O risco de o Banco Central (BC) ser forçado a voltar a elevar a Selic entrou de vez no radar dos participantes do mercado. O estresse no mercado câmbio, que levou o dólar a R$ 5,70 na terça-feira, provocou uma deterioração das expectativas dos agentes quanto à dinâmica inflacionária, o que já começa a gerar algum desconforto mesmo para aqueles que projetavam a taxa básica de juros parada em 10,5% por um longo período.
No fechamento dos negócios de ontem, a curva de juros precificava cerca de 1 ponto percentual de elevação na Selic até o fim deste ano, na medida em que a depreciação do real fez as taxas futuras de curto prazo subirem de forma bastante expressiva.
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“Desde a decisão do Copom, tivemos uma piora grande de prêmio de risco, que muito provavelmente vai bater nas expectativas de inflação. O câmbio pode até ‘voltar’ um pouco mais, mas as expectativas vão continuar piorando. E isso se torna quase um caso de livro-texto”, diz o economista-chefe da XP Asset Management, Fernando Genta, ao defender seu cenário base, que passou a contemplar uma retomada das elevações na Selic a partir de setembro, com quatro altas consecutivas de 0,25 ponto percentual nos juros.
“As expectativas estão se distanciando cada vez mais da meta, as projeções do Copom irão piorar e, honestamente, dado o crescimento da despesa obrigatória, é muito difícil pensar em um balanço de riscos simétrico”, afirma. Na reunião do fim de julho, o economista acredita que o Copom irá mudar a simetria do balanço de riscos para, em setembro, voltar a apertar a política monetária.
Genta acredita, ainda, que as decisões para elevações na Selic serão tomadas de forma unânime no colegiado e vê, inclusive, uma alta de 0,25 ponto no juro básico na primeira reunião de 2025, já com o BC sob novo comando. “Depois do dissenso de maio e com todas as declarações do presidente Lula e, agora, com os balões de ensaio sobre as mudanças na autonomia, acho que o próximo presidente do BC precisará de algum gesto que consolide a credibilidade, seja ele quem for. E, se for alguém que já está na diretoria, facilitaria o trabalho”, afirma o economista.
Para Genta, o mercado e o BC devem esperar um pouco mais para ter mais informações sobre a política fiscal “e, quando chegar setembro, já vai ter dado tempo para o BC ter dado um primeiro passo de piorar o balanço de riscos e preparar para, com o conjunto de dados, iniciar um ciclo de alta”. No cenário da XP Asset, após as quatro altas na Selic a partir de setembro, o Copom poderia, eventualmente, discutir cortes de juros no segundo semestre do próximo ano, caso o ciclo seja suficiente para uma reancoragem das expectativas inflacionárias.
O economista, porém, observa que, caso fique claro para o mercado que o arcabouço fiscal pode ter uma vida mais longa, uma compressão de prêmios de risco se materializaria nos ativos financeiros, o que permitiria ao BC deixar o juro parado em 10,5% — o cenário alternativo trabalhado pela XP Asset.
Mesmo antes da reunião do Copom de junho, algumas casas, como JGP, Reag Investimentos e Apex Capital, já começavam a trabalhar com a possibilidade de retomada de um ciclo de aperto monetário, mas somente em 2025.
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A piora relevante do câmbio, porém, trouxe essa expectativa de vez para o radar dos agentes de mercado. Na avaliação do economista-chefe do PicPay, Marco Antonio Caruso, o movimento na curva de juros, que parecia excessivo com uma forte alta das taxas curtas, “talvez já não pareça tão loucura assim”.
Nos cálculos de Caruso, no cenário de referência do Copom, a projeção de inflação subiria de 3,4% para 3,6%, com o dólar a R$ 5,55, nível próximo ao do fechamento de ontem. Já no cenário alternativo, em que a Selic ficaria parada em 10,5%, a estimativa para o IPCA de 2025 passaria de 3,1% para 3,4%.
“Até o cenário alternativo perde efeito após essa piora toda. De certa forma, essa desvalorização do real tira o impacto desse cenário. E, com o dólar a R$ 5,70, nem mesmo o cenário alternativo se sustentaria, a não ser que o BC desista de 2025. Com o nível atual do câmbio, o cenário pede juros mais altos. A grande variável, certamente é o câmbio. Se nada acontecer, fica difícil imaginar alguma justificativa que o BC possa usar que não soe política para não precisar elevar a Selic. Se o câmbio continuar desse jeito, não vejo muitas alternativas”, diz Caruso.
Para ele, os próximos passos estão condicionados à política fiscal, com o relatório bimestral de receitas e despesas, em 22 de julho, como o principal evento à frente. “Uma moderação do tom [do governo] já ajuda, mas é preciso também alguma contenção das despesas. É preciso algo mais concreto.”
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De acordo com o economista-chefe da Asset 1, Luis Cezario, o cenário tem ficado cada vez mais complexo, diante do aumento das projeções de inflação do BC com a nova rodada de depreciação do câmbio. “É preciso entender qual o tamanho do desvio dessas projeções que o Copom vai aceitar até ter que reagir para que o problema não se torne maior”, afirma.
Segundo Cezario, o cenário base ainda é de manutenção da Selic estável em 10,5%. Mas o cenário alternativo, no qual o Copom é obrigado a retomar as altas de juros, vem se tornando mais provável. “O cenário alternativo mais provável é que, caso o dólar continue essa trajetória, ultrapassando os R$ 5,80 e caminhando em direção aos R$ 6, é de o BC reagir subindo juros. Nesse contexto, o cenário de alta de juros já parece mais provável que o de corte”, aponta o economista.
Cezario pondera, contudo, que todo o cenário está condicionado à política fiscal. “Se o governo tiver uma atitude austera e surpreender com um corte de gastos discricionários em um volume visto como suficiente, essa pressão sobre o câmbio pode retroceder”, afirma.
O economista também nota que o BC tem emitido preferência por tentar ganhar tempo, enquanto as incertezas não são reduzidas. “Ele está vendo a curva de juros precificar uma alta considerável até o fim do ano. Eu acho que ele deixou claro que o cenário de manutenção é o mais provável. O câmbio é uma variável volátil e, com o cenário de inflação corrente atual, eles não devem estar vendo necessidade de uma alta tão rápida dos juros”, afirma Cezario.
Na terça-feira, inclusive, ao participar de evento em Sintra, Portugal, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, se disse confiante de que a inflação futura será menor do que os níveis que têm sido precificados pelo mercado.
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O estrategista-chefe da BGC Liquidez, Daniel Cunha, chama atenção para a quantidade de incertezas que uma retomada de um ciclo de aperto pela autoridade monetária poderia acrescentar a um cenário econômico já bastante turbulento.
“Seria um choque adicional de incerteza enorme, mesmo considerando os níveis de volatilidade atuais e os preços que os ativos locais são negociados. O BC voltar a subir juros traria pontos de interrogação nada desprezíveis. Seria uma alta da Selic unânime com o colegiado coeso? Os novos diretores votariam por uma elevação? Teríamos um placar divergente semelhante ao que gerou tamanho ruído há duas reuniões? Como essa alta reverberação no ambiente político já turbulento para o BC? Que reflexos isso teria para a sucessão do Campos Neto? Seria um evento extremamente complicado.”
Apesar das dúvidas de que uma alta de juros provocaria, Cunha concorda que a depreciação cambial tem tornado o cenário mais provável. “Se a decisão fosse hoje, acho que o Copom precisaria se abrir para a possibilidade de retomar a elevação da Selic. E ele deveria fazer isso, em um primeiro momento, tornando o balanço de riscos assimétrico”, diz.
Fonte: Valor Econômico

