24 Nov 2023 ADRIANA FERNANDES BIANCA LIMA
Depois do Pix, o sistema de Open Finance já é uma realidade no Brasil e vem mudando a cara da relação dos clientes com os bancos. A palavra em inglês significa “sistema financeiro aberto” e, no mundo bancário, representa a possibilidade de clientes de produtos e serviços financeiros autorizarem o compartilhamento de suas informações entre diferentes instituições.
Ao Estadão, o diretor de regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, antecipa que uma nova era está chegando com o Open Finance: a dos superapps dos bancos.
Na entrevista, Damaso compara a implantação do Open Finance a uma jornada em que inovações tecnológicas para a oferta de novos serviços serão rapidamente incorporadas aos aplicativos, que serão também uma plataforma de acesso ao varejo.
Com mais informações, os bancos podem oferecer benefícios que vão desde um pagamento de Pix com mais funcionalidade, empréstimos com juros mais baixos, cartão de crédito com taxas mais baratas até a oferta de um investimento com retorno mais alto. “Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance”, diz Damaso. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como traduzir de forma simples o Open Finance?
É uma infraestrutura que permite o compartilhamento das informações de cada cliente bancário entre as instituições financeiras – é claro que a partir do consentimento do cliente. Se sou correntista do banco A e estou atrás de um produto ou serviço financeiro melhor no banco B, posso autorizar que o banco A, que tem todo o histórico da minha vida financeira, compartilhe meus dados com o banco B, que vai me analisar e poderá me oferecer produtos. Mais do que isso: ele permite que você faça transações financeiras acessando a sua conta no banco B, a partir do aplicativo do banco A.
De que forma?
Tudo é feito a partir de APIs (interfaces de programação de aplicações) que foram desenvolvidas pelos próprios bancos. É um canal bilateral, onde a informação transita do banco A para o banco B de forma totalmente segura. Só participam do Open Finance as instituições que são reguladas e autorizadas pelo Banco Central do Brasil.
O que esperar do impacto do Open Finance na concorrência bancária e na economia?
Com certeza, o Open Finance vai transformar o sistema financeiro nos próximos cinco anos, dez anos. Ele é um processo, é uma jornada longa, que vai trazer muito mais conveniência, melhores produtos e serviços para o consumidor. Naturalmente, vai fomentar um ambiente ainda mais competitivo no sistema financeiro nacional.
Quando o Open Finance estiver totalmente implementado, o cliente terá um único aplicativo, que vai unificar as informações?
Não. Vamos esclarecer alguns pontos: os aplicativos dos bancos são atualmente o principal instrumento de relacionamento entre o banco e o cliente. O aplicativo de cada banco já está num processo de transformação. Não vai existir um aplicativo único. Vai existir o aplicativo do seu banco A, do seu banco B, que, nesse processo de transformação, vai ter uma série de informações. O Open Finance vai estar dentro do aplicativo desse banco. Os aplicativos dos bancos ficarão cada vez mais poderosos, parrudos, com mais informações e, provavelmente, com serviços e produtos que vão, em alguns casos, até além do serviço financeiro. Você pode entrar hoje num aplicativo de banco com acesso a marketplaces, que oferecem condições melhores para você comprar.
Não haverá, então, um aplicativo único?
Não. Vai existir um superaplicativo de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro.
Quando o sr. diz que poderia ir para além de serviços financeiros, seria fazer compras por meio do aplicativo?
Hoje, se o cliente entrar no aplicativo de um banco, o que vai encontrar lá dentro? Toda gama de produtos e serviços financeiros que o banco oferece. E, em alguns casos, ele já oferece produtos e serviços financeiros de outros players (instituições financeiras) do mercado. Em outros casos, já tem, inclusive, acesso a marketplaces. Ou, então, uma fabricante de um eletrodoméstico, com o qual o banco tem essa parceria, e oferece condições melhores para o cliente.
O que pode ter mais, no futuro, via Open Finance?
Se você escolheu o aplicativo do banco A para ser a sua principal entrada no mundo financeiro, vai entrar nele e conseguir ver a sua conta corrente no banco B. Fazer, por exemplo, o pagamento de um boleto usando o saldo da conta B sem sair do aplicativo do banco A. É como escolher o seu portal quando acessa a internet.
Em que ponto nós estamos hoje? Atualmente, por exemplo, nas transações via Pix, já é possível selecionar de qual banco o dinheiro vai sair.
Isso já é o Open Finance operando. No aplicativo do banco que eu tenho, consigo ver o saldo e as transações que fiz nos outros dois bancos em que tenho conta, o B e o C. Isso já está funcionando, só que tem de autorizar. Também já é possível estar no aplicativo do banco A e pagar a conta usando o dinheiro do banco B. Eu vou lá e faço um Pix acessando o banco B, porque meu dinheiro naquele momento está lá. Imagina isso na vida de uma empresa, que geralmente opera com três, quatro, cinco bancos, porque precisa fazer vários negócios. Ela, agora, tem condições de visualizar toda a sua vida financeira num único aplicativo. Antes, ela tinha de sair do banco A, entrar no banco B, sair do banco B e entrar no banco C… No futuro, você vai acessar um aplicativo e dali resolver toda a sua vida financeira.
A briga pelo cliente vai ser sangrenta, então?
Sempre foi. O pessoal sempre achou que o sistema financeiro não tinha competição, mas tem muita competição.
Vai ter mais?
Cada vez mais. Os novos entrantes vão buscar que você entre nesse banco, porque ele vai te oferecer alguma coisa diferente. Ao entrar, ele vai pedir para você levar a sua informação (financeira) para lá. Mas isso está acontecendo dos dois lados, porque os bancos grandes também não estão parados esperando a concorrência chegar. Eles estão se transformando cada vez mais, investindo muito em tecnologia, para conquistar a permanência ou um novo cliente.
Pode dar um exemplo de inovação gerada pelo Open Finance, nesse ambiente de maior competição?
Vamos pegar o exemplo do Joãozinho, que volta e meia entra no cheque especial. Ele é cliente do banco A há dez anos. Esse banco dá R$ 5 mil de limite e cobra 8% de juros (ao mês). O cheque especial era um produto com zero concorrência, porque ninguém muda de banco porque o limite é baixo ou porque a taxa de juro desse produto é alta. Então, tinha uma rigidez nessa concorrência. O que está acontecendo hoje? O banco B diz assim: se você me der acesso ao Open Finance, todo dia eu vou lá no banco A e vou ver qual é o saldo na conta corrente. Se você entrar no cheque especial, eu vou te cobrir e, para isso, vou cobrar, em vez de 8%, 5%. Ou seja, a gente deu concorrência para um produto que não tinha concorrência.
Por que isso é bom para os clientes?
Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance. O que é crédito? É confiança. Você tem a vida no banco A e sente que pode ter oportunidade de uma operação de crédito no banco B, em melhores condições, só que o banco B não sabe quem você é, não sabe o seu histórico. Com o Open Finance, ele olha e pode oferecer um crédito em melhores condições. Mais do que isso, o banco B vê que o seu cartão de crédito está com uma anuidade de R$ 1 mil e fala: vem para cá, que eu te dou três anos de isenção da anuidade. Por quê? Porque você é um bom cliente.
As instituições financeiras são obrigadas a aderir ao Open Finance?
Alguns tipos de instituições financeiras são obrigadas (é o caso dos bancos maiores). Para outras, é optativo. Só que todos podem entrar. Lembrando que, geralmente, mais para baixo (na classificação das instituições financeiras), estão os bancos novos, os entrantes, os desafiantes. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

