais profundo. “Uma vez que você abre esse diálogo, é difícil ignorar a necessidade de mudanças mais amplas no estilo de liderança e no design de trabalho”, detalha. “Isso vai além de oferecer um programa de mindfulness ou uma folga ocasional. Estamos falando de uma revisão na forma como as pessoas são vistas e como a performance é mensurada. O problema não é a complexidade do tema, mas a disposição para encarar o desconforto de uma mudança estrutural e cultural.”
No entanto, na visão dela, é justamente essa mudança que pode impulsionar uma empresa para a frente, permitindo que ela seja mais adaptável, inovadora e, acima de tudo, humana. “E isso tem um impacto direto nos resultados, porque colaboradores saudáveis e equilibrados performam melhor e se mantêm mais engajados”, explica. “É hora de parar de enxergar o estresse e a sobrecarga como um problema de difícil abordagem e começar a tratá-los como uma oportunidade de reinventar a gestão, para o bem de todos.”
Renata Rivetti, consultora em felicidade corporativa e fundadora da Reconnect – Happiness at Work, diz que tem visto uma maior conscientização nas empresas em relação aos temas de saúde mental e bem-estar, porém, ainda não há mudanças significativas sendo implantadas. “Normalmente, se investe muito em programas de bem-estar e benefícios que apoiem a saúde mental e bem-estar, porém, apesar de serem benéficos, não tratam a causa raiz do problema, que é o ambiente tóxico, a falta de segurança psicológica e a sobrecarga”, explica.
A especialista lista como é possível implementar mudanças mais estruturais, o que requer uma revisão do modelo atual de trabalho e análise da sobrecarga atual.
O primeiro passo, segundo Rivetti, é identificar quais são os ofensores na produtividade: muitas reuniões, comunicação falha, mau uso da tecnologia, distrações, etc. Com isso, trabalhar em redesenhar o trabalho, incluindo algumas ferramentas, como por exemplo:
Ela cita, ainda, dois outros aspectos:
Rivetti finaliza dizendo que o grande desafio é entender que o modelo atual é insustentável, não somente porque as pessoas estão adoecendo, mas porque estão desmotivadas e as empresas apresentam grandes desafios em eficiência, produtividade, turnover e absenteísmo. “A partir dessa mudança de mentalidade poderemos implantar novos modelos de trabalho, mais flexíveis, humanos, saudáveis e produtivos”, afirma. “Não é porque sempre foi assim que devemos continuar da mesma forma. O mundo mudou, a pandemia nos fez refletir sobre a brevidade da vida, as novas gerações têm novos valores, a inteligência artificial tem evoluído de forma exponencial, então por que seguir como sempre fizemos? É possível ser bom para as pessoas, para as empresas e para a sociedade, mas é preciso passar por renúncias e mudanças.”
Fonte: Valor Econômico