Com o cenário macroeconômico mais favorável, as empresas nunca emitiram tantas debêntures incentivadas quanto neste ano. Esses papéis, regidos pela Lei nº 12.431/11 e cujos recursos são usados em obras de logística e infraestrutura, são isentos de Imposto de Renda (IR) para o investidor pessoa física e têm despontado na preferência de emissores e investidores.
Foram emitidos R$ 96,10 bilhões de janeiro a setembro de 2024, ante R$ 34,74 bilhões no mesmo período de 2023 – um avanço superior a 170%. O volume já supera o que foi contabilizado em todos os anos completos de 2018 para cá, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Para os agentes financeiros, vários fatores explicam essa forte retomada depois da crise que abateu o mercado no primeiro semestre de 2023, com as recuperações judiciais da Americanas e da Light. “As debêntures incentivadas foram menos impactadas. Estas emissões não ficaram paradas como as do mercado institucional. A virada veio no segundo semestre de 2023, e 2024 já é o melhor ano da série histórica”, afirma Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Anbima.
Sob a ótica do investidor, na virada do ano passado, o Conselho Monetário Nacional (CMN) editou uma série de regulamentações e instrumentos para tributar os fundos fechados (com a adoção do imposto semestral conhecido como come-cotas) e normas para restringir a elegibilidade das emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Imobiliários (CRI). Grosso modo, as empresas que não têm mais de dois terços das receitas oriundas do setor agrícola não podem mais fazer essas emissões, que também são isentas de IR. “O mesmo vale para o CRI, onde determinados lastros foram restritos. E junto vieram as normas da LCI e LCA, com impacto na carência de liquidez, que antes eram de três meses. Agora são nove meses. O investidor que usava LCA e LCI como instrumento de liquidez não está mais usando”, observa Cury.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/6/a/IAChaCRMCsZYTFQCxqoQ/rev-infraestrutura-logistica-2024nov-088-arte-debentures.jpg)
Este movimento tem animado bancos de investimento e gestoras, que lançam fundos com essas características. O BTG Pactual, que participou de mais de cem emissões de incentivadas neste ano, tem outras 20 engatilhadas, que devem ir a mercado até o fim do ano. “Com a NTN-B alta, entre 6,6% e 6,8% ao ano + IPCA, os investidores querem comprar os títulos incentivados porque estão travando a taxa alta e sem IR”, observa Daniel Vaz, head de mercado de capitais de renda fixa e project finance e sócio do BTG Pactual. A NTN-B alta acaba compensando o fechamento dos spreads das incentivadas. Só nos últimos três meses, os spreds (prêmios pagos pelos emissores) caíram entre 0,2 e 0,3 ponto percentual.
O banco participou como coordenador de emissões emblemáticas pelo volume, como o da Iguá Rio, em abril, de R$ 2,7 bilhões, e da Águas do Sertão, em fevereiro, de R$ 1,1 bilhão. Vaz considera que esse é um mercado bem consolidado e não precisava de outro título – no caso, a debênture de infraestrutura (Lei nº 14.801/24), que concede benefício fiscal ao emissor. Havia a expectativa de que as taxas sairiam mais atraentes para os investidores, que seriam os fundos de pensão. Essas debêntures só foram regulamentadas no início do ano e, até agora, não ocorreu nenhuma emissão.
Para o Itaú BBA, a nova debênture de infraestrutura não pegou ainda por falta de interesse das empresas e dos investidores. “Não entrou no radar de prioridades, até porque a 12.431/11 – debêntures incentivadas – é mais útil para projetos, porque o projeto vai gastar 1% ao ano para pegar o dinheiro. Já a de infra vai captar a taxa mais alta – cerca de 2% + CDI – e vai deduzir lá em 2030, quando estiver gerando receita”, observa Felipe Wilberg, diretor de renda fixa e produtos estruturados do banco, que já fez cem emissões neste ano.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/J/o/ncZvR7SZKGNN5xbGpQSg/rev-infralog-088-debentures-cristiano-cury-anbima.jpg)
Ele explica que muitas empresas estão aproveitando a redução dos spreads para melhorar o perfil de dívida. “Quem olha o custo na linha do CDI vê que pode fazer operação de CDI + 0,50%, e que antes era CDI + 1% ou mais 2%. Faz uma debênture nova, paga a antiga e fica com o investimento em caixa. Empresas que podiam aguardar estão antecipando as emissões”, diz. Os setores mais atuantes têm sido os de energia, com cerca de 40% do total das operações, transporte e logística, com 25%, saneamento (13%), e o restante distribuído entre petróleo, gás e telecomunicações.
Já o Bradesco possui 15 emissões de incentivadas para irem a mercado ainda neste ano, que devem levantar R$ 15 bilhões. “Este mercado se transformou nos últimos anos. Em 2018, o mercado total de renda fixa local era de R$ 225 bilhões. Incentivadas eram R$ 40 bilhões. Neste ano, de janeiro a setembro, viraram R$ 480 bilhões no mercado total e 120 ofertas de incentivadas, totalizando R$ 96 bilhões”, observa Felipe Thut, diretor do Bradesco BBI. Ele diz que, com o amadurecimento do mercado local, o BBI contratou em 2024 mais 12 profissionais em estruturação de dívida e seis na distribuição, passando para um total de 55 pessoas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/E/b/1WG0SlT8eiAaKlGOnUFQ/rev-infralog-088-debentures-daniel-vaz-btg.jpg)
“Por conta do ritmo das emissões, os fundos de investimento também captaram mais de R$ 85 bilhões até 18 de outubro. A nossa asset lançou em outubro o fundo BINC 11, de crédito privado, com foco em ativos de infraestrutura”, conta Thut. O fundo já captou R$ 500 milhões e pode fazer follow on (ofertas subsequentes) para captações adicionais. O executivo explica que as novas rodadas de leilões previstas tanto na agenda federal quanto nas estaduais indicam que o mercado continuará aquecido. “Tem 20 leilões de rodovias previstos, com Capex de mais de R$ 100 bilhões. Em saneamento, novo ciclo com leilões no Piauí, Sergipe, Paraíba, Rondônia, Pernambuco, Maranhão, com mais R$ 100 bilhões de Capex.”
Atentas ao interesse do investidor, gestoras como Legacy e ARX Investimentos, também lançaram fundos dedicados a esses títulos. Na ARX são cinco fundos de debêntures incentivadas, que somam R$ 4 bilhões de patrimônio líquido (PL). “A demanda está tão aquecida que nós fechamos no mês passado um deles, porque a captação estava forte demais e fizemos parada estratégica”, observa Pierre Jadoul, diretor-executivo e gestor responsável pela estratégia de crédito privado. Ele diz que, de janeiro a agosto, os fundos performaram em torno de 170%, 180% do CDI. No mês passado, a gestora lançou o ARX Infra Renda CDI, que captou R$ 450 milhões.
Já a Legacy Capital, que conta com quatro fundos de debêntures incentivadas (somados, têm PL de R$ 800 milhões), projeta que as emissões desses títulos no mercado superem R$ 100 bilhões neste ano. “Só a Vale acabou de anunciar R$ 6 bilhões em emissão. Tem lastro para emitir, viu que o mercado está demandando e vai conseguir emitir abaixo da NTN-B (NTN-B menos 0,2% ao ano até NTN-B menos 0,3%). Esta emissão, para mim, é para aproveitar a oportunidade”, observa Leonardo Ono, sócio e gestor de renda fixa da casa de gestão. A maioria dos fundos incentivados foi lançada recentemente. “O primeiro foi há dois anos, e ao longo do tempo a gente veio lançando os outros. E vamos ter uma novidade até o meio de novembro”, conta Ono.
Fonte: Valor Econômico

