31 Jan 2024
GUILHERME GUERRA
“O principal ônus sobre as margens dessas empresas está na necessidade de crescer mais rapidamente do que a concorrência. Isso exige margens e mão de obra qualificada” – Thomas Monteiro (Investing.com)
As demissões em massa nas grandes empresas de tecnologia voltaram. Pegando de surpresa o mercado, que pensava que os cortes eram uma questão superada e deixada em 2022 e 2023, ao menos seis grandes companhias dispensaram mais de duas mil pessoas nas duas últimas semanas.
Nomes como Microsoft, Alphabet (dona do Google), Amazon, TikTok, Discord e Duolingo realizaram cortes de centenas de funcionários. Recentemente, o estúdio Riot Games (conhecido pelo jogo League of Legends) e a startup unicórnio Brex entraram na lista.
As demissões acontecem em meio à euforia da inteligência artificial (IA), cuja disseminação alavancou essas companhias nos últimos meses, após a chegada do ChatGPT, da OpenAI. Em 2023, as ações da Amazon subiram 81%, enquanto Microsoft (57%), Google (58%) e Meta (23%) também registraram altas expressivas.
As demissões deste ano, portanto, acontecem em um momento em que essas empresas estão mais bem capitalizadas e bem-vistas por investidores do que há um ano – motivo pelo qual os cortes vêm assustando o mercado.
RAZÕES. Entre 2022 e 2024, o cenário mudou. Há dois anos, a alta global dos juros e a volta à normalidade após a pandemia de covid-19 (cuja necessidade por serviços digitais impulsionou os negócios dessas empresas) foram os principais motivos para a desaceleração das companhias de tecnologia. Na tentativa de manter as margens de lucro e se preparar para um cenário de incertezas, as empresas demitiram milhares de pessoas.
Agora, essas companhias estão prestes a entrar numa guerra pelo domínio da inteligência artificial. Em casos extremos, quem perder essa batalha pode perder relevância no mercado. “Isso mudou o foco do setor para a inovação”, diz o analista Thomas Monteiro, editor da plataforma de investimentos Investing.com. Segundo ele, em 2024, o objetivo das empresas é eliminar ineficiências, tirar recursos de áreas menos rentáveis e aplicar em serviços inovadores no campo da IA – o que significa contratar pessoas mais experientes e dispensar as mais juniores.
“Isso, quase paradoxalmente, tornou a competição por talentos mais acirrada do que nunca. As empresas de tecnologia estão substituindo muitos cargos de nível inferior e médio por alguns de nível superior. E essa é a maior diferença entre os dois momentos”, diz ele, em referência a 2022 e 2024.
Matheus Popst, sócio da gestora Arbor Capital, aponta que as demissões de 2024 não são em setores relacionados à inteligência artificial, mas em áreas menos estratégicas. “Por mais que o Google esteja sendo beneficiado pela IA generativa, o negócio de hardware continua deficitário.”
ONDA DEVE CONTINUAR. Outra diferença é que as demissões do período anterior também foram maiores. Juntas, Microsoft, Google, Amazon e Meta dispensaram mais de 61 mil pessoas entre outubro de 2022 e março de 2023. Além delas, empresas menores de tecnologia entraram na onda, realizando cortes de centenas de funcionários de uma vez.
A expectativa é de que, neste ano, os cortes sejam menores e mais pontuais, mas devem continuar. “Os indicadores mostram que os cortes estão longe de terminar”, diz Monteiro. “O principal ônus sobre as margens dessas empresas, nesse momento, está na necessidade de crescer mais rapidamente do que a concorrência. E isso exige margens e, acima de tudo, mão de obra qualificada.”
A última empresa a anunciar demissões foi a Microsoft, na última quinta-feira. Ao todo, serão cortadas 1,9 mil pessoas da divisão de games da empresa, dona do Xbox e do estúdio Activion Blizzard, cuja compra foi concluída no ano passado por US$ 69 bilhões (por volta de R$ 317 bilhões) – o maior negócio na história da tecnologia.
O Google demitiu centenas de pessoas (o número não foi revelado) que trabalhavam no YouTube. As demissões impactaram também o escritório no Brasil. E mais demissões devem ocorrer na empresa, avisou o presidente executivo, Sundar Pichai.
Já a Amazon fez cortes em áreas como a plataforma de games Twitch (cerca de 500 pessoas), no serviço de streaming Prime Video e no estúdio de Hollywood MGM. A quantidade total de pessoas afetadas não foi revelada.
A plataforma Discord demitiu 17% dos funcionários, algo como 170 pessoas. E as empresas chinesas TikTok (da ByteDance) e Riot Games (da Tencent) dispensaram, respectivamente, 60 e 530 pessoas.
Startups menores também demitiram. O aplicativo de ensino de idiomas Duolingo substituiu redatores e tradutores por ferramentas de inteligência artificial. Já a Brex, fundada por dois brasileiros nos EUA em 2017 e avaliada em US$ 12 bilhões em setembro do ano passado, anunciou a demissão de 282 pessoas (20% da startup). •
Fonte: O Estado de S. Paulo

