Por Júlia Lewgoy — De São Paulo
08/11/2022 05h03 Atualizado
Uma alteração em uma norma para os fundos de ações ativos, que buscam superar o Ibovespa, atendeu a uma antiga demanda de alguns dos gestores mais importantes do país, mas diminuiu a transparência para os cotistas e causou polêmica. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizou, na semana passada, que esses fundos escondam as ações que compraram e em qual quantidade no site da autarquia por até seis meses. Até então, esse período era de até três meses. A Resolução CVM 172 entra em vigor a partir de 1º de dezembro e faz alterações experimentais e temporárias.
O debate existe há anos e é dividido em dois lados: um deles defende o capital intelectual e as estratégias dos gestores; o outro, a competição livre no mercado e a maior transparência para os investidores. Após a mudança na regra, o argumento número um ganhou a disputa, mas ainda não há consenso no mercado sobre a decisão.
O grupo de gestores que buscou a CVM e conseguiu o que desejava alega que as suas compras e vendas de ações eram facilmente identificadas pelos concorrentes, especialmente pelos que usam algoritmos de inteligência artificial, antes mesmo de eles acabarem de montar a carteira. Os investimentos eram antecipados e replicados. O problema, conforme eles, é que isso ajudava a aumentar o preço das ações, causando prejuízo a cotistas, e ia contra o direito de propriedade intelectual dos profissionais, que acumulam conhecimento ao longo de anos para escolher ações.
O ETF GURU11, fundo negociado em bolsa que busca replicar a carteira de um grupo de gestores renomados, acabou inflamando essa discussão quando foi lançado, no fim do ano passado.
Já os especialistas contrários à nova regra argumentam que ela é um contrassenso em relação à missão da CVM de proteger o interesse dos investidores e assegurar a ampla divulgação de informações, como a autarquia afirma em seu site. Eles dizem que os investidores menores, com menos educação financeira e acesso às informações dos fundos, acabam sendo os mais prejudicados.
Daniel Maeda, superintendente de supervisão de investidores institucionais da CVM, afirma que a autarquia ouviu opiniões diferentes e admite que a nova norma prevê menos transparência para os investidores, mas argumenta que a decisão foi tomada com base em alguns pontos. Ele afirma que os cotistas dos fundos, e não os investidores em geral, continuarão com acesso aos extratos mensais. “A regra experimental prevê um nível mais baixo de transparência, mas não dramaticamente menor, como alguns defendem. Os cotistas continuarão recebendo a mesma informação.”
Maeda ainda afirma que o que deve mover um investidor pessoa física a escolher e a continuar em um fundo de ações não é a carteira do momento, e sim o histórico e a reputação do gestor. “É claro que conhecer a carteira ajuda a entender a estratégia, mas a análise mais importante é a da capacidade do gestor de tomar boas decisões”, diz. Além disso, ele afirma que o fato de os grandes investidores terem mais acesso à informação do que os pequenos é um problema estrutural do mercado, que não nasceu ou piorou com essa norma.
Maeda também argumenta que a CVM botou dois valores na balança: a inovação, de um lado, e a transparência, de outro. A autarquia avaliou que o estímulo à inovação pesava mais no mercado. “Um ambiente que permite que as estratégias sejam replicadas a baixo custo por robôs acaba desestimulando demais a inovação dos gestores.” Por último, ele defende que a norma é experimental, o que significa que a CVM ainda pode voltar atrás se analisar que não está funcionando bem.
“A ideia é acompanhar como a inovação e a transparência serão impactadas ao longo do tempo e como o mercado e os investidores reagirão”, diz. “No limite, se os investidores desses fundos começarem a sair porque estão desconfortáveis, poderemos rever a medida.”
A Anbima afirma, em nota, que entende a legitimidade do pedido de preservação do conhecimento dos gestores e que a nova norma protege o cotista, que pode ter seu investimento prejudicado caso a carteira de seu fundo seja copiada por outro, afetando os preços dos ativos.
A nova norma é tão polêmica que mesmo alguns agentes do mercado favoráveis à alteração não quiseram se identificar ao Valor Investe. Um dos gestores de fundos de ações que buscou a CVM afirma que as carteiras abertas no site da autarquia acabam sendo mais acessadas por concorrentes do que pelos cotistas. “A transparência acaba sendo mais usada pelos concorrentes. O investidor que paga as taxas de administração e de performance e que poderia desejar entender o que está na carteira acaba não entrando no site da CVM para checar as informações”, afirma.
Ele acrescenta que os investidores que desejam entender a estratégia dos fundos podem acompanhar as cartas, entrevistas e vídeos dos gestores e que os segredos compartilhados por meio desses meios não prejudicam os fundos e os cotistas. “A transparência continua, mas eu só conto o que sei que não vai prejudicar o meu fundo, porque aí já acabei de montar a posição.”
Um advogado dedicado a clientes do setor de fundos de investimentos analisou regulações de diferentes países e conta que não achou algum que determinava que os fundos de ações divulgassem a carteira com uma defasagem tão curta quanto o Brasil.
Após toda a polêmica do começo do ano, o índice seguido pelo GURU11 agora passará a fazer a leitura das carteiras dos gestores renomados com uma defasagem de seis em vez de três meses. A Inter Asset, a EQI Asset e a Teva Indices, criadoras do ETF, afirmam que o impacto da mudança para o acompanhamento das carteiras dos “gurus” é baixo, porque os 14 fundos são bastante diversificados e a rotatividade das posições mais relevantes é limitada. A mudança na regra já era prevista na metodologia, conforme as empresas.
Em meio à polêmica, as empresas deixaram de divulgar de quais gestoras são as carteiras replicadas. “A ideia não é fazer marketing em cima dos fundos e sim em cima da ideia do ETF”, afirma Gabriel Verea, presidente da Teva Indices.
Fonte: Valor Econômico

