Por Lucinda Pinto — De São Paulo
21/10/2022 05h00 · Atualizado há uma hora
“Depois de meses exibindo relativa tranquilidade diante do cenário eleitoral, o mercado financeiro começou a reagir ao resultado das pesquisas. E a recuperação do presidente Jair Bolsonaro nas últimas sondagens tem provocado uma melhora dos preços dos ativos. Para analistas ouvidos pelo Valor, esse comportamento reflete a preocupação com a demora do candidato Luiz Inácio Lula da Silva em dar informações mais claras sobre sua proposta de política econômica e, principalmente, sobre quem comandará a economia em um evento governo petista.
O mercado tem como prática dar o benefício da dúvida, e acho que isso está acontecendo com o Lula. Mas essa demora em se manifestar sobre alguns temas sensíveis ao mercado custa um preço”, afirma a consultora econômica Zeina Latif.
No dia seguinte ao primeiro turno, que mostrou um placar muito mais apertado entre Lula e Bolsonaro do que as pesquisas indicavam, os mercados passaram por uma forte valorização: o Ibovespa subiu 5,5% enquanto o dólar caiu 4,09%. Isso porque, na visão dos agentes, a disputa mais concorrida levaria Lula a caminhar mais rapidamente para o centro, a ajustar seu discurso, a trazer propostas mais claras para a política fiscal e quem sabe, um nome para a Economia. Até aqui, porém, essa expectativa não se concretizou. Ao contrário, o petista elevou o tom em temas como a mudança na política de preços da Petrobras, o que vai na contramão do que o mercado considera adequado tanto para a saúde dessas instituições como para o crescimento da economia.
“O mercado olha mesmo é para a agenda econômica de curto prazo, e não há nenhuma dica do que será a agenda de um governo Lula”, diz Zeina.
Para ela, entretanto, a valorização dos ativos tem sido “discreta”, nada parecido com o que se viu durante a campanha de 2018. Naquele momento, o mercado trabalhava com um cenário realmente binário: enquanto o petista Fernando Haddad estava associado à política econômica de Dilma Rousseff, a equipe econômica liberal de Jair Bolsonaro vinha com a promessa de reformas estruturais, privatização e responsabilidade fiscal.
“Em 2018 o mercado celebrou a vitória de Bolsonaro. Hoje, a reação é muito mais moderada e localizada em alguns ativos, o que revela que também existem incertezas em relação a Bolsonaro”, diz a economista.
Para Zeina, do ponto de vista fiscal, Bolsonaro também alimenta muita incerteza. A campanha do atual presidente também não deixou claro como vai lidar com o teto de gastos. Ao mesmo tempo, é notório que, durante a campanha, houve expansão de gastos. “O mercado reconhece as limitações de um eventual segundo mandato”, afirma. “Mas o ponto concreto é que estamos entre o Guedes e um desconhecido, que pode ser alguém mais a favor do gasto público”, define.
Para Antonio Madeira, economista da MCM Consultores, a expectativa do mercado ainda é de que um eventual governo Lula seja moderado do ponto de vista econômico, não dê um “cavalo de pau” na atual política econômica, respeite a autonomia do Banco Central, e adote alguma regra fiscal. “Mas é tudo expectativa”, afirma. Até agora, diz Madeira, a campanha de Lula não deu nenhuma informação que dê força a essa aposta. E isso justifica o fato de que alguns ativos ganhem mais valor diante do aumento das chances de Bolsonaro na disputa, segundo as pesquisas.
Além disso, se há uma certa confiança de que o tema fiscal poderá ser bem encaminhado, o discurso de Lula tem elevado a preocupação com questões microeconômicas, como o tamanho do BNDES, o uso de bancos públicos e interferência na gestão da Petrobras. “No campo macro, acho que está tudo muito incerto e dependente do canário internacional. Mesmo num governo liberal, o que determinará a pauta é o exterior”, afirma Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse. A diferença entre os dois candidatos é mais clara, diz Sour, em temas microeconômicos.
As ações de companhias estatais ilustram bem essa situação. Entre quarta e quinta-feira, investidores reagiram a trackings eleitorais que mostraram o crescimento de Bolsonaro, cenário confirmado pela pesquisa Datafolha, divulgada na quarta-feira à noite. Segundo a sondagem, Lula tem 49% das intenções de voto e Bolsonaro, com 45%, empatados tecnicamente.
Em reação, as ações das estatais deram um salto. Petrobras ON ganhou 6,49%, Petrobras PN avançou 6,61%, e Banco do Brasil ON subiu 5,01%. Enquanto isso, o Ibovespa teve uma oscilação de 1,19%.
Para Madeira, essa é a resposta do investidor ao discurso feito por Lula, de que pretende “abrasileirar” os preços dos combustíveis, indicando que pode abandonar a atual política que prevê o repasse para os preços dos combustíveis das oscilações do petróleo e do câmbio. O economista cita ainda a declaração de Lula de que pretende recuperar a indústria naval e de gás, sugerindo que poderá retomar a política do conteúdo local, que abrigava a compra de produtos e equipamentos produzidos no Brasil, muitas vezes mais caros. Além disso, o petista tem falado em manter as refinarias da Petrobras, atividade com baixo retorno para a companhia. Declarações que sugerem que, em um governo petista, o desempenho da companhia pode ser pior para o acionista.
“Embora Bolsonaro tenha criticado a política de preços da Petrobras, a regra foi mantida neste ano, assim como o movimento de venda das refinarias e o foco na produção e exploração de óleo, que é a atividade mais lucrativa’, explica.
Embora a política de preços da Petrobras não tenha sido alterada, cálculos da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) apontam para uma defasagem de 14% no preço da gasolina. Para Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset Management, é inegável que existe um aspecto eleitoral nessa prática, assim como em outras medidas adotadas este ano e que representam custo fiscal. É o caso do Auxílio-Brasil, que vai custar R$ 150 bilhões aos cofres públicos, e a redução de impostos, com o objetivo de conter a alta da inflação.
Com tudo isso, Weeks vê no discurso de Lula uma indicação muito mais explícita de aumento de gastos, em promessas como a do reajuste do salário mínimo, de recomposição do salário do servidor público, de investimento público e mais gastos sociais. “Um candidato me diz que tem mais prioridade de gastos do que o outro. Um fala em privatização, enquanto o outro diz que não fará isso de forma alguma”, afirma. “Isso muda a forma como o mercado reage.”
O papel do BNDES é outro ponto de atenção do mercado nos discursos de Lula. Na semana passada, a representante da campanha de Lula, Miriam Belchior, ex-ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, reforçou a importância do uso de bancos públicos para financiar o investimento. Para Weeks, o crescimento do mercado de capitais, que registra este ano um volume de mais de R$ 400 bilhões em operações, foi possível por causa da redução do balanço do BNDES. “O setor privado ocupou a parte que era do governo, e há resultados sobre a economia ainda a serem percebidos’, afirma.
Para Juan Jensen, sócio da 4Inteligence, o mercado tende a reagir melhor num cenário favorável a Bolsonaro porque o risco de execução num governo Lula é maior. Ou seja, ainda que, provavelmente, ambos sejam fiscalmente responsáveis, Lula pode ter menos disposição em avançar com uma agenda de reformas e viabilizar crescimento.
Fonte: Valor Econômico

