![Gabriel Leal de Barros: “[Alta da Selic de 0,5 ponto] seria um choque de credibilidade” — Foto: Leo Pinheiro/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/K2nV5P3kd_pVSgk_ETku-ieYOyY=/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/e/5/pFy5nPSjirYhPbrnqzcQ/foto26fin-201-arx-c1.jpg)
Não foi com surpresa que o economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, viu a sinalização do Federal Reserve (Fed) para um início de ciclo de cortes de juros nos EUA no próximo mês. Antes mesmo da participação do presidente do Fed, Jerome Powell, em Jackson Hole, o economista já mostrava cautela com a atividade econômica americana, o que se traduz em seu cenário base de aceleração do ritmo de flexibilização do Fed mais adiante, com consequências para o Brasil, como um aperto monetário limitado, em que a Selic deve subir a 11% e ficar parada.
“O Fed errou lá atrás e alimentou uma espiral inflacionária. Powell teve que encarnar o [ex-presidente do Fed] Paul Volcker para tentar corrigir o diagnóstico. E, como erraram lá atrás, reconheceram e corrigiram e, agora, vão tentar não errar de novo e, assim, vão cortar os juros devagar”, avalia o economista, que espera, assim, um início de ciclo de flexibilização monetária nos EUA com uma redução de 0,25 ponto nas taxas. O problema, contudo, reside em um novo erro na avaliação dos indicadores econômicos, aponta Leal.
“Estão olhando os dados coincidentes, que não vão antecipar o que acontecerá com a economia. Esses dados só vão mostrar quando o leite estiver derramando. E, como o Fed está dependente de dados, vão esperar o dado, de fato, vir fraco para reagir”, afirma. E a repercussão na condução da política monetária é clara: por agir tarde demais, e com o mercado de trabalho sendo a última etapa a ser afetada pelos juros, se o Fed esperar um esfriamento maior no emprego “pode ser tarde demais”.
Ao longo da semana passada, poucos indicadores econômicos foram expostos e a divulgação que mais repercutiu no mercado foi a revisão nos números do mercado de trabalho americano, que mostrou 818 mil empregos a menos no período de abril de 2023 a março de 2024, a maior desde 2009. “E, se desconsiderarmos a revisão para cima de saúde, educação e governo, a revisão baixista teria sido ainda pior, de 906 mil empregos a menos”, observa. “Foi enorme.”
É justamente ao fazer uma análise “bottom-up” (de baixo para cima) do mercado de trabalho americano que Leal se mostra preocupado com o fôlego da economia e diz acreditar que o Fed terá de acelerar o ritmo de corte até o fim do ano. Ele nota que há volatilidade elevada nos dados econômicos, com revisões expressivas ao longo do tempo, e observa que são só os setores de saúde, educação e governo os responsáveis pela geração de empregos mais forte. “Sem eles, o desaquecimento é acentuado.”
“Estamos cada vez mais céticos e mais preocupados com uma desaceleração mais intensa da economia americana. Isso não quer dizer que a economia vai entrar em uma recessão agora, até porque, se o Fed cortar os juros em 0,5 ponto, atuaria de forma anticíclica Mas a perda de fôlego é tão grande que, se nada for feito, há uma probabilidade relevante de a economia entrar em recessão”, diz. Ele nota ainda que mesmo pontos fortes, como o consumo resiliente demonstrado nas vendas no varejo, podem emitir um sinal de alerta, já que o resultado pode estar ancorado em um aumento do endividamento.
E, em um contexto que também abarca uma economia chinesa bastante fraca, “tudo me diz que o juro é para baixo, não para cima”. Para ele, porém, o Banco Central do Brasil será obrigado a elevar a Selic.
“Até entendo o movimento que o [diretor de política monetária do BC] Gabriel Galípolo fez, ao adotar um discurso muito ‘hawkish’ [duro] para tentar ganhar credibilidade. Entendo a posição dele de mostrar que tem autonomia. É a estratégia de um agente racional, que vai tentar maximizar isso para, em 2025, só dar notícia boa. E, aparentemente, o Palácio do Planalto está ‘ok’ com isso. Existe uma janela de oportunidade para subir juros. Ficou fácil dar a indicação ‘hawkish’.”
Para o economista, porém, a forma e a calibragem usadas anteriormente por Galípolo mostraram exagero. “Ele se amarrou de tal forma que, se não der a alta, o Brasil terá muito problema. A forma como a comunicação estava sendo colocada por ele, ainda que o BC diga ser dependente de dados, deixou muito claro que haverá uma alta de juros na próxima reunião, mesmo que as condições até o próximo Copom estejam diferentes”, avalia.
“O tom inicial do Galípolo nos indicava que era praticamente certa uma alta, enquanto o [presidente do BC Roberto] Campos Neto foi mais ponderado. No entanto, com o hiato do produto cada vez mais positivo e expectativas de inflação cada vez mais desancoradas, se o BC entregar só um aumento de 0,25 ponto parece pouco”, avalia.
Para Leal, com esse conjunto da obra, “um agente econômico racional entregaria uma alta de 0,5 ponto e isso sim seria um choque de credibilidade”. A ARX projeta uma alta da Selic para 11% em setembro e vê o juro parado nesse nível, já que a piora externa deve impedir novas elevações na taxa.
Fonte: Valor Econômico


